Quem se importa?
Pedro J. Bondaczuk
A solidariedade estaria em baixa, como querem alguns? As pessoas do
nosso tempo são mais egoístas e individualistas do que as de outras
épocas? Não creio que sejam, até que alguém me prove o contrário.
Ademais, não há como mensurar esse tipo de comportamento. Ele é
individual, não de grupos. Há (sempre houve), os que parecem
venerar o próprio umbigo, achando que o mundo gira, ou deveria girar
ao redor deles. E há gente abnegada que sente compulsiva necessidade
de ajudar quem esteja necessitando, sem que sequer saiba de quem se
trata. Sempre houve indivíduos assim.
A pergunta inicial vem a propósito de uma notícia que li, há uns
oito anos se não me engano, na internet, dando conta de uma
pitoresca experiência, feita por determinado ator (não anotei seu
nome, mas não importa). Ele simulou que estava sofrendo um enfarte,
bem no centrinho de São Paulo, em plena Avenida Paulista, maior
centro financeiro da América Latina, por onde trafegam, diariamente,
milhares, quiçá milhões de pessoas, além de dezenas de milhares
de veículos.
Sabe quantos se ofereceram para ajudar a suposta vítima? Nenhum!
Ninguém, absolutamente ninguém se ofereceu para socorrer o ator,
supostamente em dificuldade! Sim, amigos, ainda é possível se
morrer, sem o mínimo socorro, em uma movimentada artéria pública
da terceira maior cidade do mundo! E o que isso quer dizer? Que a
solidariedade acabou em São Paulo, ou no Brasil, ou na América do
Sul ou no mundo?
Afirmar isso seria não apenas precipitado, como irresponsável.
Tratar-se-ia de generalização e como alertou, um dia, o jornalista
Nelson Rodrigues, “toda a generalização é burra”. Não
devemos, pois, cair na tentação de generalizar o que quer que seja
somente face a evidências, por mais reveladoras que pareçam.
E por que ninguém ajudou o ator que simulava enfarte? As
possibilidades são muitíssimas, talvez tantas quantas as pessoas
que trafegavam, naquela hora, no local. A simulação, por exemplo,
pode ter sido muito grosseira, de modo a não convencer os
transeuntes. É possível, pensem bem, mesmo que não seja provável.
Pode ser que os que cruzaram com a suposta vítima achassem que ela
estivesse apenas embriagada, e, por isso, não lhe deram maior
importância.
Outra possibilidade é a de que, por uma dessas coincidências
inexplicáveis, os que trafegavam pelo local naquele momento fossem
todos, sem exceção, insensíveis. O acaso, às vezes, reúne
pessoas que pensam e agem de forma semelhante (embora isso não seja
muito comum). Isto não quer dizer, todavia, que “todos” os que
passam, diariamente, pela Avenida Paulista, sejam egoístas e
adoradores do próprio umbigo. E muito menos que em São Paulo não
haja mais ninguém dotado de senso de solidariedade. Uma afirmação
assim seria, no mínimo, estúpida, para não dizer outra coisa.
Os homens e mulheres de hoje não são melhores e nem piores do que
os de outras épocas. São, isso sim, mais numerosos. Para o leitor
ter pálida ideia a respeito, basta informar que até a década de 50
do século XX a população mundial era de dois bilhões de
habitantes. Hoje, apenas a China e a Índia, juntas, têm cifra que é
800 milhões maior do que essa.
Há, sim, quem se importe com os outros. Milhares de pessoas, Brasil
afora (e já nem falo do mundo), mantêm, ou ajudam a manter creches,
asilos, orfanatos e hospitais de caridade. Muitos o fazem de forma
absolutamente anônima, apenas pelo desejo de ajudar. À pergunta
“quem se importa?”, portanto, é possível de se responder:
muitos! Quantos? É impossível de se quantificar. Ninguém tem o dom
de penetrar no coração e mente das pessoas e descobrir o que pensam
e sentem.
Claro, reitero, há uma multidão de insensíveis. Sempre houve e
temo que, desgraçadamente, sempre haverá. Sem dúvida que existem
milhões de pessoas que se sentem (e que agem) como se fossem o
centro do mundo e que, por isso, não se veem comprometidas com
carências, aflições e problemas alheios. Em que época, porém, o
mundo se viu privado desses parasitas? Nunca!
O poeta Mário Quintana, com aquele seu irresistível senso de humor,
escreveu, certa feita, de forma inteligente (como sempre): “O pior
dos problemas da gente é que ninguém tem nada com isso”. O que
quis dizer? Tentou justificar, acaso, a falta de solidariedade de
alguns (diria de muitos), como a experiência feita em São Paulo
pareceu comprovar? De jeito algum!
O poeta quis se referir ao fato de pretendermos, em algumas ocasiões,
transferir nossos fracassos e aflições para os outros. De nos
acomodarmos e querermos que outras pessoas resolvam por nós o que
nos compete, exclusivamente, resolver. Em alguns casos, até
conseguimos isso. E quando isso ocorre (e creiam, se verifica com
maior freqüência do que podemos supor), comprova-se, na verdade, a
falsidade da tese de que a solidariedade tenha acabado ou esteja em
declínio. Quem se importa? Muitos se importam, certamente!
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