Sunday, April 01, 2012







Miséria superlativa


Pedro J. Bondaczuk


O antigo Paquistão Oriental, que desde 1970 se tornou independente, com o nome de República de Bangladesh, é uma das mais pobres sociedades nacionais que se conhece. Tecnicamente, por qualquer prisma que se olhe, tanto do ponto de vista econômico, quanto do social, é o que os especialistas classificam de país inviável.
Localizado em um território de 143.998 quilômetros quadrados (quase metade do Estado de São Paulo e cinco vezes menor do que a Bahia), tem uma população estimada de cerca de 90 milhões de habitantes, com uma das maiores densidades demográficas do Planeta.
No que diz respeito à miséria, tudo em Bangladesh é maiúsculo. Sua mortalidade infantil (153 mortes para cada mil nascimentos) está entre as mais preocupantes da comunidade internacional. Em termos de analfabetismo, é uma calamidade total. Oitenta por cento dos bengalis estão impossibilitados de acesso aos bens culturais, por não saberem ler e nem escrever. Moléstias controladas em quase todo o mundo, como a diarréia infantil e o cólera, são grandes causas de mortes no país.
Enquanto a população de Bangladesh evolui a taxas superiores a 3,9% anuais, a riqueza nacional, ou seja, seu Produto Interno Bruto, cresce, somente, 0,9% em igual período. A renda per capita bengali, por conseqüência, está entre as mais irrisórias que se conhece. É de US$ 103 por ano. Ou seja, ao câmbio de hoje, do dólar, cotado a Cr$ 5.410,00, cada cidadão desse país recebe, em um período de 365 dias, menos do que dois salários mínimos brasileiros, ou seja, exatamente Cr$ 557.230,00.
Dividindo essa importância no ano, conclui-se que a renda média mensal naquela República asiática é de Cr$ 46.435,80. E o custo de vida, para complicar tudo, é dos mais elevados, mesmo para os padrões de Terceiro Mundo.
Bangladesh importa quase tudo o que consome. Suas exportações, no entanto, resumem-se a quatro produtos, a maioria com baixas cotações no mercado internacional: juta, papel, chá e peixes. Para tentar desenvolver programas na área de saúde e promover investimentos, visando criar empregos para a crescente massa de trabalhadores que chega à idade de ingressar no mercado de trabalho, os governantes desse país se viram forçados a recorrer a sucessivos empréstimos no Exterior. Para completar esse assustador quadro de carências, Bangladesh tem, hoje, uma dívida externa bem próxima dos US$ 3,5 bilhões.
O panorama institucional, por seu turno, é tão caótico quanto o econômico e o social. Com apenas 14 anos de independência, obtida após uma guerra civil das mais sangrentas, quando os bengalis conseguiram separar-se administrativamente do Paquistão, com a ajuda da Índia, essa República já experimentou três golpes militares de Estado e dois assassinatos de presidentes.
Coincidentemente, os dois governantes mortos tinham o mesmo sobrenome, mesmo sem terem nenhum parentesco. O primeiro foi o líder da Revolução que separou Bangladesh do Paquistão, o xeque Mujibur Rahman, morto em 1975, após um golpe militar. O outro presidente assassinado foi o general Ziaur Rahman, assassinado, em 1981, pelos próprios companheiros de farda.
Esse país carente e desassistido, pobre e violento, está, além de tudo, mal localizado. Sua situação geográfica torna-o propenso à ocorrência de periódicos e devastadores ciclones, sendo que o maior deste século foi o ocorrido em novembro de 1970, quando ventos de até 245 quilômetros por hora varreram cidades e aldeias inteiras para dentro do mar, com mais de um milhão de mortos.
Bangladesh é, portanto, por tudo o que foi acima exposto, vasto palco, de 143.998 quilômetros quadrados, onde se desenvolve, em toda sua plenitude, crueza e extensão, aa grande tragédia humana dos desníveis de renda e da falta de solidariedade entre povos irmãos.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 28 de maio de 1985).

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