O prazer de ter Chico e Caetano juntos
Pedro J. Bondaczuk
O passar do tempo é o melhor antídoto contra rebeldes e rebeldias. Pelo menos isso é verdadeiro no caso de dois “monstros sagrados” da música popular brasileira, Chico Buarque de Holanda e Caetano Veloso. Ambos, até pouco tempo, tinham aversão patológica pela televisão, por considerá-la “instrumento de cooptação do sistema”. Mas os anos foram passando, os dois jovens rebeldes das décadas de 60 e 70 amadureceram, tornaram-se quarentões e, com a idade, até velhas idiossincrasias foram acalmadas. Pelo menos é o que parece.
Na próxima sexta-feira, Chico Buarque e Caetano Veloso estréiam um programa mensal, no horário nobre, na Rede Globo. Portanto, quem saiu ganhando, com a aparente mudança de opinião dos geniais compositores foi o telespectador, especialmente o que não compra discos e nem vai a shows, por não dispor de recursos para essa espécie de “luxo”. Agora, finalmente, ele também terá condições de usufruir de boa música, artigo de que o mercado anda um tanto carente nos últimos tempos.
Embora seguindo caminhos opostos, os dois artistas sempre se identificaram num ponto essencial: criatividade. São criativos como quê! Quem não se lembra, por exemplo, da obra-prima que é a letra de “Pedro Pedreiro”? Ou do balanço e do jogo de palavras de “Alegria, Alegria”? Poderíamos desfiar um rosário de composições maravilhosas, e de ambos, de pleno conhecimento do0 público e que hoje já se constituem em motivos até de saudades (quem diria!) para toda uma geração. Mas isso se torna dispensável, porquanto essas músicas estão incorporadas, em definitivo, à antologia do cancioneiro popular brasileiro e, por que não dizer, à história do nosso comportamento, num período turbulento da vida nacional.
Chico e Caetano foram dois rebeldes, num momento em que isso se constituía em temeridade, mas cuja rebeldia era a única válvula de escape da tensão reinante no País, em decorrência da ditadura militar. A juventude sem voz fazia de seus ídolos a sua maneira, implícita, de expressar o que lhe era vedado dizer explicitamente. Ambos tiveram uma série de atritos com a Censura, que diligentemente vetava o que lhe desse a impressão de3 ser uma crítica ao sistema vigente. Mas nem sempre a tesoura do censor atingiu composições que eram, na verdade, mensagens cifradas de rebeldia e oposição à ditadura. O público, porém, (pelo menos a parte esclarecida da população) compreendia e se deliciava.
Exemplo característico disso é a manifestação de angústia, pelo sufoco nacional, de um país privado de liberdade, que Chico expressou nos versos: “Tem dias que a gente se sente/como quem partiu ou morreu/a gente estancou de repente/ou foi então o mundo quje cresceu...”, de “Roda Viva”. Ou o recado dado pelo compositor de que tudo tem um fim, seja bom ou ruim, através dessa estrofe magistral: “Hoje você é quem manda/]falou, ta falado/não tem discussão, não,/a minha gente hoje anda...” e vai por aí afora.
Um detalhe curioso é que ambos, que hoje estão juntos – para o nosso deleite de fãs dos dois – estiveram, por muito tempo, em campos opostos. Chico Buarque com o chamado “Grupo Universitário” e Caetasno Veloso ligado ao “Movimento Tropicalista”, deflagrado pelos baianos, que deu uma sacudidela no marasmo que ameaçava se apossar da MPB em 1968. Muita gente está curiosa em saber, ainda hoje, quem ganhou essa “briga” entre duas tendências que pareciam tão diferentes e, por isso, inconciliáveis.
Ao nosso ver, o ganhador foi o público, já que as “!batalhas” foram travadas sempre em alto nível, mediante criativas composições musicais. Foram a arte e a cultura nacionais, enriquecidas pelos seus talentos. E foi justamente nesse momento difícil, de censura e falta de liberdade, erroneamente avaliado por muitos como de fraca produção e escassa criatividade, que compositores e composições magníficos despontaram.
