Thursday, April 19, 2012







Comunicação gestual

Pedro J. Bondaczuk


O riso e o seu extremo oposto, o pranto, são dois tipos primitivos de comunicação. Ambos prescindem de palavras. Quando se manifestam, todos os que os observam em determinado indivíduo sabem que quem está rindo (ou quem está chorando) está alegre (ou triste, conforme o caso). É verdade que estados extremos de felicidade nos fazem chorar. E que situações de muita tristeza chegam a provocar riso, posto que nervoso, diria, estertórico. Mas essas expressões, e nesses casos, não são a regra. Dependendo das circunstâncias, as duas manifestações, o riso e o pranto, podem, ou não, virem acompanhadas da expressão verbal, de palavras pertinentes à emoção sentida. Ademais, podem ser controladas, ou seja, voluntárias, manifestadas de forma pensada, ou espontâneas e até irreprimíveis e incontroláveis.

Quem nunca ouviu, ou não leu, a afirmação de que o “homem é o único animal que ri”? Eu acrescentaria a contraposição: é, também, o único que chora. Essas duas maneiras de expressar emoções me fascinam e já escrevi muito a propósito, e vocês são testemunhas. Escrevi tanto, que tenho que me policiar para não ser repetitivo. E, ainda assim... muitas vezes sou. O excelente escritor paulista, Amadeu Amaral, natural da cidade de Capivari, interior do Estado de São Paulo (que, infelizmente, anda um tanto esquecido), classificou o riso e o pranto de mímicas. E, convenhamos, de fato são.

Os antropólogos têm uma tese segundo a qual a primeira forma de comunicação entre as pessoas, nas eram bem remotas que remontam a centenas de milhares de anos, foi mediante gestos. De acordo com essa teoria, estes precederam, em muito, a palavra, a expressão oral, diferencial incrível entre o Homo Sapiens e os demais animais. Claro que não há como comprovar isso. Contudo, sem dúvida, faz todo o sentido.

Amadeu Amaral escreveu, em determinado trecho do conto “Louva-a-Deus” (do livro “Memorial de um passageiro de bonde”), o seguinte a esse propósito: “A mímica do pranto e do riso nasceu provavelmente da necessidade de se solidarizarem e coligarem os ânimos, na horda primeva diante do perigo, da contrariedade ou do benefício comum que iam encontrando pela frente. Seria um elemento de coesão sublimável. Uma circulação rápida de psiquismo coletivo”. Êta escritor porreta!!!

Nesta altura, peço licença para abrir um parêntese e apresentar, posto que superficialmente, o autor destas citações. Foi batizado com seis nomes (vejam só!), quatro dos quais iniciados pela letra “a”: Amadeu Ataliba Arruda Amaral Leite Penteado. E antes que os mal-informados achem que se trate de algum escritorzinho obscuro de província, vou logo adiantando que foi membro ativo e atuante da Academia Brasileira de Letras, por dez anos, de 1919, quando foi eleito, até 24 de outubro de 1929, quando morreu em São Paulo.

Ao se tornar “imortal”, teve um desafio sobressalente, e dos maiores: o de substituir o conhecidíssimo e reverenciado poeta Olavo Bilac na cadeira de número 15. E fê-lo muitíssimo bem. Li vários de seus livros, principalmente de poesias, mas o que mais me chamou a atenção foi o que citei, “Memorial de um passageiro de bonde”. Consiste de uma série de contos, todos inspirados por viagens cotidianas nesse tipo de transporte coletivo, hoje em desuso, mas tido como suprassumo da modernidade na sua época.

Fechado o parêntese, voltemos ao tema central destas reflexões. Escrevi, não faz muito, em uma crônica, que “a vida tem que ser encarada com leveza e bom-humor, sem que, com isso, percamos a seriedade e o senso de responsabilidade na execução das tarefas diárias”. E observei que “o riso é uma válvula de escape útil e indispensável para as tensões do cotidiano. Mais do que as vitaminas, nos faz muito bem e é fator que contribui para a saúde física e mental”.

Ponderei, todavia, que “não se trata de fazer galhofa com fraquezas e vulnerabilidades alheias, nem de menosprezar quem quer que seja, mas de dar vazão à alegria e de se divertir com situações engraçadas do dia a dia. Só pessoas inteligentes e seguras de si não se levam tão a sério e têm a grandeza de rir das próprias trapalhadas”. E não é? Os ignorantes e arrogantes tornam-se automaticamente risíveis, sem que se dêem conta, exatamente por sua ignorância e arrogância. Mais especificamente, por sua ridícula empáfia.


Em outra crônica, tratei apenas do pranto. Embora o que tenha escrito seja o óbvio, não me importo em repetir obviedades. Sabem por que? Porque, estranhamente, elas quase nunca são levadas em conta pelas pessoas, que teimam em querer complicar o que é simples. Escrevi, a propósito: “A natureza dotou o ser humano de uma eficiente válvula de escape para as quase irresistíveis pressões de algumas das mais intensas emoções que nos acometem (boas ou más): o pranto. Chorar faz bem! Alivia a alma e adoça o coração. Estranhamente, somos educados (especialmente nós, os homens) para encarar o choro como sendo coisa ruim, manifestação de fraqueza que não condiz com nossa virilidade. Tolice! Se as pessoas chorassem mais vezes, sempre que oprimidas por intensas emoções, certamente viveriam mais, muito mais”. Óbvio? Claro que sim! Mas quantas pessoas levam isso em conta?

Para ser justo, encerro estas reflexões remetendo você, caro leitor, às palavras de Amadeu Amaral, no conto “Louva-a-Deus”, do livro que citei, em que, comentando a origem do riso e do pranto, o escritor arremata: “Com o tempo, isso (a comunicação pelo riso e pelo pranto) se teria refletido e entranhado no indivíduo, até assumir uma sorte de vida inferior, independente. Mas a inconsciência do seu mecanismo interindividual aí está para lhes atestar as origens gregárias. – Somos ovelhas que se vão apenas destacando do rebanho por ligeiras diferenças de pêlo, de dimensões ou de andaduras, mas a alma da ovelha pertence mais ao rebanho do que a ela própria”.

Cabe uma derradeira advertência (esta, minha): O escritor William Thackeray assegura, do alto da sua experiência, que “uma boa risada é um raio de sol”. Mas devemos rir “para” alguém ou “com” ele, e nunca “de” quem quer que seja. O riso franco e espontâneo desanuvia qualquer ambiente e coloca todo e qualquer problema na sua devida perspectiva. É, antes de tudo, manifestação de humanidade. Afinal, reitero, o homem é o único animal que ri. Mas se tivermos que rir de alguém, que seja de nós mesmos. Não devemos nos levar tão a sério. Ou devemos? Quando tentamos resvalamos irremediavelmente para o ridículo. Ou seja, para o que causa riso.

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