Percepção aguçada
Pedro J. Bondaczuk
O amor, salvo engano, aguça nossas percepções, apura nossos sentidos, torna-nos bem mais atentos à beleza que nos cerca e que, quando não estamos apaixonados, ou não percebemos, ou não valorizamos devidamente, ou encaramos até com indiferença, como coisa trivial e de somenos, preocupados com os problemas do cotidiano. Esta, pelo menos, é a conclusão que pude tirar de experiências pessoais. Eu me senti dessa forma! E observei várias pessoas que pelo menos agiam dessa mesma maneira peculiar nessas circunstâncias. Tanto isso é verdadeiro que, se formos bons observadores, dificilmente deixaremos de perceber quando alguém estiver apaixonado. Suas atitudes, palavras e posturas denunciam esse especial estado de espírito.
Enamorados, valorizamos, muito mais, com maior intensidade e prazer, por exemplo, frescas e luminosas alvoradas, calmos e serenos entardeceres, noites enluaradas de verão, enfim, tudo o que de agradável e de bom a natureza nos proporciona. Os sentidos ficam mais aguçados. Percebemos e nos deliciamos – ou para usar expressão tão do agrado dos poetas, “nos inebriamos” – com o odor suave das flores. É verdade que vivemos em permanente estado de ansiedade.
Quando distantes da pessoa amada, o tempo nos parece parar e não vemos a hora de encontrá-la para então nos extasiarmos com sua presença. Quando juntos, pelo contrário, o relógio parece disparar. Uma hora nos dá a impressão de ser apenas um minuto (quiçá segundo). Não raro perdemos o apetite e temos dificuldade de concentração, de pensar em outra coisa que não seja o objeto de nossa veneração. Não considero, todavia, essas sensações desagradáveis, a despeito dessa recorrente e constante ansiedade. Alguns mantêm para si, com exclusividade, essas percepções, emoções e sensações, até por temor de serem ridicularizados e chamados de piegas. Tolice.
Muitos dos que agem assim, dissimulando o que sentem e até se tornando sarcásticos, quando não agressivos, sempre que se toca no assunto, o fazem movidos por equivocada postura “machista”. Entendem que sentimentos suaves não são para homens e bla-bla-blá, bla-bla-bla, bla-bla-blá. Vão por aí afora. Outra imensa e monumental tolice. Amar não diminui e nem suprime a masculinidade de ninguém. Aliás, muito pelo contrário. O curioso e irônico é que, quanto mais duronas essas pessoas são, ou procuram mostrar que sejam, mais descambam para a pieguice quando finalmente se rendem ao amor.
O escritor baiano Ariovaldo Matos, em um conto publicado na antologia “Histórias da Bahia”, observou: “Belo é o mundo do silêncio quando se ama. Os olhos libertam toda a sua riqueza de expressão, as mãos valorizam ao máximo os seus movimentos, um simples gesto substitui todo um poema. E depois, a calma invade tudo, o mundo desaparece – apenas ficam os amantes, as águas, a noite, a natureza”.
“Ridículo”, dirão os sisudos e em geral mal-humorados, que confundem seriedade com mau-humor, e que argumentam que há coisas “mais sérias e importantes” em que pensar que não essa “poesia barata e melosa”. Claro que dizem isso (e nem sei se de fato pensam assim), enquanto não se apaixonam. Depois que isso acontece... Observem como se transformam. Ademais, como observou o escritor austríaco, Thomar Bernhard: “Tudo é ridículo quando se pensa na morte”. E pensar no amor, é o oposto disso. É apostar na vida.
Raciocinemos. Nada do que fazemos de concreto está destinado a durar. Mais cedo ou mais tarde, nossas melhores obras, as que chamamos de obras-primas, envelhecem, se decompõem e desaparecem. Veja o leitor, por exemplo, o destino dos primores de arquitetura e de escultura legados por geniais artistas da Grécia Antiga. Hoje não passam de montões de ruínas, mal identificáveis, apreciados, apenas, por alguns curiosos (e, logicamente, por historiadores e arqueólogos). Foram obras feitas para durar para sempre. Não resistiram, no entanto, a dois ou três milênios, se tanto.
