Quando a diplomacia fracassa
Pedro J. Bondaczuk
As relações internacionais, num mundo ideal (que não é, óbvio, o nosso caso) deveriam basear-se, sempre, sem nenhuma exceção, no respeito mútuo, no direito e nas leis e jamais na força. A diplomacia deveria prevalecer sempre. As controvérsias, naturais entre pessoas e igualmente entre países, deveriam ser resolvidas apenas nas mesas de negociações, entre diplomatas treinados para negociar, sem coações e nem ameaças, mesmo que apenas veladas. Não é assim, todavia, que as coisas funcionam e não de hoje. Esta é a realidade desde quando os homens se organizaram em cidades, em Estados e em impérios, ou seja, ao longo de toda a história da humanidade.
Quando há o uso de força militar para tentar resolver alguma controvérsia (e esse expediente nunca resolve de fato), essa ação – legítima muito raramente ou não, na maioria dos casos – significa o fracasso total e inquestionável da diplomacia. Muitas vezes as controvérsias entre países, ditadas na maioria dos casos por antagonismos ideológicos, mas “sempre”, de uma forma ou de outra, envolvendo interesses econômicos, sequer chegam às mesas de negociações. Os diplomatas nem chegam a ser convocados. E nem todas as guerras são abertas, declaradas, de forma convencional. Não raro essas hostilidades se desenvolvem com o apoio de terceiros ou mediante operações “encobertas”, ilegais à luz do direito internacional, mas legitimadas pela falta de provas.
O livro do jornalista Bob Woodward, lançado em 1987, intitulado “Veil: as guerras secretas da CIA”, narra e detalha muitas dessas ilegalidades que, ao fim e ao cabo, nunca resultam em punição para os que as engendram e executam. Nos casos citados, também não resultaram, embora as operações encobertas denunciadas houvessem sido objetos de investigação por parte do Congresso dos Estados Unidos. O autor colheu suas informações diretamente na fonte, entrevistando ex-agentes e, principalmente, o então diretor da agência, William Casey.
Na ocasião do lançamento, tratei, em uma página inteira de jornal, num longo ensaio intitulado “Livro de Woodward revela os ‘subterrâneos’ da CIA” (publicado no “Correio Popular” de Campinas, em 15 de novembro de 1987), do seu teor. Baseei-me nos fragmentos dessa obra, publicados pelo próprio jornalista, no “The Washington Post”. Essa publicação se deu nas últimas semanas de setembro de 1987 (antes, portanto, do lançamento do livro) e tive acesso à matéria graças à provdenciali intervenção de um amigo residente nos Estados Unidos que ma enviou.
Uma das denúncias de Woodward – a que mais me chamou a atenção – foi a referente a um atentado terrorista que “teria” sido planejado pela CIA. A ação teria se destinado a matar o xeque libanês Mohammad Hussein Fadlallkh, chefe da radical milícia muçulmana xiita “Hezbollah”, ou “Partido de Deus”, que seguia as orientações ideológicas do Irã. A Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos teria recorrido, para esse fim, a agentes secretos sauditas, custeados pelo governo desse país árabe, fiel aliado de Washington na região.
Verdadeiro ou não, o fato é que, em 8 de março de 1985, um carro-bomba explodiu em frente a um prédio no setor muçulmano de Beirute. O objetivo seria o de matar Fadlallah, supostamente escondido naquele local. O edifício foi arrasado com a explosão. Oitenta pessoas morreram nesse atentado e outras 200 ficaram feridas, algumas com gravidade. Na oportunidade, esse foi um dos piores ataques terroristas até então ocorridos nesse setor da capital libanesa. O xeque, que de acordo com ex-agentes da CIA seria o alvo de fato do ataque – e ele era considerado o Khomeini do Líbano, tamanha sua identificação com a causa iraniana – escapou ileso. Pessoas inocentes acabaram pagando com a vida por essa suposta ação encoberta patrocinada pela agência de inteligência norte-americana que pode, sim, ser considerada um “fracasso”.
