Sunday, April 22, 2012







Mal não precisa de prosélitos


Pedro J. Bondaczuk


O incidente envolvendo o escritor indiano Salman Rushdie, ameaçado de morte pelo líder xiita iraniano, aiatolá Ruhollah Khomeini, traz à tona, novamente, a questão da religião. Nos Estados Unidos, ao mesmo tempo, uma cidadezinha do Estado de Michigan viveu, na mesma ocasião, uma grande aflição, com o surgimento de uma seita que se dizia adoradora de satã. Ou seja, que defendia e lutava pela vitória do mal sobre o bem, como se fosse necessário, nestes tempos confusos e angustiantes que vivemos, qualquer empenho para maior disseminação da maldade.
Seria lícito permitir a existência desse culto? Coibir seus seguidores das práticas perversas, que constituem o seu ritual, representaria, acaso, algum atentado contra a liberdade religiosa desse grupo? São questões para se refletir.
A palavra “religião” provém do latim “religare”. Ou seja, significa um reatamento dos vínculos, um dia rompidos, entre o homem e a divindade; entre a criatura e o Criador. Pressupõe, antes de tudo, piedade, humildade, solidariedade, honestidade, retidão de conduta e, sobretudo, amor.
Uma seita que mutila animais, depreda cemitérios e apregoa a maldade entre seus seguidores é exatamente o oposto dessas atitudes supra-referidas. Por conseguinte, não pode ser caracterizada como uma entidade religiosa, mas como um bando de malfeitores. Afinal, não são eles próprios que se dizem cultores do símbolo máximo do mal: satã?
A esse respeito, aliás, foi muito oportuna e profunda a declaração divulgada há tempos, em Paris, pelo presidente francês François Mitterrand, que disse: “O progresso moral e espiritual está ligado à derrota de todas as formas de fanatismo. Todo o dogmatismo que ataca, através da violência, a liberdade do espírito e o direito à expressão, representa a maldade absoluta aos meus olhos”.
O demônio, por sinal, sequer precisaria de seita especial para ser adorado. As bilhões, trilhões, ou sabe-se lá quantas atitudes dúbias, praticadas diariamente, por tantos, ao redor do mundo, são obras-primas da maldade. É gente que se diz piedosa e vai para alguma igreja, na presença da divindade, que cultiva o espírito de vingança, de mentira, de engano e de mesquinharia.
Essas pessoas não estão, é óbvio, reatando os vínculos humanos com o Criador. Afinal, Deus é amor! Ou seja, exatamente o oposto dos violentos, dos vingativos, dos corruptos, dos desleais, dos infiéis, dos avarentos, dos semeadores de discórdias, dos mentirosos, dos adúlteros, dos venais, dos hipócritas e dos que fazem do seu corpo objeto de degradação. Estes não têm nenhuma religião. São autênticos adoradores de satã.

(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 23 de fevereiro de 1989).

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