Homem de espírito
Pedro J. Bondaczuk
“A comunicação, através da palavra – falada ou escrita –, é uma das mais refinadas, complexas e fundamentais manifestações de inteligência do homem. Implica em imensa responsabilidade, da qual raramente (ou nunca, na verdade) nos damos conta. Pode mudar, sem que sequer venhamos a nos aperceber, para melhor ou para pior, a vida tanto de uma única pessoa, quanto a de milhões, quiçá bilhões delas, conforme seu teor, condições, circunstâncias e meios utilizados. Pode tanto adquirir permanência, e vencer o tempo, quanto se esgotar em segundos. A linguagem, a despeito de sua diversidade e ambigüidade, tem essa possibilidade de atravessar gerações e de produzir efeitos profundos e duradouros”. Emiti esta opinião, com base em minha experiência pessoal de comunicador, há já algum tempo. Mantenho-a intacta, sem lhe acrescentar ou tirar coisa alguma.
O homem de espírito somente tem seu valor reconhecido quando ou "se" comunica aos que o rodeiam suas observações sobre tudo o que o cerca. Porquanto, caso mantenha suas opiniões só para si, não importa a razão, estas não irão gerar nenhum efeito, positivo ou negativo. Aliás, ninguém saberá que o tal sujeito pensa assim ou assado. Isso muda de figura se ele compartilha as idéias que tem com um número máximo de pessoas que lhe sirvam de "espelho" e reflitam toda essa "luz" que emite.
Para opinar, claro, tem que ter opinião formada sobre vários assuntos. Requer-se, porém, que seja íntegro, sobretudo, consigo mesmo. Que apenas comunique o que tem convicção. E caso alguém, ou principalmente os acontecimentos, provarem que estava errado, não deve titubear em mudar de opinião, seja qual for a reação alheia. Além do que, precisa ter coragem de admitir essa mudança para o público que o acompanha, justificando a razão. Integridade é o que se exige do comunicador, notadamente do colunista, do comentarista político e/ou econômico. Ou seja, da figura conhecida no meio jornalístico como “formador de opinião”.
O mundo perdeu, por estes dias, um intelectual desse tipo. Refiro-me ao jornalista, escritor e crítico literário Christopher Hitchens, falecido em Houston, nos Estados Unidos, em 15 de dezembro de 2011. Sempre admirei esse sujeito pela clareza, coragem e coerência da sua atuação, em especial a jornalística, como comentarista político de vários veículos de comunicação. Devo confessar, até para ser coerente (como ele sempre se mostrou), que não concordo com todas as opiniões que emitiu. Aliás, para ser mais exato, discordo da maioria. Hitchens, por exemplo, sempre se mostrou ateu convicto. Eu, posto que não me ligue a nenhuma denominação religiosa específica, creio na existência de uma inteligência superior, onisciente, onipresente e eterna, que rege, com leis sumamente racionais e exatas, o universo, não importa o nome que se lhe dê.
Outro ponto em que divergimos é o que se refere ao seu “conservadorismo” exacerbado, embora respeite sua opção ideológica. A esse respeito observe-se que o jornalista, que tinha dupla nacionalidade (nasceu em, Portsmouth, na Inglaterra, em 13 de abril de 1949, mas vivia e trabalhava nos Estados Unidos), pois adotou a cidadania norte-americana, sem abrir mão da britânica, em boa parte da sua vida e da sua carreira foi um esquerdista convicto. Em 1989, todavia, por uma série de razões que expôs com bastante clareza, subitamente mudou e concluiu, ou entendeu, que estava errado. Não teve dúvidas: mudou sua posição e assumiu publicamente essa mudança, sem se importar com críticas e inimizades que granjeou com essa atitude.
Outro ponto em que divirjo frontalmente de Hitchens refere-se ao intervencionismo militar das grandes potências. Ele tornou-se ferrenho defensor dessa prática quando, ao seu alvitre, as circunstâncias o exigissem. Eu, da minha parte, entendo que cada país deve resolver por sua própria conta seus problemas, sem interferências externas alheias. Ele concordou, popr exemplo. com a intervenção armada norte-americana no Iraque. Eu, apesar de admitir que Saddam Hussein era um ditador sanguinário e cruel, que mereceu o destino que teve, nunca fui a favor dessa desastrosa operação que redundou em tantas mortes, tanta destruição e tantas desgraças.
