Monday, April 30, 2012

Chico e Jô devolvem o riso à TV

Pedro J. Bondaczuk

O retorno dos programas humorísticos de Jô Soares e de Chico Anysio e a estréia do show mensal comandado por Chico Buarque de Holanda e Caetano Veloso, na Rede Globo, marcaram as novidades da semana na televisão. Finalmente, após quase quatro meses em que, finda a novela das oito, o telespectador teve que se “empanturrar” de enlatados (quase todos já exibidos pelo menos duas vezes antes pela emissora), o público tem alguma opção a mais ao ligar o seu receptor. Até agora ninguém entendeu a razão desse canal dar essas férias tão prolongadas aos seus maiores astros. Só se for para que as outras redes recuperem um pouquinho de audiência diante da evidente supremacia global nesse aspecto.



A volta de Jô veio acompanhada de novos personagens criados por esse genial humorista, um dos maiores caricaturistas de tipos do cotidiano. E, como sempre, interpretados com enorme talento por esse fabricante de risos, que estava fazendo enorme falta nas noites de segunda-feira (dia em que, por motivos óbvios, sorrir se torna até mesmo necessidade). Das recentes criações, embora tivéssemos apreciado todas, a que, ao nosso ver, tem condições de conseguir maior popularidade é a “Fiscala do Sarney”. Trata-se, sem dúvida, de uma figura, aliás muito parecida com outras reais com as quais todos topamos ultimamente nestes dias de vigência do Plano Cruzado.



Mas se o retorno de Jô Soares nos devolveu o riso solto e desinibido, a volta de Chico Anysio repôs no vídeo a anedota espirituosa, o humor inteligente, a sutil crítica dos nossos costumes e das nossas manias. Não há como negar (e isso já é praticamente unanimidade nacional), ambos são, há tempos, disparados, os dois maiores humoristas surgidos em nossa televisão. Entra ano, sai ano, conseguem sempre manter o interesse e a atenção do público, como se cada nova apresentação fosse uma estréia.



Nosso meio artístico conheceu no passado muitos e bons humoristas. Mas a totalidade deles pecou por um mesmo mal. Após um certo período, toda essa gente acabou cansando o telespectador. Alguns se desgastaram por serem repetitivos. Outros, por tentarem encarnar tipos de fora, norte-americanos ou britânicos, portanto sem nenhuma identidade conosco. E outros, ainda, por exagerarem nas caricaturas, quer sociais, quer políticas, retirando toda a verossimilhança dos tipos que buscavam interpretar.



Com Jô e Chico isso não se verifica. O primeiro sempre esteve nos vídeos, desde os tempos da saudosa “Família Trapo”, na metade da década de 60. Mas, desde então, criou uma infinidade tão grande de caracterizações, que nem mesmo o telespectador de melhor memória consegue enumerar todas. Não que elas não tivessem sido marcantes. Mas porque foram tão variados os tipos criados, que dificilmente deixamos de omitir algum.



Quanto ao Chico Anysio, o humorista lembra muito aquela surrada comparação com o vinho que, embora não seja original, serve bem para exemplificar o que acontece com ele: melhora à medida que envelhece. Afinal, esse cearense criativo está na TV há pelo menos trinta anos. Praticamente a totalidade de seus contemporâneos já se aposentou. Alguns, inclusive, já morreram. E Chico continua mais firme do que nunca, atual, engraçado, inteligente, como na época em que o seu “Coronel Limoeiro” era uma fonte de gírias e de bordões, que circulavam por quase todo o Brasil, embora a Excelsior, canal onde atuava, atingisse apenas o eixo Rio-São Paulo.



Suas caracterizações já passam de uma centena. Contá-las exige quase o mesmo esforço que a gente fazia antigamente em relação ao Pelé, para contabilizar os gols, tão fartos eles eram a cada semana. Os personagens de Chico também são assim. E, o que é mais admirável, é que um não lembra nenhum outro antes personificado. Todos têm personalidades próprias, cacoetes só seus, como se fossem mesmo outras pessoas. O humorista, também nesse aspecto, é um fenômeno que jamais será imitado. Bem que alguns artistas tentaram fazer isso, mas ninguém conseguiu, e nem vai conseguir.



Os retornos de Jô e Chico trazem descontração à semana. E acontecem num momento rico de fatos para serem caricaturados. Afinal, estamos numa época de transformações de costumes, num ano eleitoral, em que teremos que escolher nossos representantes para a Assembléia Nacional Constituinte. É muito salutar, por essa razão, que as principais deficiências dos políticos sejam ironizadas, para servir até de parâmetros para o eleitor no momento de votar.



É hora, também, de tipos como o “Zé da Galera” e o “Coalhada” transformarem-se em vedetes. Afinal, estamos a apenas 35 dias do início da Copa do Mundo do México, sem que tenhamos, ao menos, um time base. Somente na próxima semana, conforme pudemos deduzir, com a chegada dos chamados “italianos”, é que as coisas vão começar a se definir. Essa situação, certamente, será um prato cheio para o “Zé da Galera”. E dificilmente vai escapar do crivo do “Coalhada”, que pode muito bem ser um dos próximos convocados para salvar nossa seleção de um vexame. Agora já temos como desopilar o nosso fígado das besteiras que vemos e ouvimos no dia a dia. Com Jô e Chico tudo volta, outra vez, a ser motivo de riso. E isso é santo remédio contra o pessimismo e outros males.



(Comentário publicado na coluna Vídeo, página 12, editoria de Arte e Variedades do Correio Popular, em 26 de abril de 1986).

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