Além do significado
Pedro J. Bondaczuk
As palavras, analisadas de forma isolada, sem se juntarem a outras para formarem uma sentença, uma oração, um período, um parágrafo, um texto enfim, são, esteticamente, neutras. Não são, por si sós, nem belas e nem feias, embora sugiram, intrinsecamente, beleza e/ou feiúra. Reunidas, todavia, e dependendo de quem as reúna, tendem a gerar reflexões e, sobretudo, emoções. Tornam-se belas, expressivas, inesquecíveis, transcendentais até. Essa que é a magia da literatura. Ou seja, a perícia no manejo das palavras.
Nem tudo o que se escreve tem sentido literal. Há textos que você não pode tomar ao pé da letra, sob o risco do que se escreveu assemelhar-se a conversa de loucos. Ou seja, sem nexo e sem sentido. Os escritores valem-se, amiúde, de determinadas figuras de estilo, também conhecidas como “tropos lingüísticos”, que não descrevem (pelo menos não literalmente), situações, objetos, pensamentos, emoções etc. Limitam-se a “sugeri-los”. A interpretação fica por conta de quem lê. Entre estas, a mais comum, e nem sempre bem compreendida, é a metáfora.
E o que ela vem a ser? Definindo-a, na linguagem fria dos gramáticos, trata-se, apenas, da comparação de dois termos sem a utilização de um conectivo. O termo de conexão mais usado para se comparar duas palavras é “como”. Ou seja, isto é “como” aquilo.
No caso das metáforas, todavia, tal não ocorre. O conectivo é suprimido. Exemplo? Cito estes versos de Olavo Bilac: “Ó natureza! Ó mãe piedosa e pura!”. Abrisse mão da linguagem metafórica, o poeta diria isso de outra maneira. Ou seja, escreveria assim: “Ó natureza que age como mãe piedosa e pura!”. Convenhamos, essa pequena alteração tiraria muito da força e da beleza (se não toda) do verso de Bilac.
Etimologicamente, recorrendo ao Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, ficamos sabendo que “metáfora” origina-se da fusão de duas palavras latinas, “meta”, que significa “algo” e “phora”, “sem sentido”. Ou seja, pode ser interpretada como “absurdo”. Ou seja, como algo que fuja ao senso comum. Desde que utilizada com perícia e pertinência, contudo, revela, em vez de confusão mental, competência, criatividade e inteligência na arte de escrever.
Há que se ter cuidado, todavia, no seu uso. Ela não cabe, por exemplo, em textos que exijam clareza e literalidade, como em documentos. Estes não comportam ambigüidades, sob pena de nos trazerem grandes complicações. É certo que fazem a “alegria” dos advogados em sua tarefa de dirimir querelas e assegurar direitos. Não recomendo, também, o seu uso na redação de notícias. Afinal, estas requerem o máximo de exatidão, de clareza e de objetividade. Repórteres que se utilizam desse tropo literário, portanto, violam uma das regras básicas, áureas da sua profissão, o jornalismo.
Há quem pense que metáforas sejam utilizáveis apenas em poesias. Não é bem assim. Elas cabem em todos os gêneros literários e, se usadas com critério e pertinência, valorizam qualquer texto (de Literatura, claro). O que se deve evitar é o excesso. Aliás, a moderação cabe sempre em todo e qualquer ato da vida. Porquanto, por paradoxal que pareça, até virtude em excesso soa a defeito. Tudo o que é demais destoa, choca e diminui, quando não suprime, a qualidade.
Em determinado conto, por exemplo (ou novela, ou romance), posso descrever um cenário urbano específico dessa forma: “Vista do alto, a cidade era um formigueiro”. Claro que, embora parecesse como tal, não era. Afinal, os seres que se agitavam abaixo do meu ponto de observação eram pessoas e não formigas.
Qualquer leitor, medianamente esclarecido, todavia, entenderia o que o escritor pretendeu dizer. Ou seja, que “vista do alto, a cidade se parecia ‘com’ um formigueiro”. Talvez essa metáfora, admito, não seja a mais criativa e original. Provavelmente, não é mesmo. Usei-a, apenas, a título (rústico) de exemplo. Você, certamente, usaria dezenas, quiçá centenas de outras tantas, bem mais inteligentes e apropriadas.
