Reflexões sobre humanismo
Pedro J. Bondaczuk
A vida e o trabalho do físico e cosmólogo britânico Stephen Hawking, dos quais tratei, posto que sumariamente, em textos anteriores, são tão exemplares e inspiradores, que suscitam um sem número de reflexões. Face a tudo o que foi escrito, cabe, por exemplo, o que o escritor (e ex-ministro da Cultura francês) André Malraux afirmou, a propósito do homem: “O maior mistério não é que estejamos jogados ao acaso entre a profusão da matéria e a dos astros: é que, nessa prisão, tiremos, de nós mesmos, imagens bastante poderosas para negar o nosso nada”.
O Homo Sapiens é muito mais do que mera matéria organizada de determinada forma peculiar e mais do que animal dotado de características superiores às dos demais seres vivos. É esboço, resumo em tamanho reduzido da grandeza e da perfeição do universo. É capaz de superar, virtualmente, todas as limitações e eventuais deficiências e, mediante o poder da vontade, até de adiar a supostamente inexorável extinção física. Quem sabe se algum dia não conseguirá contrariar as leis da natureza e assegurar a imortalidade? Sequer duvido que consiga.
Pela sua ação, o homem tem condições de alterar situações e condições adversas e perpetuar-se, se não fisicamente, pelo menos através das obras que vier a produzir. Malraux acrescentou ao seu raciocínio: “Alguma coisa de eterno permanece no homem, alguma coisa que chamarei sua parte divina”. Ressalte-se que o ex-ministro era confessadamente ateu. Ele afirmou mais: “O humanismo não é dizer ‘o que fiz nenhum animal teria feito’. É dizer ‘recusamos o que em nós queria a besta e queremos reencontrar o homem onde quer que tivermos encontrado o que o esmaga’”.
As ocorrências do nosso cotidiano, que nos preocupam e amofinam tanto, não passam de triviais detalhes, de circunstâncias de somenos, embora as julguemos a essência, o fundamento da vida. A corrida pelo poder, o empenho desesperado e despropositado por amealhar bens materiais, corruptíveis e de nulo valor intrínseco, a busca incansável por prestígio, glória e prazeres sensoriais, são miragens, são ilusões, são fantasias que criamos e às quais nos apegamos para contar com motivação para viver. Todavia, distraem-nos do que, se não é, deveria ser nosso principal, se não único, papel.
Sem objetivos sólidos, sem essa busca incessante pela autêntica grandeza, que é a concretização do nosso potencial físico, intelectual e moral, materializado em obras duradouras e consistentes, antes que a morte impeça que as elaboremos, nos sentimos perdidos, enredados na insignificância do dia a dia, neuróticos, frustrados, revoltados e solitários. Isto, infelizmente, é o que caracteriza as pessoas neste tormentoso início da segunda década do terceiro milênio da era cristã.
Problemas não nos faltam, posto que quase todos gerados por nós mesmos, para nos preocupar e desesperar. Vivemos num planeta superpovoado, com mais de sete bilhões de habitantes e recebendo novos tripulantes – à razão de três novos bebês nascidos por segundo, em média – nessa relativamente acanhada espaçonave cósmica que singra o vazio infinito. Só isso já explica a indagação aflita de André Malraux: “Que noção do homem a civilização da solidão, aquela que separa de todas as outras a posse dos gestos humanos, saberá tirar da sua angústia?”. Sim, qual?
Reitero o que afirmei na abertura do primeiro texto desta série de reflexões, quando sentenciei que “só há um jeito de conquistar a grandeza (do espírito e do intelecto): sendo grande!”. É empenhando toda a nossa inteligência e talento no permanente, no durável, no infinito e no transcendente. A escritora francesa Freya Madeleine Stark assinalou que “o amor do estudo é um elo agradável e universal, pois trata do que a gente é e não do que a gente tem”. Afinal, nossa efemeridade impede que, de fato, “tenhamos” o que quer que seja. Temos, quando muito, posse transitória sobre objetos que nomeamos, arrogantemente, como sendo “nossos”, até que a morte nos colha, sorrateiramente e sem aviso, em qualquer instante e lugar.
Por que batalhar tanto, por que empenhar nossos esforços e melhores capacidades por mesquinhos objetos feitos pelo homem, que tanto nos obcecam, quando a descoberta de um mundo novo, rico e fascinante, o do autoconhecimento, nos confronta e desafia? Por que tentar encontrar frios diamantes quando o brilho das estrelas nos atrai?
“Sinto-me predestinado”, foi o que Stephen Hawking escreveu no seu livro “Uma breve história do tempo”. Mas o que ele fez, na verdade, não foi cumprir eventual predestinação. Foi exercer o livre arbítrio, de que todo homem é dotado. Tomou em suas mãos, a despeito de suas terríveis circunstâncias, da incurável e incapacitante doença que o acometeu e dos obstáculos monstruosos daí decorrentes, as rédeas do próprio destino.
Por isso, chegou à verdadeira grandeza: a de – posto que encerrado, inerte e imóvel, em uma cadeira de rodas, podendo se comunicar com o mundo apenas mediante o auxílio de um computador com um limitado acervo de 2.600 palavras na memória, acoplado a um sintetizador de voz – empreender a espantosa aventura intelectual de compreender e explicar as leis fundamentais que regem o cosmo, as galáxias, as constelações, as estrelas... o universo em expansão..
