Miragem da eternidade
Pedro J. Bondaczuk
A arte é, no final das
contas, uma tentativa (na maioria das vezes bem-sucedida) de
interpretação da vida, feita pelo artista. Tudo o que o cerca,
animal, vegetal ou mineral não importa, é tema potencial para suas
criações, temperado, claro, pelo seu talento, experiência e modos
de enxergar as coisas.
Deleito-me, e aprendo muito
mais sobre mim mesmo e o mundo, nas obras dos grandes criadores, do
que na filosofia, nas ciências e em outras tantas disciplinas
criadas pelo e para o homem. A natureza, se bem observada, é, por si
só, inigualável obra de arte. Ás vezes é tétrica (e para o
artista, há beleza, até, na extrema feiúra) às vezes sublime,
dependendo do que se observa.
Mais do que agradar os
sentidos, seu principal papel é induzir o observador à reflexão e
à análise do que é e onde está. Ser artista, portanto, é
enxergar o outro lado das coisas e se deleitar com ele. Procuramos a
beleza em cenários sofisticados, em arranjos e combinações
refinados e não atentamos para o tanto que há de belo ao nosso
redor.
Não raro não conseguimos
vislumbrar a poesia que há num bando de crianças sadias brincando
despreocupadas, ou na limpidez do olhar da pessoa amada, ou nas
flores selvagens e brutas que brotam por entre as ervas das campinas.
Desprezamos o simples. Somos
obsessivos pelo complexo, pelo artificioso, pelo complicado. Mas a
beleza real e hipnotizadora, aquela que nos enleva a alma e nos leva
a esquecer as agruras da vida, está na simplicidade. Esconde-se nas
coisas aparentemente mais triviais que nos rodeiam ou com as quais
topamos casualmente.
Basta atentar para ela e, com
a força do talento, criar poemas, romances, contos, pinturas,
músicas etc. que se tornem imortais. Quando contemplamos, absortos e
distraídos, um cenário deslumbrante, de extrema beleza – um sol
dourado sobre um vasto trigal maduro; um lago de águas serenas e
cristalinas cercado por um bosque verdejante; uma noite clara e
enluarada com um céu salpicado de estrelas – sentimos uma ânsia
indefinida, um desejo incontido de viajar pelo espaço e conhecer
outros mundos e maravilhas interditas aos olhos humanos.
Sentimos que não somos daqui,
deste lugar em que estamos, e que a vida não pode ser desperdiçada
com picuinhas e ambições mesquinhas. Aflora em nós o artista que
somos e que, às vezes, ou por timidez, ou por ignorância, ou em
virtude das circunstâncias, ainda não descobrimos. Saber admirar o
belo, e valorizá-lo, também é arte, posto que não se materialize
em nenhuma obra.
O artista, sobretudo o
escritor, como qualquer ser humano normal, com um mínimo de
raciocínio, aspira à eternidade. Claro que tem consciência da
impossibilidade física de chegar a ela. Busca-a, porém, através da
sua obra. Se conseguirá ou não alcançar seu ousado objetivo, nunca
saberá.
Para ter sucesso depende de
circunstâncias várias que lhe fogem por completo ao controle. Não
depende, sequer, da qualidade do que produziu. Inúmeras
manifestações artísticas perderam-se para sempre, ao longo do
tempo e da história, em decorrência de guerras, convulsões
sociais, catástrofes etc.
Quanta coisa espetacular e
original não se perdeu, por exemplo, no incêndio da Biblioteca de
Alexandria, no Egito?! Ou na destruição da de Nínive! Ou por
causas várias, nos mais variados tempos e lugares!
A obra de arte, objetivamente,
não é eterna. Eterno é o dom artístico, a necessidade do homem de
interpretar o que é, sente, faz e tudo o que o rodeia. É esse
talento, que se manifesta das formas mais variáveis (literatura,
pintura, música etc.) que confere ao artista uma espécie de
“miragem de eternidade”.
Ela pode vir a se concretizar?
Pode! Mas o que produziu pode, também, se perder para sempre e não
deixar o menor vestígio em questão de parcos anos. O escritor
Gaëtan Picon – autor, entre outros livros, de “O escritor e sua
sombra” – escreveu a respeito: “A obra não é eterna, mas a
continuidade da criação artística, que a submete ao jogo das
revivescências e das metamorfoses, é como uma miragem de
eternidade”. E não é?!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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