Pincei três versos belíssimos, em que a linguagem metafórica se destaca e valoriza, sobremaneira, os respectivos textos poéticos. O primeiro é o já citado, de Olavo Bilac, cuja estrofe completa é esta:
Ó natureza! ó mãe piedosa e pura!
Ó cruel, implacável assassina!
--- Mão, que o veneno e o bálsamo propina
e aos sorrisos as lágrimas mistura!
Belíssimo, não é verdade? Há anos vivo perseguindo, em vão, metáforas como estas, que confiram transcendência e perpetuidade aos meus poemas. Isso é talento. E mais, é genialidade. A outra estrofe que selecionei é de Paulo Mendes Campos. Localizei-a na coluna que esse poeta mantinha na extinta revista “Manchete”, na edição de 9 de setembro de 1967, e diz:
O mar ferindo as sílabas da pedra
os dados do infinito atira à terra.
Para agravar a solidão da praia
avança um corvo no terral que guaia.
Finalmente, a terceira, é do mesmo poeta, publicada na já citada edição da mesma revista. Desta vez, todavia, pincei um poema completo, posto que minimalista. E diz:
Pintor maníaco
Envinagrar o vinho dionisíaco
para pensar a praia, seus rupestres
musgos de emoção clara, as eqüestres
e duras formas de um pintor maníaco.
Cantar sem ferir, puro e demoníaco,
doado de metáforas terrestres,
e raro e solitário como os mestres
do inconsútil azul hipocondríaco.
Bem, sem esgotar o assunto (longe disso), creio que mais uma vez cumpri o papel que me cabe, neste espaço: o de lhe trazer sempre um tema literário para a sua reflexão. O de hoje é, aparentemente banal, mas nem sempre devidamente compreendido pelos que fazem e pelos que amam literatura. Fica a sugestão de você ampliar a pesquisa a propósito.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
As palavras, analisadas de forma isolada, sem se juntarem a outras para formarem uma sentença, uma oração, um período, um parágrafo, um texto enfim, são, esteticamente, neutras. Não são, por si sós, nem belas e nem feias, embora sugiram, intrinsecamente, beleza e/ou feiúra. Reunidas, todavia, e dependendo de quem as reúna, tendem a gerar reflexões e, sobretudo, emoções. Tornam-se belas, expressivas, inesquecíveis, transcendentais até. Essa que é a magia da literatura. Ou seja, a perícia no manejo das palavras.
Nem tudo o que se escreve tem sentido literal. Há textos que você não pode tomar ao pé da letra, sob o risco do que se escreveu assemelhar-se a conversa de loucos. Ou seja, sem nexo e sem sentido. Os escritores valem-se, amiúde, de determinadas figuras de estilo, também conhecidas como “tropos lingüísticos”, que não descrevem (pelo menos não literalmente), situações, objetos, pensamentos, emoções etc. Limitam-se a “sugeri-los”. A interpretação fica por conta de quem lê. Entre estas, a mais comum, e nem sempre bem compreendida, é a metáfora.
E o que ela vem a ser? Definindo-a, na linguagem fria dos gramáticos, trata-se, apenas, da comparação de dois termos sem a utilização de um conectivo. O termo de conexão mais usado para se comparar duas palavras é “como”. Ou seja, isto é “como” aquilo.
No caso das metáforas, todavia, tal não ocorre. O conectivo é suprimido. Exemplo? Cito estes versos de Olavo Bilac: “Ó natureza! Ó mãe piedosa e pura!”. Abrisse mão da linguagem metafórica, o poeta diria isso de outra maneira. Ou seja, escreveria assim: “Ó natureza que age como mãe piedosa e pura!”. Convenhamos, essa pequena alteração tiraria muito da força e da beleza (se não toda) do verso de Bilac.