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
A vida e o trabalho do físico e cosmólogo britânico Stephen Hawking, dos quais tratei, posto que sumariamente, em textos anteriores, são tão exemplares e inspiradores, que suscitam um sem número de reflexões. Face a tudo o que foi escrito, cabe, por exemplo, o que o escritor (e ex-ministro da Cultura francês) André Malraux afirmou, a propósito do homem: “O maior mistério não é que estejamos jogados ao acaso entre a profusão da matéria e a dos astros: é que, nessa prisão, tiremos, de nós mesmos, imagens bastante poderosas para negar o nosso nada”.
O Homo Sapiens é muito mais do que mera matéria organizada de determinada forma peculiar e mais do que animal dotado de características superiores às dos demais seres vivos. É esboço, resumo em tamanho reduzido da grandeza e da perfeição do universo. É capaz de superar, virtualmente, todas as limitações e eventuais deficiências e, mediante o poder da vontade, até de adiar a supostamente inexorável extinção física. Quem sabe se algum dia não conseguirá contrariar as leis da natureza e assegurar a imortalidade? Sequer duvido que consiga.
Pela sua ação, o homem tem condições de alterar situações e condições adversas e perpetuar-se, se não fisicamente, pelo menos através das obras que vier a produzir. Malraux acrescentou ao seu raciocínio: “Alguma coisa de eterno permanece no homem, alguma coisa que chamarei sua parte divina”. Ressalte-se que o ex-ministro era confessadamente ateu. Ele afirmou mais: “O humanismo não é dizer ‘o que fiz nenhum animal teria feito’. É dizer ‘recusamos o que em nós queria a besta e queremos reencontrar o homem onde quer que tivermos encontrado o que o esmaga’”.
As ocorrências do nosso cotidiano, que nos preocupam e amofinam tanto, não passam de triviais detalhes, de circunstâncias de somenos, embora as julguemos a essência, o fundamento da vida. A corrida pelo poder, o empenho desesperado e despropositado por amealhar bens materiais, corruptíveis e de nulo valor intrínseco, a busca incansável por prestígio, glória e prazeres sensoriais, são miragens, são ilusões, são fantasias que criamos e às quais nos apegamos para contar com motivação para viver. Todavia, distraem-nos do que, se não é, deveria ser nosso principal, se não único, papel.
Sem objetivos sólidos, sem essa busca incessante pela autêntica grandeza, que é a concretização do nosso potencial físico, intelectual e moral, materializado em obras duradouras e consistentes, antes que a morte impeça que as elaboremos, nos sentimos perdidos, enredados na insignificância do dia a dia, neuróticos, frustrados, revoltados e solitários. Isto, infelizmente, é o que caracteriza as pessoas neste tormentoso início da segunda década do terceiro milênio da era cristã.
Problemas não nos faltam, posto que quase todos gerados por nós mesmos, para nos preocupar e desesperar. Vivemos num planeta superpovoado, com mais de sete bilhões de habitantes e recebendo novos tripulantes – à razão de três novos bebês nascidos por segundo, em média – nessa relativamente acanhada espaçonave cósmica que singra o vazio infinito. Só isso já explica a indagação aflita de André Malraux: “Que noção do homem a civilização da solidão, aquela que separa de todas as outras a posse dos gestos humanos, saberá tirar da sua angústia?”. Sim, qual?
Reitero o que afirmei na abertura do primeiro texto desta série de reflexões, quando sentenciei que “só há um jeito de conquistar a grandeza (do espírito e do intelecto): sendo grande!”. É empenhando toda a nossa inteligência e talento no permanente, no durável, no infinito e no transcendente. A escritora francesa Freya Madeleine Stark assinalou que “o amor do estudo é um elo agradável e universal, pois trata do que a gente é e não do que a gente tem”. Afinal, nossa efemeridade impede que, de fato, “tenhamos” o que quer que seja. Temos, quando muito, posse transitória sobre objetos que nomeamos, arrogantemente, como sendo “nossos”, até que a morte nos colha, sorrateiramente e sem aviso, em qualquer instante e lugar.
Por que batalhar tanto, por que empenhar nossos esforços e melhores capacidades por mesquinhos objetos feitos pelo homem, que tanto nos obcecam, quando a descoberta de um mundo novo, rico e fascinante, o do autoconhecimento, nos confronta e desafia? Por que tentar encontrar frios diamantes quando o brilho das estrelas nos atrai?
“Sinto-me predestinado”, foi o que Stephen Hawking escreveu no seu livro “Uma breve história do tempo”. Mas o que ele fez, na verdade, não foi cumprir eventual predestinação. Foi exercer o livre arbítrio, de que todo homem é dotado. Tomou em suas mãos, a despeito de suas terríveis circunstâncias, da incurável e incapacitante doença que o acometeu e dos obstáculos monstruosos daí decorrentes, as rédeas do próprio destino.
Por isso, chegou à verdadeira grandeza: a de – posto que encerrado, inerte e imóvel, em uma cadeira de rodas, podendo se comunicar com o mundo apenas mediante o auxílio de um computador com um limitado acervo de 2.600 palavras na memória, acoplado a um sintetizador de voz – empreender a espantosa aventura intelectual de compreender e explicar as leis fundamentais que regem o cosmo, as galáxias, as constelações, as estrelas... o universo em expansão..
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