Mensageiros dos deuses
Pedro J. Bondaczuk
Os maias – aos quais se atribui suposta “profecia” prevendo o fim do mundo no dia 21 de dezembro de 2012 – praticavam, em determinadas circunstâncias, sacrifícios humanos. Não se diferenciavam, pois, nesse aspecto, de tantos e tantos outros povos, nos tempos do apogeu do seu magnificente império. Seus sacerdotes entendiam que as pessoas escolhidas para arriscar suas vidas eram confiáveis mensageiras entre os deuses – notadamente Chac, que acreditavam ser a divindade responsável pelas chuvas – e o restante da população. E como, afinal, eram esses sacrifícios humanos?
Com base nas tradições orais dos remanescentes dessa etnia, esse para nós exótico ritual dava-se da seguinte forma: Nos períodos de secas persistentes, quando todos os outros recursos eram esgotados, os sacerdotes escolhiam, por critérios que só eles conheciam, determinadas donzelas que deveriam fazer mística “viagem ao outro mundo”, quase sempre sem volta. As famílias das escolhidas consideravam essa escolha enorme privilégio. Essas moças, em geral meninas entre doze e dezoito anos, eram, simplesmente, lançadas nos “cenotes”.
E o que vêm a ser esses locais? Eram apenas poços, com 55 metros de diâmetro, larguíssimos, como se vê. Suas paredes eram íngremes e cheias de pontas, o que impedia que as sacrificadas escapassem do seu interior, ou por sentirem medo da experiência ou por arrependimento na hora agá, por qualquer motivo que fosse. Tais crateras tinham uma profundidade de 18 metros e, no fundo, havia água estagnada, esverdeada.
O dia do sacrifício era solene e festivo. Toda a população da cidade em que a cerimônia ocorria reunia-se, em princípio, em frente à pirâmide e, depois, em volta do “cenote”. Reitero que ser escolhida para ser sacrificada era considerado uma honra, uma deferência muito especial para os parentes de quem tinha esse “privilégio” de poder “falar com os deuses”. Ao amanhecer, antes mesmo do raiar do sol, um cortejo solene, que lembrava nossas procissões atuais, percorria as calçadas de pedra que rodeavam o poço, entoando cânticos e preces, e se encaminhava a um altar erigido à beira do “cenote”.
A escolhida para ser sacrificada era trajada com vestes especiais para a ocasião. Seu corpo era, antes, todo pintado de azul. Depois, recebia os mais ricos trajes e era coberta de jóias, as mais preciosas que houvesse na comunidade. Embora se tratasse de rito (sem dúvida) bárbaro, a pessoa escolhida praticamente não sentia dor alguma. Era previamente drogada, por uma beberagem entorpecente, de efeito anestésico.
Antes de ser lançada no “cenote”, essa “mensageira” recebia, do sacerdote que presidia a cerimônia, meticulosas instruções de como pedir chuva a Chac, assim que estivesse em presença dessa temperamental divindade. Depois, sob cânticos e preces, era lançada, finalmente, no poço. Ao meio-dia, os sacerdotes regressavam ao local. Se a moça estivesse flutuando na água do fundo do “cenote” e, portanto, viva, era imediatamente içada para a superfície.
Após um certo tempo para recuperar-se do susto, era, então, interrogada, para se saber qual a resposta de Chac ao apelo da comunidade. Fruto de delírio, ou apenas de imaginação (ou até por oportunismo, o que considero mais provável), as sobreviventes sempre tinham alguma mensagem na ponta da língua para transmitir, e que era comunicada a toda a comunidade ali reunida. E sua vida era poupada. Tornava-se “celebridade”, ganhava projeção, ascendência social e notoriedade, por se tratar de alguém que havia “falado” com os deuses e voltado para contar a experiência. Raras, todavia, sobreviviam, embora haja diversos registros de sobreviventes.