Etimologicamente, recorrendo ao Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, ficamos sabendo que “metáfora” origina-se da fusão de duas palavras latinas, “meta”, que significa “algo” e “phora”, “sem sentido”. Ou seja, pode ser interpretada como “absurdo”. Ou seja, como algo que fuja ao senso comum. Desde que utilizada com perícia e pertinência, contudo, revela, em vez de confusão mental, competência, criatividade e inteligência na arte de escrever.
Há que se ter cuidado, todavia, no seu uso. Ela não cabe, por exemplo, em textos que exijam clareza e literalidade, como em documentos. Estes não comportam ambigüidades, sob pena de nos trazerem grandes complicações. É certo que fazem a “alegria” dos advogados em sua tarefa de dirimir querelas e assegurar direitos. Não recomendo, também, o seu uso na redação de notícias. Afinal, estas requerem o máximo de exatidão, de clareza e de objetividade. Repórteres que se utilizam desse tropo literário, portanto, violam uma das regras básicas, áureas da sua profissão, o jornalismo.
Há quem pense que metáforas sejam utilizáveis apenas em poesias. Não é bem assim. Elas cabem em todos os gêneros literários e, se usadas com critério e pertinência, valorizam qualquer texto (de Literatura, claro). O que se deve evitar é o excesso. Aliás, a moderação cabe sempre em todo e qualquer ato da vida. Porquanto, por paradoxal que pareça, até virtude em excesso soa a defeito. Tudo o que é demais destoa, choca e diminui, quando não suprime, a qualidade.
Em determinado conto, por exemplo (ou novela, ou romance), posso descrever um cenário urbano específico dessa forma: “Vista do alto, a cidade era um formigueiro”. Claro que, embora parecesse como tal, não era. Afinal, os seres que se agitavam abaixo do meu ponto de observação eram pessoas e não formigas.
Qualquer leitor, medianamente esclarecido, todavia, entenderia o que o escritor pretendeu dizer. Ou seja, que “vista do alto, a cidade se parecia ‘com’ um formigueiro”. Talvez essa metáfora, admito, não seja a mais criativa e original. Provavelmente, não é mesmo. Usei-a, apenas, a título (rústico) de exemplo. Você, certamente, usaria dezenas, quiçá centenas de outras tantas, bem mais inteligentes e apropriadas.
Pincei três versos belíssimos, em que a linguagem metafórica se destaca e valoriza, sobremaneira, os respectivos textos poéticos. O primeiro é o já citado, de Olavo Bilac, cuja estrofe completa é esta:
Ó natureza! ó mãe piedosa e pura!
Ó cruel, implacável assassina!
--- Mão, que o veneno e o bálsamo propina
e aos sorrisos as lágrimas mistura!
Belíssimo, não é verdade? Há anos vivo perseguindo, em vão, metáforas como estas, que confiram transcendência e perpetuidade aos meus poemas. Isso é talento. E mais, é genialidade. A outra estrofe que selecionei é de Paulo Mendes Campos. Localizei-a na coluna que esse poeta mantinha na extinta revista “Manchete”, na edição de 9 de setembro de 1967, e diz:
O mar ferindo as sílabas da pedra
os dados do infinito atira à terra.
Para agravar a solidão da praia
avança um corvo no terral que guaia.
Finalmente, a terceira, é do mesmo poeta, publicada na já citada edição da mesma revista. Desta vez, todavia, pincei um poema completo, posto que minimalista. E diz:
Pintor maníaco
Envinagrar o vinho dionisíaco
para pensar a praia, seus rupestres
musgos de emoção clara, as eqüestres
e duras formas de um pintor maníaco.
Cantar sem ferir, puro e demoníaco,
doado de metáforas terrestres,
e raro e solitário como os mestres
do inconsútil azul hipocondríaco.
Bem, sem esgotar o assunto (longe disso), creio que mais uma vez cumpri o papel que me cabe, neste espaço: o de lhe trazer sempre um tema literário para a sua reflexão. O de hoje é, aparentemente banal, mas nem sempre devidamente compreendido pelos que fazem e pelos que amam literatura. Fica a sugestão de você ampliar a pesquisa a propósito.
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