Saturday, September 16, 2017

Distorção legislativa


Pedro J. Bondaczuk


A Medida Provisória, recurso adotado na atual Constituição para assuntos de extrema relevância e urgência, acabou sendo descaracterizada em seu espírito e passou a ser um instrumento de legislação ordinária. Há, atualmente, 32 delas à espera de apreciação por parte da Câmara e do Senado, que estão, literalmente, em recesso.

A maioria de seus membros está em plena campanha, com vistas às eleições de 3 de outubro próximo. Pouco ou nada lhes importa que não tenham cumprido e não estejam cumprindo o seu dever. Buscam a reeleição com extrema "candura", quando não com "cara de pau", confiantes na falta de memória do eleitor. Podem ter uma desagradável surpresa. Tomara que a tenham.

Como o País não pode parar por causa da irresponsabilidade de seus legisladores, o Poder Executivo não tem outra alternativa senão lançar mão da edição de sucessivas Medidas Provisórias, ciente, com certeza, de que o uso indiscriminado desse expediente é inconstitucional. Mas o que fazer? Deixar a Nação ser tomada por uma autêntica paralisia, em virtude do Legislativo estar deixando de exercer suas funções? E está!

A proposta que criou a nova moeda, o Real, por exemplo, tão importante para a vida nacional, não chegou sequer a ser apreciada. O Brasil está sem orçamento para 1994, apesar de já estarmos em meados de setembro, portanto a três meses do final do ano.

Isto para não ressaltar que a Constituição de 1988 vai completar o 6º aniversário no próximo dia 5, sem estar regulamentada por leis ordinárias, na maioria dos seus dispositivos. Pode haver maior inércia?

É disso que o eleitor precisará se lembrar em 3 de outubro, na hora de votar em seu candidato a deputado ou a senador. Embora a mídia não esteja dando a devida importância e a opinião pública não se tenha dado conta do fato, as eleições para o Legislativo são mais importantes do que a escolha do novo presidente ou dos governadores de Estado. O "calcanhar de Aquiles" da nossa democracia está exatamente no Congresso.

Mas nada será corrigido, e as coisas continuarão tão ruins como estão, ou até piores, caso seja mantida a atual mentalidade. Caso os votos brancos e nulos sigam sendo tão fartos quanto foram em 1990. Não será através da omissão que as distorções políticas poderão ser corrigidas.

É preciso estar atento a tudo o que aconteceu nos últimos quatro anos da vida nacional. Seria inconcebível, por exemplo, reconduzir ao Congresso os "anões do orçamento", os que, embora culpados, deixaram de ser punidos pelo espírito corporativista dos seus pares.

Não se concebe, igualmente, dar a procuração do voto aos gazeteiros, que receberam sem trabalhar, deixando de comparecer às sessões. Estes praticaram um ato de extrema corrupção. Receberam o indevido, já que foram pagos sem trabalhar.

As Medidas Provisórias poderão (e deverão) se tornar raras, como prevê a Constituição, somente quando o País puder contar com um Legislativo ativo. Quando deputados e senadores entenderem que, ao serem eleitos, receberam uma responsabilidade, uma tarefa, uma missão e não um prêmio. Até que isso ocorra, não há como criticar o presidente por se valer desse recurso para poder governar.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 13 de setembro de 1994).


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