Inato e adquirido
Pedro J. Bondaczuk
O processo de formação do ser humano é contínuo e ininterrupto,
do nascimento à morte. E sequer me refiro às transformações
físicas, psíquicas, comportamentais etc., que ocorrem a cada
milésimo de segundo, até que ocorra a mudança final e definitiva:
ou seja, o retorno ao pó de onde viemos.
Somos a soma do inato com o adquirido. Herdamos potencialidades
genéticas de gerações e gerações de antepassados, diria que até
do casal original da espécie, do qual somos descendentes,
obviamente. Poucas delas, é verdade, conseguimos tornar concretas ao
cabo da nossa vida.
A nossa parte “adquirida” é a que prevalece na formação do que
chamamos de “personalidade”, ou seja da nossa forma de ser,
pensar, agir e reagir face ao mundo que nos cerca que, mesmo que seja
semelhante à de muitos espécimes da espécie, é rigorosamente
original e única.
Tomemos, por exemplo, dois gêmeos “parecidos” em tudo, desses
que é impossível distinguir um do outro no que diz respeito às
características físicas. Ambos podem ter o mesmo timbre de voz,
idêntica forma de olhar, gestos que sejam a cópia exata um do
outro, enfim, não ter nada que os diferencie um do outro, no que se
refere à aparência física. Você, certamente, já viu irmãos
assim. Podemos, pois, afirmar que os dois são iguais, cópias sem
tirar e nem pôr um do outro? Jamais! De fato, não o são.
Ambos podem até ter as mesmíssimas potencialidades genéticas
(embora isso jamais tenha sido comprovado com rigor científico).
Suponhamos que de fato tenham. Mesmo assim, jamais haverá
“igualdade” entre eles. Serão diferenciados no aspecto das
características “adquiridas”. Certamente, não conhecerão as
mesmas pessoas que os influencie por igual, não lerão os mesmos
livros, não ouvirão as mesmas músicas etc.etc.etc.
Machado de Assis trata desse assunto no magnífico romance “Esaú e
Jacó”. Os gêmeos do enredo, no aspecto externo, eram dos tais de
nos confundirem a cabeça, por não conseguirmos distinguir
diferenças, a não ser na convivência diária e assim mesmo
prestando muitíssima atenção.
Ambos, contudo, tinham comportamentos, gostos e personalidades não
somente diferentes, como opostos. Por isso, mantinham, entre si,
interminável relação de amor e ódio. Embora no íntimo sentissem
afeto um pelo outro, eram inconciliáveis antagonistas, ferozes
adversários e, em certo aspecto, inimigos.
Faça uma análise íntima e serena e verá o quanto você mudou ao
longo dos anos (não importa de quantos). Certamente, concretizou
muitas de suas potencialidades genéticas, mas a maioria, por causa
das circunstâncias que você teve que encarar, ficou não apenas
adormecida, como foi neutralizada.
No entanto, você está vivo. Mesmo que desgastado fisicamente, o que
é um processo absolutamente natural, caso propicie a você próprio
condições favoráveis, poderá se surpreender com os resultados,
fazendo coisas (boas ou más) que não julgava ser possível e nem
capaz.
Conheço o caso de uma pessoa que sempre sonhou em ser médica, mas
as circunstâncias lhe eram absolutamente adversas. Teve, por
exemplo, que abandonar os estudos no colegial, para assegurar o
sustento da família, notadamente do pai, que sofreu doença
incapacitante e por isso, não mais podia trabalhar.
O tal sujeito, porém, nunca desistiu do seu sonho. Após a morte dos
pais, constituiu família e teve, claro, que sustentar os filhos. E
tome mais trabalho. Com a prole criada, todavia, surpreendeu todo o
mundo ao anunciar, lá um belo dia, aos setenta anos, que faria o
vestibular de Medicina. Foi um Deus nos acuda. Chegaram a afirmar que
isso era sintoma de senilidade. Não era.
A família tentou demovê-lo dessa intenção. “Afinal, que tempo
teria para exercer a profissão, caso não morresse antes de
completar os estudos?”, era o principal argumento dos que queriam
evitar que esse homem ousado se submetesse aos esforços exigidos
para concretizar o então aparentemente impossível ideal. Em vão.
Ele persistiu, contra tudo e contra todos.
Em suma, para não me alongar muito, digo que passou no vestibular, e
entre os primeiros da turma, completou a faculdade, fez residência
e, aos 80 anos, começou a clinicar. Pensam que, então, ele entregou
os pontos? Engano. Trabalhou com afinco e dedicação por dez
produtivos e inesquecíveis anos, em que salvou muitas vidas.
Este soube desenvolver seu lado inato, com a vivência e com a
experiência, ou seja. com o aspecto adquirido, para a formação
definitiva da sua personalidade. Em vez de se deixar abater pelas
circunstâncias, derrotou-as. Você também pode, caro leitor, não
importa qual seja sua idade ou condição, obter o mesmo resultado,
ou até melhor, desde que de fato queira e aja para concretizar sua
vontade. Quer uma sugestão?
Pelo menos, tente!
Pelo menos, tente!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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