Caso, porém, após esse sacrifício, a seca persistisse e Chac teimasse em não brindar a população com as tão desejadas chuvas, nova candidata era chamada. E todo o ritual se repetia. Os sacrifícios sucediam-se, por trinta, sessenta, noventa dias ou mais, enquanto não chovesse e a vida da população não voltasse à normalidade, com o cultivo da terra, a semeadura e a conseqüente colheita, que garantisse um ano de tranqüilidade, de fartura e de prosperidade àquela comunidade.
Quando da conquista da América, por parte dos europeus, os maias há muito já estavam dispersos, restando somente pequenos grupos remanescentes, concentrados em isoladas e paupérrimas aldeias, ou misturados aos aztecas e a outras tantas civilizações. Em decorrência do fanatismo e da falta de visão de muitos sacerdotes católicos, restaram pouquíssimos vestígios de sua arte, seus costumes e de sua rica cultura.
Milhares de textos foram simplesmente queimados, por serem considerados profanos, sacrílegos, “coisas do demônio” por padres de visão tacanha e dogmática. Uma pena! Essa destruição fez com que nós, latino-americanos atuais, perdêssemos grande parte da nossa memória. Parte considerável da nossa história virou cinza. Só não se perdeu por completo dada a tradição oral dos remanescentes desses povos. Mas... Como se sabe, a memória é frágil. E somente mediante tais relatos, é impossível distinguir fantasias de fatos. Ficamos, pois, privados de conhecer as verdadeiras raízes da cultura latino-americana, tão rica ou mais que a dos demais continentes.
Eduardo Galeano observou, com muita sabedoria, a esse propósito: “Também a memória deste continente foi expropriada, para que a América não saiba de onde vem e não possa averiguar para onde vai”. É bastante provável que essa insensata e estúpida depredação cultural tenha impedido historiadores, arqueólogos, antropólogos e outros tantos pesquisadores, principalmente, de solver o grande mistério que cerca os povos da América Latina: “Qual foi a causa (ou quais as causas) que levou ao desaparecimento do evoluído e modelar império maia, com suas maravilhas e conquistas, inclusive científicas?
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
Os maias – aos quais se atribui suposta “profecia” prevendo o fim do mundo no dia 21 de dezembro de 2012 – praticavam, em determinadas circunstâncias, sacrifícios humanos. Não se diferenciavam, pois, nesse aspecto, de tantos e tantos outros povos, nos tempos do apogeu do seu magnificente império. Seus sacerdotes entendiam que as pessoas escolhidas para arriscar suas vidas eram confiáveis mensageiras entre os deuses – notadamente Chac, que acreditavam ser a divindade responsável pelas chuvas – e o restante da população. E como, afinal, eram esses sacrifícios humanos?
Com base nas tradições orais dos remanescentes dessa etnia, esse para nós exótico ritual dava-se da seguinte forma: Nos períodos de secas persistentes, quando todos os outros recursos eram esgotados, os sacerdotes escolhiam, por critérios que só eles conheciam, determinadas donzelas que deveriam fazer mística “viagem ao outro mundo”, quase sempre sem volta. As famílias das escolhidas consideravam essa escolha enorme privilégio. Essas moças, em geral meninas entre doze e dezoito anos, eram, simplesmente, lançadas nos “cenotes”.
E o que vêm a ser esses locais? Eram apenas poços, com 55 metros de diâmetro, larguíssimos, como se vê. Suas paredes eram íngremes e cheias de pontas, o que impedia que as sacrificadas escapassem do seu interior, ou por sentirem medo da experiência ou por arrependimento na hora agá, por qualquer motivo que fosse. Tais crateras tinham uma profundidade de 18 metros e, no fundo, havia água estagnada, esverdeada.
O dia do sacrifício era solene e festivo. Toda a população da cidade em que a cerimônia ocorria reunia-se, em princípio, em frente à pirâmide e, depois, em volta do “cenote”. Reitero que ser escolhida para ser sacrificada era considerado uma honra, uma deferência muito especial para os parentes de quem tinha esse “privilégio” de poder “falar com os deuses”. Ao amanhecer, antes mesmo do raiar do sol, um cortejo solene, que lembrava nossas procissões atuais, percorria as calçadas de pedra que rodeavam o poço, entoando cânticos e preces, e se encaminhava a um altar erigido à beira do “cenote”.