Hoje é comum a gente ouvir que tanto Caetano quanto Chico estão acomodados e que não querem mais saber de nada com nada. Em primeiro lugar, não acreditamos nisso. Em segundo, em virtude da folha de serviços que ambos prestaram e da estatura que adquiriram na MPB, é mais do que justo que não se exponham tanto e que apareçam o mínimo possível, até para dar espaço à nova geração e para que suas imagens não sofram desgaste.
Chico, por exemplo, a despeito de tudo isso, teve participação ativa na política, especialmente no movimento das “DiretasJá”, em 1984, que redundou no lançamento da vitoriosa candidatura de Tancredo Neves à presidência da República. Mais recentemente, emprestou apoio a Fernando Henrique Cardoso na disputa pela prefeitura de São Paulo. Portanto, não está tão inativo como possa parecer aos desavisados ou mal informados.
Caetano, por seu lado, não parece ser muito chegado à política, pelo menos como ela é entendida e exercida no País. Aliás, seus pronunciamentos a propósito, e isso quando ele cisma de falar, costumam despertar, geralmente, reações um tanto azedas em diversos setores. Talvez por essa razão ele venha se preservando nesse sentido. Afinal... “em boca fechada não entra mosquito”.
Se o fato dos dois compositores dirigirem, juntos, um mesmo programa, e na Rede Globo, significar “capitulação ao sistema”, viva essa rendição! Afinal, sempre é bom um saudável sopro de genialidade para espantar um pouco o fantasma da massificação e do “prét-á-porter” musical que vem caracterizando os espetáculos de uns tempos para cá. E, principalmente, desta que o saudoso Stanislaw Ponte Preta classificava de “máquina de fazer doido”: a televisão.
(Artigo publicado na coluna “Vídeo”, página 10, editoria Arte & Variedades do Correio Popular, em 19 de abril de 1986)
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
O passar do tempo é o melhor antídoto contra rebeldes e rebeldias. Pelo menos isso é verdadeiro no caso de dois “monstros sagrados” da música popular brasileira, Chico Buarque de Holanda e Caetano Veloso. Ambos, até pouco tempo, tinham aversão patológica pela televisão, por considerá-la “instrumento de cooptação do sistema”. Mas os anos foram passando, os dois jovens rebeldes das décadas de 60 e 70 amadureceram, tornaram-se quarentões e, com a idade, até velhas idiossincrasias foram acalmadas. Pelo menos é o que parece.
Na próxima sexta-feira, Chico Buarque e Caetano Veloso estréiam um programa mensal, no horário nobre, na Rede Globo. Portanto, quem saiu ganhando, com a aparente mudança de opinião dos geniais compositores foi o telespectador, especialmente o que não compra discos e nem vai a shows, por não dispor de recursos para essa espécie de “luxo”. Agora, finalmente, ele também terá condições de usufruir de boa música, artigo de que o mercado anda um tanto carente nos últimos tempos.
Embora seguindo caminhos opostos, os dois artistas sempre se identificaram num ponto essencial: criatividade. São criativos como quê! Quem não se lembra, por exemplo, da obra-prima que é a letra de “Pedro Pedreiro”? Ou do balanço e do jogo de palavras de “Alegria, Alegria”? Poderíamos desfiar um rosário de composições maravilhosas, e de ambos, de pleno conhecimento do0 público e que hoje já se constituem em motivos até de saudades (quem diria!) para toda uma geração. Mas isso se torna dispensável, porquanto essas músicas estão incorporadas, em definitivo, à antologia do cancioneiro popular brasileiro e, por que não dizer, à história do nosso comportamento, num período turbulento da vida nacional.
