Sunday, April 15, 2012







Dificuldades da China


Pedro J. Bondaczuk


A China, mais uma vez, num editorial publicado anteontem no órgão oficial do Partido Comunista daquele país, o "Diário do Povo", manifestou a inclinação dos seus atuais dirigentes por caminhos diferentes dos postulados por Karl Marx para seu próprio desenvolvimento. O que os líderes de Pequim estão fazendo, sobretudo, é desmistificar os dogmas do pensador alemão, vistos como infalíveis por muitos ideólogos (até sérios) em diversos lugares do mundo. Procuram demonstrar que ele não é uma panacéia milagrosa para todos os males econômicos e sociais e que a apregoada igualdade entre os homens não passa de uma balela, que contraria, até mesmo, a natureza, que fez as pessoas serem tão dissemelhantes.

Quanto ao mérito da tentativa chinesa de modernizar o país mais populoso do Planeta, através de métodos capitalistas, tivemos a oportunidade de comentar, há duas semanas, neste mesmo espaço. O que está levantando dúvidas entre os observadores é a maneira como as autoridades, mais especificamente o primeiro-ministro Zhao Zyiang e o líder Deng Xiaoping, vão implementar as reformas pretendidas.

Como tudo o que se refere à China, o seu partido oficial tem, também, dimensões descomunais. São 40 milhões de membros (quase o dobro da população da Argentina ou praticamente a totalidade dos habitantes da América Central), filiados e que se sentem no direito de opinar. Nem levantamento feito às pressas, os líderes da agremiação constataram a existência de 17,5 milhões de partidários cuja ideologia é de extrema-esquerda e que, portanto, aprovam integralmente o que aconteceu nos "dez anos de loucura", que foi o processo conhecido como "Revolução Cultural".

Deng Xiaoping, no início de dezembro, manifestou sua intenção de expurgar do PC esses radicais. Mas imaginem as dificuldades para desligar um número de pessoas das proporções, por exemplo, de toda a população de um Iraque e um Estado de Israel reunidos! É bom lembrar que todos esses membros, normalmente filiados, e que atualmente estão segregados dentro do Partido Comunista, têm direito a voto. Ou seja, podem até mesmo derrubar a atual cúpula diretiva e causar, com isso, dramática mudança de rumos, não apenas para a agremiação, como para a própria China.

É certo que a inexistência de competição desestimula a produtividade. Competir é inerente ao próprio homem. Pessoas que raciocinam não são passíveis de se padronizar, como peças industriais ou mercadorias de supermercado. Por maior que seja a "lavagem cerebral" produzida em suas mentes, será impossível fazer que duas delas venham a pensar de maneira exatamente igual. Afinal, tratam-se de mundos diferentes, produtos de realidades diversas, conseqüências de toda uma cadeia genealógica, com características únicas, herdadas de milhares de antepassados, desde a origem do "homo sapiens".

Mas determinados condicionamentos não se perdem também da noite para o dia, a uma simples assinatura de decreto. À medida em que forem aparecendo os inevitáveis desníveis na sociedade chinesa, surgirá o descontentamento. A competição, se é verdade que produz vencedores, fatalmente gera consigo os derrotados. Afinal, para alguém ganhar, outro sempre tem que perder.

Neste momento em que o sopro das reformas ainda é bastante tímido, algumas providências tomadas já começam a causar descontentamentos. Por exemplo, em 36 anos de regime, pela primeira vez a China passa a conviver com problemas de desemprego em massa. Várias empresas, para adquirirem a necessária agilidade, indispensável para tornarem-se competitivas no mercado externo, estão "desinchando" seus quadros, mandando empregados embora.

A China, todos os anos, lança cerca de 20 milhões de novos jovens no seu estreito mercado de trabalho. E embora a taxa de natalidade tenha decrescido bastante, em virtude de certas providências tomadas (algumas até cruéis, como a matança de bebês do sexo feminino), sua população cresce, anualmente, em no mínimo dez milhões (considerando uma taxa ideal de natalidade de 1%) de novas bocas. Esses novos habitantes vão precisar de alimentos, moradias, educação e futuramente de emprego. Como obtê-los, porém, desempregando gente?

O que se questiona é até que ponto a nação tem capacidade de gerar essas indispensáveis ocupações. Aliás, a sociedade chinesa pode ser tomada como autêntico campo de testes para o mundo do futuro. Em modelo reduzido, ela ilustra como o próprio Planeta ficará, por exemplo, dentro de 15 anos, quando adentrarmos ao terceiro milênio da Era Cristã. A população planetária será, então, de 6,5 bilhões de pessoas, com uma produção agrícola a cada ano decrescente e com os recursos minerais, indispensáveis como matérias primas para as fábricas se aproximando da exaustão. Não havendo o que processar, não haverá indústrias. Não existindo estas, inexistirão ocupações e conseqüentemente salários, comércio e toda uma estrutura econômica montada em torno disso. Está aí um magnífico problema que nem Marx e nem nenhum dos "papas do capitalismo" previram, e que nossa geração terá que resolver dentro de apenas três lustros.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular em 23 de dezembro de 1984)

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