Todavia o que é fruto do intelecto e da sensibilidade dura, pelo menos mais, embora também corra riscos de desaparecer. Muitas, de fato, desapareceram. Sabe-se lá quantas! Mas as chances de se perpetuarem são maiores. Instalam-se nos corações e mentes das pessoas, que as transmitem aos descendentes através de gerações. Desafiam o tempo, cataclismos que extinguem civilizações inteiras, guerras que varrem países do mapa e até apagam seus nomes da história e tendem a permanecer vivas, mesmo que não intactas, só em fragmentos, através de anos, séculos e milênios.
Quanto irá durar a magnífica história de amor, criada por William Shakespeare, de Romeu e Julieta, escrita há cerca de cinco séculos? E a “Divina Comédia”, de Dante Alighieri, inspirada por sua profunda paixão por uma certa Beatriz? E as “Odes” de Petrarca, compostas para a amada Laura? Ou os sonetos de amor, do épico gênio lusitano, Luís Vaz de Camões, inspirados por uma eternizada Natércia?
Eu poderia desfiar uma infinidade de obras literárias marcantes e consagradas, de poesia ou não, tendo por tema o amor. Paixões célebres (como as de Dante por Beatriz, de Petrarca por Laura, de Camões por Natércia) houve muitas. Entre elas, tem que ser lembrada a de Abelardo por Helena. Por causa dela, esse monge foi emasculado pelos parentes de sua amada e, mesmo mutilado de sua virilidade, nunca deixou de amar sua musa e foi sempre correspondido por ela. Aliás, pelo contrário, amou-a tanto, ou mais do que antes de sofrer tamanha violência.
O rei de Portugal, Dom Pedro, amou Inês de Castro com tamanha intensidade que, mesmo depois de morta, fez com que seu corpo inerte fosse coroado como rainha. A sua rainha!!!. Há histórias e mais histórias, como estas, em profusão, registradas ou não em livros, célebres ou obscuras, bem sucedidas ou infelizes, mas todas grandiosas, exemplares, maiúsculas, posto que frutos do soberano dos sentimentos: o amor.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
O amor, salvo engano, aguça nossas percepções, apura nossos sentidos, torna-nos bem mais atentos à beleza que nos cerca e que, quando não estamos apaixonados, ou não percebemos, ou não valorizamos devidamente, ou encaramos até com indiferença, como coisa trivial e de somenos, preocupados com os problemas do cotidiano. Esta, pelo menos, é a conclusão que pude tirar de experiências pessoais. Eu me senti dessa forma! E observei várias pessoas que pelo menos agiam dessa mesma maneira peculiar nessas circunstâncias. Tanto isso é verdadeiro que, se formos bons observadores, dificilmente deixaremos de perceber quando alguém estiver apaixonado. Suas atitudes, palavras e posturas denunciam esse especial estado de espírito.
Enamorados, valorizamos, muito mais, com maior intensidade e prazer, por exemplo, frescas e luminosas alvoradas, calmos e serenos entardeceres, noites enluaradas de verão, enfim, tudo o que de agradável e de bom a natureza nos proporciona. Os sentidos ficam mais aguçados. Percebemos e nos deliciamos – ou para usar expressão tão do agrado dos poetas, “nos inebriamos” – com o odor suave das flores. É verdade que vivemos em permanente estado de ansiedade.
Quando distantes da pessoa amada, o tempo nos parece parar e não vemos a hora de encontrá-la para então nos extasiarmos com sua presença. Quando juntos, pelo contrário, o relógio parece disparar. Uma hora nos dá a impressão de ser apenas um minuto (quiçá segundo). Não raro perdemos o apetite e temos dificuldade de concentração, de pensar em outra coisa que não seja o objeto de nossa veneração. Não considero, todavia, essas sensações desagradáveis, a despeito dessa recorrente e constante ansiedade. Alguns mantêm para si, com exclusividade, essas percepções, emoções e sensações, até por temor de serem ridicularizados e chamados de piegas. Tolice.
