Thursday, September 21, 2017

Inato e adquirido

Pedro J. Bondaczuk

O processo de formação do ser humano é contínuo e ininterrupto, do nascimento à morte. E sequer me refiro às transformações físicas, psíquicas, comportamentais etc., que ocorrem a cada milésimo de segundo, até que ocorra a mudança final e definitiva: ou seja, o retorno ao pó de onde viemos.

Somos a soma do inato com o adquirido. Herdamos potencialidades genéticas de gerações e gerações de antepassados, diria que até do casal original da espécie, do qual somos descendentes, obviamente. Poucas delas, é verdade, conseguimos tornar concretas ao cabo da nossa vida.

A nossa parte “adquirida” é a que prevalece na formação do que chamamos de “personalidade”, ou seja da nossa forma de ser, pensar, agir e reagir face ao mundo que nos cerca que, mesmo que seja semelhante à de muitos espécimes da espécie, é rigorosamente original e única.

Tomemos, por exemplo, dois gêmeos “parecidos” em tudo, desses que é impossível distinguir um do outro no que diz respeito às características físicas. Ambos podem ter o mesmo timbre de voz, idêntica forma de olhar, gestos que sejam a cópia exata um do outro, enfim, não ter nada que os diferencie um do outro, no que se refere à aparência física. Você, certamente, já viu irmãos assim. Podemos, pois, afirmar que os dois são iguais, cópias sem tirar e nem pôr um do outro? Jamais! De fato, não o são.

Ambos podem até ter as mesmíssimas potencialidades genéticas (embora isso jamais tenha sido comprovado com rigor científico). Suponhamos que de fato tenham. Mesmo assim, jamais haverá “igualdade” entre eles. Serão diferenciados no aspecto das características “adquiridas”. Certamente, não conhecerão as mesmas pessoas que os influencie por igual, não lerão os mesmos livros, não ouvirão as mesmas músicas etc.etc.etc.

Machado de Assis trata desse assunto no magnífico romance “Esaú e Jacó”. Os gêmeos do enredo, no aspecto externo, eram dos tais de nos confundirem a cabeça, por não conseguirmos distinguir diferenças, a não ser na convivência diária e assim mesmo prestando muitíssima atenção.

Ambos, contudo, tinham comportamentos, gostos e personalidades não somente diferentes, como opostos. Por isso, mantinham, entre si, interminável relação de amor e ódio. Embora no íntimo sentissem afeto um pelo outro, eram inconciliáveis antagonistas, ferozes adversários e, em certo aspecto, inimigos.

Faça uma análise íntima e serena e verá o quanto você mudou ao longo dos anos (não importa de quantos). Certamente, concretizou muitas de suas potencialidades genéticas, mas a maioria, por causa das circunstâncias que você teve que encarar, ficou não apenas adormecida, como foi neutralizada.

No entanto, você está vivo. Mesmo que desgastado fisicamente, o que é um processo absolutamente natural, caso propicie a você próprio condições favoráveis, poderá se surpreender com os resultados, fazendo coisas (boas ou más) que não julgava ser possível e nem capaz.

Conheço o caso de uma pessoa que sempre sonhou em ser médica, mas as circunstâncias lhe eram absolutamente adversas. Teve, por exemplo, que abandonar os estudos no colegial, para assegurar o sustento da família, notadamente do pai, que sofreu doença incapacitante e por isso, não mais podia trabalhar.

O tal sujeito, porém, nunca desistiu do seu sonho. Após a morte dos pais, constituiu família e teve, claro, que sustentar os filhos. E tome mais trabalho. Com a prole criada, todavia, surpreendeu todo o mundo ao anunciar, lá um belo dia, aos setenta anos, que faria o vestibular de Medicina. Foi um Deus nos acuda. Chegaram a afirmar que isso era sintoma de senilidade. Não era.

A família tentou demovê-lo dessa intenção. “Afinal, que tempo teria para exercer a profissão, caso não morresse antes de completar os estudos?”, era o principal argumento dos que queriam evitar que esse homem ousado se submetesse aos esforços exigidos para concretizar o então aparentemente impossível ideal. Em vão. Ele persistiu, contra tudo e contra todos.

Em suma, para não me alongar muito, digo que passou no vestibular, e entre os primeiros da turma, completou a faculdade, fez residência e, aos 80 anos, começou a clinicar. Pensam que, então, ele entregou os pontos? Engano. Trabalhou com afinco e dedicação por dez produtivos e inesquecíveis anos, em que salvou muitas vidas.

Este soube desenvolver seu lado inato, com a vivência e com a experiência, ou seja. com o aspecto adquirido, para a formação definitiva da sua personalidade. Em vez de se deixar abater pelas circunstâncias, derrotou-as. Você também pode, caro leitor, não importa qual seja sua idade ou condição, obter o mesmo resultado, ou até melhor, desde que de fato queira e aja para concretizar sua vontade. Quer uma sugestão?
Pelo menos, tente!


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