Wednesday, April 25, 2012



Atos praticados com convicção



Pedro J. Bondaczuk

A propósito do livro de Bob Woodward, “Veil: a guerra secreta da CIA”, sobre o qual teci comentários, em alguns textos anteriores, tenho ainda importantes considerações a fazer, antes de dar o assunto por encerrado. Falta traçar um perfil mais exato do principal personagem do enredo dessa obra publicada em 1987, que fez grande sucesso e, como seria de se esperar, gerou bastante polêmica. Pudera! Está recheada de denúncias.

Refiro-me, no caso, ao ex-diretor da Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos. Woodward disse, na ocasião do lançamento do livro, que William Casey lhe confessou, antes de morrer, que acreditava no que estava fazendo. Confidenciou que, a despeito da amizade que tinha com o então presidente norte-americano Ronald Reagan, achava-o um tanto “fraco” no que se referia à política externa e que por isso resolveu agir, por sua conta e risco, para salvaguardar interesses de segurança nacional dos Estados Unidos e, sobretudo, da administração do seu amigo.

Logo no início de sua gestão, Ronald Reagan assinou uma diretriz proibindo assassinatos por parte da CIA. Ou seja, retirou a tão propalada “licença para matar”. No entanto, firmou, também, a pedido de William Casey e com a interferência do então secretário de Estado, George Shultz, determinação preparando terreno para que grupos de ataque antiterroristas atuassem em Beirute.

Essas equipes teriam atuado sob a supervisão direta do então presidente libanês, Amin Gemayel, que seria agente da CIA desde a década de 70, quando chegou a Washington para trabalhar em um escritório de advocacia. Seu compromisso com a agência de inteligência norte-americana teria sido aprofundado em 1982, pouco antes de assumir a presidência do Líbano, o que aconteceria somente após o atentado que resultou na morte do seu irmão, Bachir, ocorrido em 14 de setembro daquele ano.

Amim teria recebido uma ajuda de US$ 10 milhões para a sua milícia cristã. As peças desse intrincado quebra-cabeças, como se vê, parecem se encaixar com perfeição. Esse foi, por coincidência, o período em que se registraram os maiores combates envolvendo grupos xiitas e cristãos maronitas na prolongada e sangrenta guerra civil libanesa.

Uma das acusações de Woodward assemelha-se à que havia sido feita pelo agente secreto aposentado, Philip Agee, em 1968. Era a de que membros do serviço de inteligência dos EUA mantinham estrita vigilância sobre chefes de Estado de países situados em regiões potencialmente instáveis da Ásia, África, Oriente Médio e América Latina.

Golpes teriam sido tramados e executados pela CIA para depor governantes que a agência entendia hostis aos Estados Unidos. Se realmente agiu assim, é caso para se acreditar ou não. Dificilmente alguém encontrará a mínima prova quanto a essas supostas operações, ilegais à luz do Direito Internacional. Essa situação me lembra o que o historiador britânico, Arnold Toynbee, afirmou, em seu livro “Biafra”: “Nós não aprendemos a lição. Sobrepomos as condições políticas às humanas, e isso é sempre errado”.

Os amigos e admiradores de William Casey (e, evidentemente, a sua família), nunca se conformaram com as denúncias feitas por Bob Woodward em seu livro. O presidente Ronald Reagan afirmou, na ocasião, que tudo não passava de fantasia do autor. A esposa do ex-diretor da CIA negou que o jornalista tivesse conversado com seu marido quando este esteve internado no hospital da Universidade Georgetown, em Washington. Argumenta que quando ele procurou a instituição, em 26 de janeiro de 1987, foi barrado por um segurança, que teria impedido a sua entrada.

O editor do “The Washington Post” admite isso. Mas disse que, numa outra oportunidade, que não a mencionada, conseguiu “convencer” um funcionário do hospital a lhe permitir que visitasse Casey, com quem teria conversado por quatro minutos. Disse, porém, que já havia entrevistado o então diretor da CIA em outras inúmeras oportunidades.

Quem foi, afinal, William Casey, herói ou vilão? Foi um homem público de brilhante carreira política. Nasceu em Nova York, em 1913. Estudou na Universidade de Fordham e na Faculdade de Direito de St. John. Casou-se, em 1941, com Sophia Kurz, com quem teve uma filha, Bernardette. Sua primeira experiência com informações sigilosas ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial, quando chefiou o Escritório de Serviços Estratégicos, órgão precursor da CIA.

Casey sustentou a mãe e dois irmãos com seu trabalho. Leitor voraz, notabilizou-se por visitar livrarias de todos os lugares por onde passou à cata de livros raros. Auxiliou na compilação de dados paras diversas publicações. Tornou-se perito em toda a sorte de pesquisas. Escreveu diversos livros, demonstrando ecletismo, abordando assuntos variados, desde História até finanças. Aliás, graças ao tino comercial, fez fortuna, como advogado em Wall Street.

William Casey foi importante esteio do Partido Republicano. Sua vivência partidária começou em 1941. Na oportunidade, escreveu os discursos de campanha de Wendell Wilkies, que acabaria sendo derrotado por Franklin Delano Roosevelt nas eleições presidenciais. A partir de então, atuou ativamente como militante republicano. Todavia, tentou apenas uma vez eleger-se para um cargo político. Foi em 1966, quando concorreu a uma cadeira na Câmara de Deputados pelo Estado de Long Island. Fracassou. Não conseguiu se eleger.

Casey, no entanto, comandou a vitoriosa campanha que levou Ronald Reagan à presidência, em 1980. Na oportunidade, chegou a ser acusado de ter ajudado seu candidato a vencer mediante fraude. Teria roubado anotações que o então presidente Jimmy Carter, que postulava a reeleição, havia preparado para o debate que manteria com o candidato republicano pela televisão. Foi esse confronto, afinal, que decidiu aquela eleição.

Antes de assumir a direção da CIA, na gestão de Ronald Reagan, William Casey serviu a Richard Nixon e Gerald Ford, ocupando os cargos de líder da Comissão de Valores e Câmbio, de secretário de Estado assistente e de presidente do Eximbank (Banco de Exportação e Importação). Depois da vitória de Reagan, assumiu o comando da CIA, que ocupou até 15 de dezembro de 1986 (nominalmente, ficou no posto até 2 de fevereiro de 1987, quando sua carta de demissão, assinada pela mulher, foi apresentada), ocasião em que teve um mal estar em seu escritório, em Langley, na Virgínia, e foi internado no hospital da Universidade Georgetown, onde três dias depois foi submetido a delicada cirurgia para a extração de um tumor canceroso no cérebro.

Após a operação, William Casey nunca mais voltou a ser o mesmo. Permaneceu internado até meados de fevereiro de 1987. Em fins de março, foi novamente hospitalizado. Morreu em 6 de maio, no auge das investigações, por parte do Congresso, do escândalo “Irã-contras”, a 1h15 da madrugada, no Hospital da Comunidade de Glenn Cove, em Nova York, em conseqüência de uma pneumonia. Antes, testemunhou perante os congressistas, em três sessões, em que defendeu seu chefe e amigo, Ronald Reagan, de todas as acusações que lhe eram imputadas. Fez o que fez (se certo ou errado não me cabe julgar) por convicção. E foi, antes e acima de tudo, um amigo leal o que, convenhamos, é cada vez mais raro, notadamente no mundo político.

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