Muitos dos que agem assim, dissimulando o que sentem e até se tornando sarcásticos, quando não agressivos, sempre que se toca no assunto, o fazem movidos por equivocada postura “machista”. Entendem que sentimentos suaves não são para homens e bla-bla-blá, bla-bla-bla, bla-bla-blá. Vão por aí afora. Outra imensa e monumental tolice. Amar não diminui e nem suprime a masculinidade de ninguém. Aliás, muito pelo contrário. O curioso e irônico é que, quanto mais duronas essas pessoas são, ou procuram mostrar que sejam, mais descambam para a pieguice quando finalmente se rendem ao amor.
O escritor baiano Ariovaldo Matos, em um conto publicado na antologia “Histórias da Bahia”, observou: “Belo é o mundo do silêncio quando se ama. Os olhos libertam toda a sua riqueza de expressão, as mãos valorizam ao máximo os seus movimentos, um simples gesto substitui todo um poema. E depois, a calma invade tudo, o mundo desaparece – apenas ficam os amantes, as águas, a noite, a natureza”.
“Ridículo”, dirão os sisudos e em geral mal-humorados, que confundem seriedade com mau-humor, e que argumentam que há coisas “mais sérias e importantes” em que pensar que não essa “poesia barata e melosa”. Claro que dizem isso (e nem sei se de fato pensam assim), enquanto não se apaixonam. Depois que isso acontece... Observem como se transformam. Ademais, como observou o escritor austríaco, Thomar Bernhard: “Tudo é ridículo quando se pensa na morte”. E pensar no amor, é o oposto disso. É apostar na vida.
Raciocinemos. Nada do que fazemos de concreto está destinado a durar. Mais cedo ou mais tarde, nossas melhores obras, as que chamamos de obras-primas, envelhecem, se decompõem e desaparecem. Veja o leitor, por exemplo, o destino dos primores de arquitetura e de escultura legados por geniais artistas da Grécia Antiga. Hoje não passam de montões de ruínas, mal identificáveis, apreciados, apenas, por alguns curiosos (e, logicamente, por historiadores e arqueólogos). Foram obras feitas para durar para sempre. Não resistiram, no entanto, a dois ou três milênios, se tanto.
Todavia o que é fruto do intelecto e da sensibilidade dura, pelo menos mais, embora também corra riscos de desaparecer. Muitas, de fato, desapareceram. Sabe-se lá quantas! Mas as chances de se perpetuarem são maiores. Instalam-se nos corações e mentes das pessoas, que as transmitem aos descendentes através de gerações. Desafiam o tempo, cataclismos que extinguem civilizações inteiras, guerras que varrem países do mapa e até apagam seus nomes da história e tendem a permanecer vivas, mesmo que não intactas, só em fragmentos, através de anos, séculos e milênios.
Quanto irá durar a magnífica história de amor, criada por William Shakespeare, de Romeu e Julieta, escrita há cerca de cinco séculos? E a “Divina Comédia”, de Dante Alighieri, inspirada por sua profunda paixão por uma certa Beatriz? E as “Odes” de Petrarca, compostas para a amada Laura? Ou os sonetos de amor, do épico gênio lusitano, Luís Vaz de Camões, inspirados por uma eternizada Natércia?
Eu poderia desfiar uma infinidade de obras literárias marcantes e consagradas, de poesia ou não, tendo por tema o amor. Paixões célebres (como as de Dante por Beatriz, de Petrarca por Laura, de Camões por Natércia) houve muitas. Entre elas, tem que ser lembrada a de Abelardo por Helena. Por causa dela, esse monge foi emasculado pelos parentes de sua amada e, mesmo mutilado de sua virilidade, nunca deixou de amar sua musa e foi sempre correspondido por ela. Aliás, pelo contrário, amou-a tanto, ou mais do que antes de sofrer tamanha violência.
O rei de Portugal, Dom Pedro, amou Inês de Castro com tamanha intensidade que, mesmo depois de morta, fez com que seu corpo inerte fosse coroado como rainha. A sua rainha!!!. Há histórias e mais histórias, como estas, em profusão, registradas ou não em livros, célebres ou obscuras, bem sucedidas ou infelizes, mas todas grandiosas, exemplares, maiúsculas, posto que frutos do soberano dos sentimentos: o amor.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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