Perigo de “libanização”
Pedro J. Bondaczuk
A recente decretação do estado de sítio no Chile, encerrando de vez um tímido processo de abertura democrática conduzido pelo ministro do Interior, Sérgio Onofre Jarpas, deflagrou um processo repressivo duríssimo, um pouco parecido até com o que sucedeu à derrubada do presidente Salvador Allende, em 11 de setembro de 1973 naquele país.
Apenas em duas batidas policiais realizadas há duas semanas na periferia de Santiago, mais de dez mil pessoas foram presas e há notícias de cerca de 600 confinamentos de opositores do regime à cidadezinha desértica de Pìsagua, no Norte dessa República.
O Chile, dessa forma, volta a ser palco de lamentáveis acontecimentos, aliás até um tanto freqüentes em sua história. Em 1891, por exemplo, aquele país viveu uma dura guerra civil, que levou à queda do presidente José Manuel Balmaceda e à instauração de um regime parlamentar, que durou cerca de 35 anos.
Em 1920, surgiria no cenário político chileno um homem que estaria destinado a ser o principal personagem da vida nacional por quase 20 anos. Foi Arturo Alessandri, eleito então para ocupar a Presidência da República e que seria deposto, em 1924, por um golpe militar. Um ano depois, ele seria reconduzido ao poder, para ser outra vez deposto, poucos meses após, sendo substituído por Emiliano Figueroa.
Mas essa instabilidade institucional ensejou um vácuo no poder e permitiu o surgimento da ditadura do coronel Blasco Ibañez, que perduraria até 1931. Nesse período, o Chile foi duramente atingido pela recessão econômica mundial, iniciada em 1929, com a quebra da Bolsa de Nova York.
O descontentamento popular descambou para a violência e, em apenas dois anos, o país teve o número insólito de seis presidentes. Em 1931, governaram Pedro Opazo, Juan Esteban Montero e Manuel Trucco e em 1932, Carlos D’Ávila, Bartolomé Blanche e Abraham Oyanedel.
Até que Arturo Alessandri voltasse a ser lembrado e retornasse triunfante à cena política, no final desse ano. É certo que ele conseguiu reconduzir o país à ordem. Mas usou métodos muito parecidos com os adotados pelo general Pinochet atualmente.
Para rebater os efeitos da recessão mundial, criou uma espécie de capitalismo de Estado, estatizando praticamente todos os setores econômicos. Para que isso fosse possível, reprimiu duramente os adversários, usando o Exército, altamente disciplinado e um dos mais profissionalizados do mundo. Aos trabalhadores, pouca coisa restou. Eles foram alienados, tanto do processo político, quanto do econômico. Perderam qualquer representatividade junto ao governo.
Findo o período Alessandri, embora com os sobressaltos naturais de um país do Terceiro Mundo, o Chile atravessou cerca de 20 anos de relativa estabilidade institucional, até a equivocada eleição de Salvador Allende e sua conseqüente deposição, três anos depois, em 1973.
Com muita preocupação, o atual fechamento do regime (que pela nova Constituição votada em 1980, deverá manter o general Pinochet na Presidência pelo menos por mais cinco anos) vem sendo cuidadosamente observado no Exterior e os analistas já prognosticam que dificilmente o atual estado de coisas poderá perdurar até 1989. Algo terá de acontecer.
A dura repressão de agora, ao contrário da registrada em 1973, não está surtindo os efeitos desejados. Está, na verdade, conduzindo os chilenos para um impasse de difícil solução. Acirrando os ânimos, ampliando inimizades, multiplicando rancores.
E caso não se abram válvulas, para que escape a pressão excessiva do descontentamento popular, o Chile corre o sério risco de uma desastrosa e indesejável “libanização”, para a qual, infelizmente, parece caminhar a passos largos.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 24 de novembro de 1984).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
A recente decretação do estado de sítio no Chile, encerrando de vez um tímido processo de abertura democrática conduzido pelo ministro do Interior, Sérgio Onofre Jarpas, deflagrou um processo repressivo duríssimo, um pouco parecido até com o que sucedeu à derrubada do presidente Salvador Allende, em 11 de setembro de 1973 naquele país.
Apenas em duas batidas policiais realizadas há duas semanas na periferia de Santiago, mais de dez mil pessoas foram presas e há notícias de cerca de 600 confinamentos de opositores do regime à cidadezinha desértica de Pìsagua, no Norte dessa República.
O Chile, dessa forma, volta a ser palco de lamentáveis acontecimentos, aliás até um tanto freqüentes em sua história. Em 1891, por exemplo, aquele país viveu uma dura guerra civil, que levou à queda do presidente José Manuel Balmaceda e à instauração de um regime parlamentar, que durou cerca de 35 anos.
Em 1920, surgiria no cenário político chileno um homem que estaria destinado a ser o principal personagem da vida nacional por quase 20 anos. Foi Arturo Alessandri, eleito então para ocupar a Presidência da República e que seria deposto, em 1924, por um golpe militar. Um ano depois, ele seria reconduzido ao poder, para ser outra vez deposto, poucos meses após, sendo substituído por Emiliano Figueroa.
Mas essa instabilidade institucional ensejou um vácuo no poder e permitiu o surgimento da ditadura do coronel Blasco Ibañez, que perduraria até 1931. Nesse período, o Chile foi duramente atingido pela recessão econômica mundial, iniciada em 1929, com a quebra da Bolsa de Nova York.
O descontentamento popular descambou para a violência e, em apenas dois anos, o país teve o número insólito de seis presidentes. Em 1931, governaram Pedro Opazo, Juan Esteban Montero e Manuel Trucco e em 1932, Carlos D’Ávila, Bartolomé Blanche e Abraham Oyanedel.
Até que Arturo Alessandri voltasse a ser lembrado e retornasse triunfante à cena política, no final desse ano. É certo que ele conseguiu reconduzir o país à ordem. Mas usou métodos muito parecidos com os adotados pelo general Pinochet atualmente.
Para rebater os efeitos da recessão mundial, criou uma espécie de capitalismo de Estado, estatizando praticamente todos os setores econômicos. Para que isso fosse possível, reprimiu duramente os adversários, usando o Exército, altamente disciplinado e um dos mais profissionalizados do mundo. Aos trabalhadores, pouca coisa restou. Eles foram alienados, tanto do processo político, quanto do econômico. Perderam qualquer representatividade junto ao governo.
Findo o período Alessandri, embora com os sobressaltos naturais de um país do Terceiro Mundo, o Chile atravessou cerca de 20 anos de relativa estabilidade institucional, até a equivocada eleição de Salvador Allende e sua conseqüente deposição, três anos depois, em 1973.
Com muita preocupação, o atual fechamento do regime (que pela nova Constituição votada em 1980, deverá manter o general Pinochet na Presidência pelo menos por mais cinco anos) vem sendo cuidadosamente observado no Exterior e os analistas já prognosticam que dificilmente o atual estado de coisas poderá perdurar até 1989. Algo terá de acontecer.
A dura repressão de agora, ao contrário da registrada em 1973, não está surtindo os efeitos desejados. Está, na verdade, conduzindo os chilenos para um impasse de difícil solução. Acirrando os ânimos, ampliando inimizades, multiplicando rancores.
E caso não se abram válvulas, para que escape a pressão excessiva do descontentamento popular, o Chile corre o sério risco de uma desastrosa e indesejável “libanização”, para a qual, infelizmente, parece caminhar a passos largos.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 24 de novembro de 1984).
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