Ao fracassar o atentado para eliminar Fadlallah, a CIA teria recorrido a outra estratégia, esta não violenta. Teria subornado alguns xiitas, com a suposta anuência do próprio xeque, para que o Hezbollah não atacasse mais alvos norte-americanos e de seus aliados. Teria intermediado ajuda financeira ao grupo, além do fornecimento de bolsas de estudo a vários de seus membros, no valor total de US$ 2 milhões. A condição imposta seria, reitero, a de que a organização extremista parasse de atacar objetivos ocidentais.
Como seria de se esperar, claro, o xeque xiita negou a versão. Afinal, se comprovada, ela o deixaria em péssima situação diante de seus partidários e de outras facções pró-iranianas. Fadlallah argumentou que, se de fato houvesse aceitado suborno, seus liderados não teriam atacado o anexo da embaixada norte-americana no setor cristão de Beirute, conhecido como Awkar, ataque esse ocorrido em setembro de 1985, que causou a morte de 12 pessoas e ferimentos em outras 80. Ocorre que esse atentado foi assumido, na ocasião, não pelo “Hezbollah”, mas por membros do grupo Jihad Islâmica.
Woodward revelou que William Casey lhe confessou, antes de morrer, que acreditava no que estava fazendo, mesmo que aos olhos da opinião pública e da justiça parecessem ações ilegais. Justificou-se dizendo que, a despeito da amizade que tinha com o presidente Ronald Reagan, achava que ele era um tanto fraco no que se referia à política externa e que por isso resolveu agir, para resguardar interesses de segurança dos Estados Unidos.
Caso as relações internacionais fossem baseadas, sempre e exclusivamente, no irrestrito respeito ao direito e à justiça, caso as controvérsias fossem todas, e sempre, resolvidas nas mesas de negociação, em conversações em pé de igualdade, sem coações e nem ameaças (mesmo que veladas), seriam prescindíveis, por serem inúteis, organizações como a CIA, a KGB, o Mossad e tantas e tantas outras pelo mundo afora. Contudo, face à inoperância e ao fracasso da diplomacia (e não importa por quais razões), sua existência e ação, não raro de forma ilegal e imoral, muitos entendem, talvez a maioria, que este seja um “mal necessário”. Será?! Reservo-me o direito de discordar, de forma veemente, dos que esposam essa opinião.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
As relações internacionais, num mundo ideal (que não é, óbvio, o nosso caso) deveriam basear-se, sempre, sem nenhuma exceção, no respeito mútuo, no direito e nas leis e jamais na força. A diplomacia deveria prevalecer sempre. As controvérsias, naturais entre pessoas e igualmente entre países, deveriam ser resolvidas apenas nas mesas de negociações, entre diplomatas treinados para negociar, sem coações e nem ameaças, mesmo que apenas veladas. Não é assim, todavia, que as coisas funcionam e não de hoje. Esta é a realidade desde quando os homens se organizaram em cidades, em Estados e em impérios, ou seja, ao longo de toda a história da humanidade.
Quando há o uso de força militar para tentar resolver alguma controvérsia (e esse expediente nunca resolve de fato), essa ação – legítima muito raramente ou não, na maioria dos casos – significa o fracasso total e inquestionável da diplomacia. Muitas vezes as controvérsias entre países, ditadas na maioria dos casos por antagonismos ideológicos, mas “sempre”, de uma forma ou de outra, envolvendo interesses econômicos, sequer chegam às mesas de negociações. Os diplomatas nem chegam a ser convocados. E nem todas as guerras são abertas, declaradas, de forma convencional. Não raro essas hostilidades se desenvolvem com o apoio de terceiros ou mediante operações “encobertas”, ilegais à luz do direito internacional, mas legitimadas pela falta de provas.
O livro do jornalista Bob Woodward, lançado em 1987, intitulado “Veil: as guerras secretas da CIA”, narra e detalha muitas dessas ilegalidades que, ao fim e ao cabo, nunca resultam em punição para os que as engendram e executam. Nos casos citados, também não resultaram, embora as operações encobertas denunciadas houvessem sido objetos de investigação por parte do Congresso dos Estados Unidos. O autor colheu suas informações diretamente na fonte, entrevistando ex-agentes e, principalmente, o então diretor da agência, William Casey.