A escolhida para ser sacrificada era trajada com vestes especiais para a ocasião. Seu corpo era, antes, todo pintado de azul. Depois, recebia os mais ricos trajes e era coberta de jóias, as mais preciosas que houvesse na comunidade. Embora se tratasse de rito (sem dúvida) bárbaro, a pessoa escolhida praticamente não sentia dor alguma. Era previamente drogada, por uma beberagem entorpecente, de efeito anestésico.
Antes de ser lançada no “cenote”, essa “mensageira” recebia, do sacerdote que presidia a cerimônia, meticulosas instruções de como pedir chuva a Chac, assim que estivesse em presença dessa temperamental divindade. Depois, sob cânticos e preces, era lançada, finalmente, no poço. Ao meio-dia, os sacerdotes regressavam ao local. Se a moça estivesse flutuando na água do fundo do “cenote” e, portanto, viva, era imediatamente içada para a superfície.
Após um certo tempo para recuperar-se do susto, era, então, interrogada, para se saber qual a resposta de Chac ao apelo da comunidade. Fruto de delírio, ou apenas de imaginação (ou até por oportunismo, o que considero mais provável), as sobreviventes sempre tinham alguma mensagem na ponta da língua para transmitir, e que era comunicada a toda a comunidade ali reunida. E sua vida era poupada. Tornava-se “celebridade”, ganhava projeção, ascendência social e notoriedade, por se tratar de alguém que havia “falado” com os deuses e voltado para contar a experiência. Raras, todavia, sobreviviam, embora haja diversos registros de sobreviventes.
Caso, porém, após esse sacrifício, a seca persistisse e Chac teimasse em não brindar a população com as tão desejadas chuvas, nova candidata era chamada. E todo o ritual se repetia. Os sacrifícios sucediam-se, por trinta, sessenta, noventa dias ou mais, enquanto não chovesse e a vida da população não voltasse à normalidade, com o cultivo da terra, a semeadura e a conseqüente colheita, que garantisse um ano de tranqüilidade, de fartura e de prosperidade àquela comunidade.
Quando da conquista da América, por parte dos europeus, os maias há muito já estavam dispersos, restando somente pequenos grupos remanescentes, concentrados em isoladas e paupérrimas aldeias, ou misturados aos aztecas e a outras tantas civilizações. Em decorrência do fanatismo e da falta de visão de muitos sacerdotes católicos, restaram pouquíssimos vestígios de sua arte, seus costumes e de sua rica cultura.
Milhares de textos foram simplesmente queimados, por serem considerados profanos, sacrílegos, “coisas do demônio” por padres de visão tacanha e dogmática. Uma pena! Essa destruição fez com que nós, latino-americanos atuais, perdêssemos grande parte da nossa memória. Parte considerável da nossa história virou cinza. Só não se perdeu por completo dada a tradição oral dos remanescentes desses povos. Mas... Como se sabe, a memória é frágil. E somente mediante tais relatos, é impossível distinguir fantasias de fatos. Ficamos, pois, privados de conhecer as verdadeiras raízes da cultura latino-americana, tão rica ou mais que a dos demais continentes.
Eduardo Galeano observou, com muita sabedoria, a esse propósito: “Também a memória deste continente foi expropriada, para que a América não saiba de onde vem e não possa averiguar para onde vai”. É bastante provável que essa insensata e estúpida depredação cultural tenha impedido historiadores, arqueólogos, antropólogos e outros tantos pesquisadores, principalmente, de solver o grande mistério que cerca os povos da América Latina: “Qual foi a causa (ou quais as causas) que levou ao desaparecimento do evoluído e modelar império maia, com suas maravilhas e conquistas, inclusive científicas?
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