Friday, April 06, 2012







Sociedade dividida


Pedro J. Bondaczuk


A Bolívia terá 29 candidatos, oficialmente inscritos, para disputar o pleito presidencial do dia 14 do mês que vem (isso, se houver eleição). Mas o interesse mostrado na disputa pelo poder está muito distante de corresponder a idêntica atenção popular em relação a essa votação.
A população boliviana, às voltas com uma voraz inflação, de 2.500% ao ano, em média, está, mesmo, preocupada é com o que vai precisar fazer para adquirir o alimento de amanhã. Pouco está ligando para questiúnculas ideológicas, que movem políticos profissionais, que nunca conduziram o país a lugar nenhum. Que só se preocupam com eles mesmos, com seu prestígio, fortuna e poder. O povo que se lixe!
Aliás, as eleições serão realizadas com um ano de antecedência, por causa da impossibilidade do atual presidente, Hernan Siles Zuazo, de obter consenso em torno de um programa de austeridade, para superar, ou pelo menos para amainar os efeitos da atual, e selvagem, crise econômica.
O país encontra-se literalmente falido e às voltas com intermináveis agitações trabalhistas, traduzidas em greves quase que diárias, em ocupações de empresas, em manifestações de protesto e nos indefectíveis rumores de golpe, que sempre acompanharam a vida boliviana. Afinal, em 210 oportunidades, o poder mudou de mãos, na Bolívia, mediante o uso da força. E, as tentativas frustradas para depor presidentes, foram, pelo menos, o dobro disso.
O lançamento de tantas candidaturas à Presidência é sintomático. Aliás, esse número, de 29 candidatos, já chegou a ser ainda maior. Quando começou o período de inscrições, 64 partidos requereram registro. Após rigorosa triagem, no entanto, restaram cerca de 50%. E, desse total, “apenas” 29 confirmaram, em tempo hábil, os seus candidatos à Presidência. Coincidentemente, essas confirmações ocorreram todas ao mesmo tempo, e em cima do prazo concedido pela lei: anteontem de madrugada.
A existência de tantos partidos, em um país tão pequeno e de população relativamente escassa, reflete, sobretudo, a profunda divisão da sociedade boliviana. Há correntes ideológicas que vão de uma extremidade a outra do espectro político, da ultra-esquerda à ultra-direita, com todas as gradações possíveis e imagináveis.
Cada uma dessas facções acredita (ou pelo menos propala essa crença) que tem a solução milagrosa para os gravíssimos problemas da Bolívia, que vão desde a necessidade de se restringir a produção e o consumo de folha de coca, inclusive para satisfazer exigência dos Estados Unidos, que exercem férrea (e justa) pressão nesse sentido, ao caos econômico e social dessa sociedade que é considerada a mais carente da América do Sul. E é aí, nessa presunção de salvadores da pátria, que mora o perigo.
Qualquer governo eleito que não conseguir mostrar resultados práticos logo nos primeiros dias de sua instalação, terá, com certeza, que suportar uma avalanche de protestos e de recriminações, por não satisfazer as exacerbadas expectativas do eleitor. E isso se não for apeado, antes, do poder, por algum dos rotineiros golpes militares de Estado.
Mas a crise boliviana não vem de hoje. Arrasta-se, sem perspectivas (pelo menos de curto e médio prazo) de solução há pelo menos um século. Não será, portanto, em questão de semanas, meses, ou até mesmo um par de anos, que a casa poderá ser colocada em ordem. Não, pelo menos, na medida das suas urgentes necessidades.
Trata-se de tarefa para décadas de sacrifícios, de autodisciplina e de privações, tempo que o povo, angustiado, amargurado e carente com certeza não está disposto a esperar. A Bolívia, hoje, está em literal estado de moratória. Não tem, mesmo que suas autoridades queiram, como honrar seus compromissos externos, com o impaciente sistema monetário internacional.
Ainda anteontem, o governo boliviano comunicou aos bancos credores que não tem recursos para saldar as parcelas vencidas da dívida externa que, aliás, em valores absolutos, sequer é alta. Supera, em pouca coisa, a casa dos US$ 4 bilhões, no total. Todavia, com as atividades produtivas enfrentando perigoso estado de letargia, conseqüência das sucessivas greves de trabalhadores, em termos relativos, esse endividamento acaba por se transformar em monumental!
Esses serão alguns dos inúmeros problemas que Victor Paz Estenssoro, Hugo Banzer ou Jaime Paz Zamora terão que atacar desde o próprio dia da posse na Presidência, caso algum deles seja eleito para suceder Siles Zuazo. Afinal, dos 29 candidatos ao cargo, apenas estes três têm chances reais de vitória. Resta saber se terão, pelo menos, a oportunidade de governar, caso recebam essa missão do eleitorado.

(Artigo publicado naa página 9, Internacional, do Correio Popular, em 1º de junho de 1985).

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