A tarefa do jornalista é, mesmo, espinhosa e ne3m sempre bem compreendida. Lida, da manhã até a noite, todos os dias, anos a fio, enquanto dure sua carreira, com o que há de pior na alma humana e no seu comportamento. Isso cobra um preço terrível do profissional. Envenena-lhe o espírito, adoece-lhe a alma, torna-o amargo e não raro cético. É até possível que lhe abrevie a vida, principalmente se não souber lidar com tudo isso.
Charles Baudelaire escreveu em certa ocasião: "Não consigo entender como um homem de bem pode pegar um jornal sem tremer de desgosto". O poeta referia-se não à qualidade, ou à veracidade, do trabalho jornalístico, mas ao conteúdo do noticiário. O desgosto a que se referiu, que todo homem sensível, no seu entender, tende a ser tomado ao ler o noticiário, é o desfile de patifarias, delitos, corrupções e aberrações reportados. Sabia, como todo intelectual sabe, que o jornal nada mais é do que o espelho da sociedade. Não defendeu, nem insinuou, que o cidadão devesse ser alienado. Longe disso.
Baudelaire quis mostrar que a grande falha da imprensa, desse espelho da realidade, é a de refletir “apenas” a imagem feia do homem. Seu dente cariado, sua chaga exposta, sua ferida sangrenta, seu aspecto animal. A grandeza de alma, o desprendimento, a capacidade de amar, o altruísmo, quase nunca são enfocados. Com isso, perde-se a oportunidade de se estimular a imitação dessas virtudes, cada vez mais raras.
Conhecendo o jornalismo tão intimamente, após exercê-lo por várias décadas e ciente dos efeitos que essa exposição permanente ao que há de pior no mundo causa no profissional, é que admiro a coragem, a integridade e a coerência desse emérito formador de opinião que foi Christopher Hitchens. Embora, reitero, discordando de boa parte (se não da maioria) de suas posições político-ideológicas.
Pedro J. Bondaczuk
“A comunicação, através da palavra – falada ou escrita –, é uma das mais refinadas, complexas e fundamentais manifestações de inteligência do homem. Implica em imensa responsabilidade, da qual raramente (ou nunca, na verdade) nos damos conta. Pode mudar, sem que sequer venhamos a nos aperceber, para melhor ou para pior, a vida tanto de uma única pessoa, quanto a de milhões, quiçá bilhões delas, conforme seu teor, condições, circunstâncias e meios utilizados. Pode tanto adquirir permanência, e vencer o tempo, quanto se esgotar em segundos. A linguagem, a despeito de sua diversidade e ambigüidade, tem essa possibilidade de atravessar gerações e de produzir efeitos profundos e duradouros”. Emiti esta opinião, com base em minha experiência pessoal de comunicador, há já algum tempo. Mantenho-a intacta, sem lhe acrescentar ou tirar coisa alguma.
O homem de espírito somente tem seu valor reconhecido quando ou "se" comunica aos que o rodeiam suas observações sobre tudo o que o cerca. Porquanto, caso mantenha suas opiniões só para si, não importa a razão, estas não irão gerar nenhum efeito, positivo ou negativo. Aliás, ninguém saberá que o tal sujeito pensa assim ou assado. Isso muda de figura se ele compartilha as idéias que tem com um número máximo de pessoas que lhe sirvam de "espelho" e reflitam toda essa "luz" que emite.
Para opinar, claro, tem que ter opinião formada sobre vários assuntos. Requer-se, porém, que seja íntegro, sobretudo, consigo mesmo. Que apenas comunique o que tem convicção. E caso alguém, ou principalmente os acontecimentos, provarem que estava errado, não deve titubear em mudar de opinião, seja qual for a reação alheia. Além do que, precisa ter coragem de admitir essa mudança para o público que o acompanha, justificando a razão. Integridade é o que se exige do comunicador, notadamente do colunista, do comentarista político e/ou econômico. Ou seja, da figura conhecida no meio jornalístico como “formador de opinião”.
O mundo perdeu, por estes dias, um intelectual desse tipo. Refiro-me ao jornalista, escritor e crítico literário Christopher Hitchens, falecido em Houston, nos Estados Unidos, em 15 de dezembro de 2011. Sempre admirei esse sujeito pela clareza, coragem e coerência da sua atuação, em especial a jornalística, como comentarista político de vários veículos de comunicação. Devo confessar, até para ser coerente (como ele sempre se mostrou), que não concordo com todas as opiniões que emitiu. Aliás, para ser mais exato, discordo da maioria. Hitchens, por exemplo, sempre se mostrou ateu convicto. Eu, posto que não me ligue a nenhuma denominação religiosa específica, creio na existência de uma inteligência superior, onisciente, onipresente e eterna, que rege, com leis sumamente racionais e exatas, o universo, não importa o nome que se lhe dê.
Outro ponto em que divergimos é o que se refere ao seu “conservadorismo” exacerbado, embora respeite sua opção ideológica. A esse respeito observe-se que o jornalista, que tinha dupla nacionalidade (nasceu em, Portsmouth, na Inglaterra, em 13 de abril de 1949, mas vivia e trabalhava nos Estados Unidos), pois adotou a cidadania norte-americana, sem abrir mão da britânica, em boa parte da sua vida e da sua carreira foi um esquerdista convicto. Em 1989, todavia, por uma série de razões que expôs com bastante clareza, subitamente mudou e concluiu, ou entendeu, que estava errado. Não teve dúvidas: mudou sua posição e assumiu publicamente essa mudança, sem se importar com críticas e inimizades que granjeou com essa atitude.
Outro ponto em que divirjo frontalmente de Hitchens refere-se ao intervencionismo militar das grandes potências. Ele tornou-se ferrenho defensor dessa prática quando, ao seu alvitre, as circunstâncias o exigissem. Eu, da minha parte, entendo que cada país deve resolver por sua própria conta seus problemas, sem interferências externas alheias. Ele concordou, popr exemplo. com a intervenção armada norte-americana no Iraque. Eu, apesar de admitir que Saddam Hussein era um ditador sanguinário e cruel, que mereceu o destino que teve, nunca fui a favor dessa desastrosa operação que redundou em tantas mortes, tanta destruição e tantas desgraças.
A tarefa do jornalista é, mesmo, espinhosa e ne3m sempre bem compreendida. Lida, da manhã até a noite, todos os dias, anos a fio, enquanto dure sua carreira, com o que há de pior na alma humana e no seu comportamento. Isso cobra um preço terrível do profissional. Envenena-lhe o espírito, adoece-lhe a alma, torna-o amargo e não raro cético. É até possível que lhe abrevie a vida, principalmente se não souber lidar com tudo isso.
Charles Baudelaire escreveu em certa ocasião: "Não consigo entender como um homem de bem pode pegar um jornal sem tremer de desgosto". O poeta referia-se não à qualidade, ou à veracidade, do trabalho jornalístico, mas ao conteúdo do noticiário. O desgosto a que se referiu, que todo homem sensível, no seu entender, tende a ser tomado ao ler o noticiário, é o desfile de patifarias, delitos, corrupções e aberrações reportados. Sabia, como todo intelectual sabe, que o jornal nada mais é do que o espelho da sociedade. Não defendeu, nem insinuou, que o cidadão devesse ser alienado. Longe disso.
Baudelaire quis mostrar que a grande falha da imprensa, desse espelho da realidade, é a de refletir “apenas” a imagem feia do homem. Seu dente cariado, sua chaga exposta, sua ferida sangrenta, seu aspecto animal. A grandeza de alma, o desprendimento, a capacidade de amar, o altruísmo, quase nunca são enfocados. Com isso, perde-se a oportunidade de se estimular a imitação dessas virtudes, cada vez mais raras.
Conhecendo o jornalismo tão intimamente, após exercê-lo por várias décadas e ciente dos efeitos que essa exposição permanente ao que há de pior no mundo causa no profissional, é que admiro a coragem, a integridade e a coerência desse emérito formador de opinião que foi Christopher Hitchens. Embora, reitero, discordando de boa parte (se não da maioria) de suas posições político-ideológicas.
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