Wednesday, April 11, 2012







A beleza da vida

Pedro J. Bondaczuk


A vida é bela, e fascinante, e misteriosa, por se tratar de um permanente processo de renovação, embora paradoxalmente envelheçamos a cada dia que passa”. Essa foi a forma com que iniciei uma das milhares de crônicas que escrevi que, para meu espanto, gerou muita polêmica. Houve leitor, por exemplo, que sem conhecer meus antecedentes e sem haver lido outros tantos textos que redigi que não este, foi logo colocando um rótulo em minha testa: “alienado”. Claro que fiquei surpreso, preocupado e até em dúvida. “Será que não me expressei com a clareza que tanto me empenho em me utilizar em todas as minhas comunicações?”, foi a primeira reação que tive. As outras foram as de qualquer pessoa normal, a última das quais acompanhada de um sonoro e cabeludo palavrão. Pudera!


Admirar a vida, achá-la bela e fascinante, admiti-la misteriosa, mas confessar que se gosta dela (e como gosto!), com suas surpresas e agruras é alienação? Ora, se for, então... podem chamar-me, sem nenhum problema, de alienado. Nesse caso até assumo essa condição. Acusar um jornalista, que lida há décadas com a realidade nua e crua do cotidiano, é “forte” demais. É desconhecer o autor do texto, sua profissão, sua vivência e ser precipitado (senão irresponsável) em formar juízo de valor.


Houve, é verdade, quem rebatesse essa crítica ácida (felizmente a maioria) e que fosse até mais longe: que me agradecesse pelas palavras positivas e de otimismo expressadas nessa crônica, que confessaram lhes ter servido de estímulo num momento de crise. Parodiando o filósofo pré-socrático Heráclito de Éfeso (considerado o “pai da dialética”, ou seja, da arte do diálogo), pode-se afirmar, e não apenas metaforicamente, que a vida é como um rio, cujas águas são sempre diferentes. As circunstâncias e situações sempre mudam, para pior ou para melhor, embora pareçam estáticas ou que suas mudanças se nos afigurem lentas demais.


Jorge Luís Borges, em uma das tantas entrevistas que deu no final da vida, observou: "Quando São Paulo disse 'morro a cada dia', não era esta uma expressão patética. A verdade é que morremos a cada dia e nascemos a cada dia. Estamos permanentemente nascendo e morrendo. Por isso, o problema do tempo nos afeta mais do que os outros problemas metafísicos. Porque os outros são abstratos. O do tempo é o nosso problema”.


Há pessoas que vivem num permanente estado de beligerância, quer com o próximo, quer com o mundo, quer com elas próprias. Esperam sempre o pior e quando o melhor lhes acontece, não o usufruem, por sequer perceberem o bem que recebem. Não as culpo. Foram condicionadas a isso por uma educação equivocada. Caso sejam religiosas, ainda nutrem alguns fiapos de esperança, mas não no dia a dia. Não na vida (pelo menos a real, concreta, a que conhecemos), mas numa suposta (não sei e ninguém sabe se hipotética e fantasiosa ou não) existência futura. Estes, pelo menos têm um consolo. Mas há quem não creia nem nisso. Ou que creia, mas atribua a Deus (ou aos deuses) todos seus sofrimentos e tribulações. Ou então, culpam uma entidade abstratíssima, que alcunham de “destino”.


Tenho em mãos um livro do escritor francês André Gide, intitulado “Os frutos da terra”, em que, em determinado trecho, o ilustre ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1947 responde a esses renitentes pessimistas, desencantados e (eles sim) alienados. Escreve: “Camarada, não aceites a vida tal qual a propõem os homens. Não cesses de te persuadir que ela poderia ser mais bela, a vida; a tua e a dos outros homens; não uma outra, futura, que nos consolasse desta e nos ajudasse a aceitar sua miséria. Não aceites! Quando começares a compreender que o responsável por todos os males da vida não é Deus, que os responsáveis são os homens, não te conformarás mais com esses males”.


Quando se menciona André Gide, raramente as pessoas amargas e pessimistas, destas que encaram tudo e todos com preconceito e com “duas pedras na mão”, deixam de logo lembrar seu assumido homossexualismo, como se essa opção (que só lhe dizia respeito ou só deveria lhe dizer) tivesse alguma relevância, ou diminuísse seu talento e a qualidade da sua obra. Claro que não os diminuem (e nem aumentam). Não tem nada a ver.


Embora eu discorde intimamente dos que optam por esse caminho, entendo que se trata de uma escolha de foro íntimo, estritamente pessoal, com a qual ninguém, absolutamente ninguém deve se preocupar, observar ou sequer lembrar. Quando leio referências a André Paul Guilhaume Gide (que nasceu em Paris em 22 de novembro de 1869 e morreu na mesma cidade em 19 de fevereiro de 1951) vem-me à memória, sim, a visão de um escritor sensível e talentosíssimo, que nos legou extensa e profunda obra literária, arauto da irrestrita liberdade e que soube entender a beleza, a grandeza e a transcendência da vida, que tão bem expressou em vários de seus livros, em especial no que citei, “Os frutos da terra”.

Que a alegria, a solidariedade e o amor renasçam a cada dia ao longo de toda a sua vida, caro leitor. E que a cada um desses renascimentos, você ressurja melhor, mais experiente, sábio, seguro e observador. Todo novo dia é um presente que a vida nos concede. Saibamos aproveitá-lo, com alegria e com amor.


E quando algo negativo afetar suas emoções e lhe trouxer alguma dose de desencanto e de amargura, diga, como Gide: “Tu não me dominarás, tristeza! Ouço um canto suave através das lamentações, dos soluços. Um canto cujas palavras invento a meu talante. Um canto que me fortalece o coração quando o sinto prestes a ceder”.


E siga, sem titubear, esta basilar recomendação do escritor: “Deixa tua esperança transportar-te para a frente. Não permitas que nenhum amor ao passado te retenha. Lança-te para o futuro! A poesia cessa de transferi-la para o sonho, saibas vê-la na realidade. E se não estiver nela ainda, coloca-a lá”.

Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

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