Na ocasião do lançamento, tratei, em uma página inteira de jornal, num longo ensaio intitulado “Livro de Woodward revela os ‘subterrâneos’ da CIA” (publicado no “Correio Popular” de Campinas, em 15 de novembro de 1987), do seu teor. Baseei-me nos fragmentos dessa obra, publicados pelo próprio jornalista, no “The Washington Post”. Essa publicação se deu nas últimas semanas de setembro de 1987 (antes, portanto, do lançamento do livro) e tive acesso à matéria graças à provdenciali intervenção de um amigo residente nos Estados Unidos que ma enviou.
Uma das denúncias de Woodward – a que mais me chamou a atenção – foi a referente a um atentado terrorista que “teria” sido planejado pela CIA. A ação teria se destinado a matar o xeque libanês Mohammad Hussein Fadlallkh, chefe da radical milícia muçulmana xiita “Hezbollah”, ou “Partido de Deus”, que seguia as orientações ideológicas do Irã. A Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos teria recorrido, para esse fim, a agentes secretos sauditas, custeados pelo governo desse país árabe, fiel aliado de Washington na região.
Verdadeiro ou não, o fato é que, em 8 de março de 1985, um carro-bomba explodiu em frente a um prédio no setor muçulmano de Beirute. O objetivo seria o de matar Fadlallah, supostamente escondido naquele local. O edifício foi arrasado com a explosão. Oitenta pessoas morreram nesse atentado e outras 200 ficaram feridas, algumas com gravidade. Na oportunidade, esse foi um dos piores ataques terroristas até então ocorridos nesse setor da capital libanesa. O xeque, que de acordo com ex-agentes da CIA seria o alvo de fato do ataque – e ele era considerado o Khomeini do Líbano, tamanha sua identificação com a causa iraniana – escapou ileso. Pessoas inocentes acabaram pagando com a vida por essa suposta ação encoberta patrocinada pela agência de inteligência norte-americana que pode, sim, ser considerada um “fracasso”.
Ao fracassar o atentado para eliminar Fadlallah, a CIA teria recorrido a outra estratégia, esta não violenta. Teria subornado alguns xiitas, com a suposta anuência do próprio xeque, para que o Hezbollah não atacasse mais alvos norte-americanos e de seus aliados. Teria intermediado ajuda financeira ao grupo, além do fornecimento de bolsas de estudo a vários de seus membros, no valor total de US$ 2 milhões. A condição imposta seria, reitero, a de que a organização extremista parasse de atacar objetivos ocidentais.
Como seria de se esperar, claro, o xeque xiita negou a versão. Afinal, se comprovada, ela o deixaria em péssima situação diante de seus partidários e de outras facções pró-iranianas. Fadlallah argumentou que, se de fato houvesse aceitado suborno, seus liderados não teriam atacado o anexo da embaixada norte-americana no setor cristão de Beirute, conhecido como Awkar, ataque esse ocorrido em setembro de 1985, que causou a morte de 12 pessoas e ferimentos em outras 80. Ocorre que esse atentado foi assumido, na ocasião, não pelo “Hezbollah”, mas por membros do grupo Jihad Islâmica.
Woodward revelou que William Casey lhe confessou, antes de morrer, que acreditava no que estava fazendo, mesmo que aos olhos da opinião pública e da justiça parecessem ações ilegais. Justificou-se dizendo que, a despeito da amizade que tinha com o presidente Ronald Reagan, achava que ele era um tanto fraco no que se referia à política externa e que por isso resolveu agir, para resguardar interesses de segurança dos Estados Unidos.
Caso as relações internacionais fossem baseadas, sempre e exclusivamente, no irrestrito respeito ao direito e à justiça, caso as controvérsias fossem todas, e sempre, resolvidas nas mesas de negociação, em conversações em pé de igualdade, sem coações e nem ameaças (mesmo que veladas), seriam prescindíveis, por serem inúteis, organizações como a CIA, a KGB, o Mossad e tantas e tantas outras pelo mundo afora. Contudo, face à inoperância e ao fracasso da diplomacia (e não importa por quais razões), sua existência e ação, não raro de forma ilegal e imoral, muitos entendem, talvez a maioria, que este seja um “mal necessário”. Será?! Reservo-me o direito de discordar, de forma veemente, dos que esposam essa opinião.
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