Chico e Caetano foram dois rebeldes, num momento em que isso se constituía em temeridade, mas cuja rebeldia era a única válvula de escape da tensão reinante no País, em decorrência da ditadura militar. A juventude sem voz fazia de seus ídolos a sua maneira, implícita, de expressar o que lhe era vedado dizer explicitamente. Ambos tiveram uma série de atritos com a Censura, que diligentemente vetava o que lhe desse a impressão de3 ser uma crítica ao sistema vigente. Mas nem sempre a tesoura do censor atingiu composições que eram, na verdade, mensagens cifradas de rebeldia e oposição à ditadura. O público, porém, (pelo menos a parte esclarecida da população) compreendia e se deliciava.
Exemplo característico disso é a manifestação de angústia, pelo sufoco nacional, de um país privado de liberdade, que Chico expressou nos versos: “Tem dias que a gente se sente/como quem partiu ou morreu/a gente estancou de repente/ou foi então o mundo quje cresceu...”, de “Roda Viva”. Ou o recado dado pelo compositor de que tudo tem um fim, seja bom ou ruim, através dessa estrofe magistral: “Hoje você é quem manda/]falou, ta falado/não tem discussão, não,/a minha gente hoje anda...” e vai por aí afora.
Um detalhe curioso é que ambos, que hoje estão juntos – para o nosso deleite de fãs dos dois – estiveram, por muito tempo, em campos opostos. Chico Buarque com o chamado “Grupo Universitário” e Caetasno Veloso ligado ao “Movimento Tropicalista”, deflagrado pelos baianos, que deu uma sacudidela no marasmo que ameaçava se apossar da MPB em 1968. Muita gente está curiosa em saber, ainda hoje, quem ganhou essa “briga” entre duas tendências que pareciam tão diferentes e, por isso, inconciliáveis.
Ao nosso ver, o ganhador foi o público, já que as “!batalhas” foram travadas sempre em alto nível, mediante criativas composições musicais. Foram a arte e a cultura nacionais, enriquecidas pelos seus talentos. E foi justamente nesse momento difícil, de censura e falta de liberdade, erroneamente avaliado por muitos como de fraca produção e escassa criatividade, que compositores e composições magníficos despontaram.
Hoje é comum a gente ouvir que tanto Caetano quanto Chico estão acomodados e que não querem mais saber de nada com nada. Em primeiro lugar, não acreditamos nisso. Em segundo, em virtude da folha de serviços que ambos prestaram e da estatura que adquiriram na MPB, é mais do que justo que não se exponham tanto e que apareçam o mínimo possível, até para dar espaço à nova geração e para que suas imagens não sofram desgaste.
Chico, por exemplo, a despeito de tudo isso, teve participação ativa na política, especialmente no movimento das “DiretasJá”, em 1984, que redundou no lançamento da vitoriosa candidatura de Tancredo Neves à presidência da República. Mais recentemente, emprestou apoio a Fernando Henrique Cardoso na disputa pela prefeitura de São Paulo. Portanto, não está tão inativo como possa parecer aos desavisados ou mal informados.
Caetano, por seu lado, não parece ser muito chegado à política, pelo menos como ela é entendida e exercida no País. Aliás, seus pronunciamentos a propósito, e isso quando ele cisma de falar, costumam despertar, geralmente, reações um tanto azedas em diversos setores. Talvez por essa razão ele venha se preservando nesse sentido. Afinal... “em boca fechada não entra mosquito”.
Se o fato dos dois compositores dirigirem, juntos, um mesmo programa, e na Rede Globo, significar “capitulação ao sistema”, viva essa rendição! Afinal, sempre é bom um saudável sopro de genialidade para espantar um pouco o fantasma da massificação e do “prét-á-porter” musical que vem caracterizando os espetáculos de uns tempos para cá. E, principalmente, desta que o saudoso Stanislaw Ponte Preta classificava de “máquina de fazer doido”: a televisão.
(Artigo publicado na coluna “Vídeo”, página 10, editoria Arte & Variedades do Correio Popular, em 19 de abril de 1986)
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment