Indivíduo e massa
Pedro J. Bondaczuk
A superpopulação tende a ser um dos maiores problemas da humanidade, se não o maior, conforme destaquei em recente reflexão, neste espaço, com base em abalizadas opiniões e, sobretudo, na lógica. Cria, entre outras tantas e tantas coisas negativas e/ou inadequadas, inúmeras necessidades para os governos de todos os países suprirem, como a de prover alimentos (sobretudo), moradias decentes, saneamento básico etc. para um contingente crescente de pessoas. E este, para desespero dos planejadores, não pára de crescer.
Até que ponto chegará essa espiral demográfica ascendente? Qual o limite populacional do Planeta, para que não se instalem nele a fome generalizada, a falta de espaços, a miséria absoluta, o esgotamento total dos limitados recursos da Terra e a anarquia?
Para uns, esse ponto crítico situa-se na cifra de dez bilhões de habitantes. Para outros, já foi há muito não apenas atingido, mas ultrapassado. De qualquer forma, a população mundial atual já é sumamente problemática sob qualquer prisma que a questão seja analisada. É certo que nem todos os países passam por essa descontrolada explosão demográfica. A Rússia, por exemplo, há já bom tempo, passa por uma discreta redução no número de seus habitantes. A quantidade de óbitos supera a de nascimentos. O mesmo ocorre com a França, a Itália e a Grã-Bretanha.
Esses três países, porém, dada sua prosperidade (a despeito da atual crise econômica que os afeta), são chamarizes por excelência para milhões e milhões de imigrantes, provenientes de regiões mais pobres, notadamente da África e da Ásia, que para lá se dirigem legal (cada vez mais raramente) ou ilegalmente (o que é muito mais comum), gerando conflitos de toda a sorte que não raro descambam para a violência ou ameaçam chegar a esse ponto.
Entre outras tantas coisas, esse maciço afluxo de pessoas, em busca de oportunidades para uma vida pelo menos um pouquinho melhor do que a que levavam (ou levam) nos seus locais de origem (e põe melhor nisso!) desperta, insufla e multiplica todos os tipos de preconceitos, mantendo tais sociedades sob permanente estado de tensão.
Um dos problemas que essa explosão populacional traz (embora dos menores, face tantos outros muito mais complicados e que requerem urgente solução), é o de se preservar a individualidade de cada um dos mais de sete bilhões de indivíduos que atualmente povoam o Planeta. Trata-se de questão (compreensivelmente) pouco abordada, todavia, não menos importante. A tarefa de trazê-la à baila, e de até esgotá-la, cabe a nós, escritores, e ao nosso talento de comunicação.
O filósofo francês, de orientação católica (tomista) Jacques Maritain, observou, certa feita, em um dos seus lúcidos textos: “Cada ser humano é um indivíduo como o animal, a planta, o átomo, fragmento de uma espécie, parte singular da imensa rede de influências cósmicas, étnicas e históricas que o dominam. E ao mesmo tempo é uma pessoa, quer dizer, um universo de natureza espiritual, dotado de livre-arbítrio e, como tal, um todo independente em face do mundo”.
Nenhum ser humano, por obscuro e carente que seja (mesmo o indigente entre os indigentes) deveria ser tratado como número, como cifra estatística, como sombra na multidão. Temos, cada um de nós, características que são únicas, só nossas, que ninguém mais tem. É o que chamamos de “personalidade”. Existem semelhanças mil, tantas que até são impossíveis de quantificar. Todavia, igualdade é ficção. É coisa que não há e não apenas em nossa espécie, mas na natureza, da qual somos ínfima parte. Há pessoas parecidas comigo – quer física, quer mental, quer socialmente. Mas iguais... certamente que não. Sempre há algum ponto (na verdade, inúmeros) que nos diferencia. Não seja por outra coisa, há as circunstâncias de cada qual, em hipótese nenhuma as mesmas.
Como, porém, preservar, estimular e proteger a individualidade face essa quantidade exagerada de pessoas? Como privilegiar determinado indivíduo, por suas raras habilidades e qualidades, de sorte que os outros sete bilhões aceitem e compactuem com isso? Não vejo como. Cada um de nós é que tem que lutar, com as armas que dispuser, para impor as respectivas personalidades e impedir que elas se diluam na massa.
O político norte-americano John William Gardner – ex-secretário de Saúde, Educação e Bem Estar Social no governo de presidente Lyndon Johnson – escreveu, em um artigo publicado em determinada revista dos Estados Unidos (não anotei em qual), acentuou: “Uma sociedade que enfraquece o indivíduo mutila as suas fontes de renovação e cobre de cimento a sementeira de seu futuro desenvolvimento. Mas, infelizmente, o fim para o qual todas as sociedades modernas, seja qual for a sua ideologia, parecem encaminhar-se é para o modelo da colméia, no qual o sistema se aperfeiçoa enquanto o indivíduo é incessantemente diminuído”.
Exagero do político? Evidentemente que não. A individualidade vem, sim, sendo cada vez mais ameaçada, se não massacrada em todos os sentidos. E não há a mais remota perspectiva de mudança dessa realidade. Cultura, arte, esportes e tantas outras atividades seguem sendo crescentemente massificadas, em detrimento da originalidade e, por extensão, da qualidade.
Há, claro, vozes destoantes, que olham o futuro com lentes, digamos, róseas, que crêem na capacidade humana de solucionar virtualmente todas as questões que encontrarem pela frente, por mais complexas e (aparentemente) insolúveis que pareçam ser. Um desses arautos da esperança (embora sem negar os riscos e inconveniências de questões como a superpopulação mundial), foi o cientista político e social checo, de fala alemã, Karl Wolfgang Deutsch, falecido em 1992.
Em um de seus tantos, detalhados e requisitados artigos, publicado em meados dos anos 70, previu: “ O século XXI poderá ser também a era da autodeterminação pessoal, assim como o nosso foi o da autodeterminação dos povos. Podemos ir mais longe na sondagem do espaço interno da mente e do espírito humano e aprender a levar mais em conta os sentimentos e emoções dos indivíduos. Isso envolverá certa mudança contínua na posição das mulheres e dos jovens de muitas nações e culturas. Também é possível que nos defrontemos com a necessidade de imaginar novos meios de defesa da liberdade individual e de controle dos governos, por meio de verificações e equilíbrio recíproco. Assim, o governo constitucional poderá converter-se em algo mais que uma tradição das classes médias do Ocidente, mais que um bem supérfluo ao alcance de alguns países ricos”.
Embora as soluções propostas por Deutsch para a preservação da individualidade sejam razoavelmente (ou teoricamente) factíveis, não há no horizonte o mais remoto sinal de que estejamos nos encaminhando para isso. Iniciamos a segunda década do século XXI (que no seu entender seria o da autodeterminação pessoal) com o indivíduo cada vez mais ameaçado pela massificação, crescentemente despersonalizado e tratado, sim, queira ou não queira, goste ou não goste, como cifra de uma inchada estatística populacional. E a população, para nosso desespero, não pára de crescer, aumentando em dezenas de milhares de novas pessoas, de novas bocas, de novas necessidades, mundo afora, a cada minuto, se não a cada segundo.
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