Problema de identidade
Pedro J. Bondaczuk
O que sou? Essa é uma pergunta que bilhões de pessoas, ao longo do
tempo e ao redor do mundo, vêm fazendo a si próprias (não raro,
inconscientemente, sem sequer se darem conta) e que não conseguiram
chegar a uma conclusão sequer razoável, quanto mais definitiva. A
todo instante, ficamos surpresos, senão atônitos, conosco mesmos.
Volta e meia, por exemplo, descobrimos, no fundo de nossas mentes,
ideias (construtivas ou não, não importa) que sequer atinávamos
que tínhamos. Vez por outra, praticamos ações que contrariam
nossas mais profundas convicções.
Desafiados, meio às cegas, atingimos objetivos que intimamente não
acreditávamos que pudéssemos alcançar. Que força misteriosa nos
moveu para praticar essa façanha? O oposto também ocorre.
Decepcionamo-nos, amiúde, conosco mesmos, com fracassos que
julgávamos impossíveis de nos atingir, mas que atingiram, por
superestimarmos nossas capacidades.
“Identidade! Essa era a palavra, chave para todos os problemas
humanos!”, constata Morris West, no romance “O Embaixador”.
Desde o nascimento, até a morte, é o que buscamos encontrar,
consolidar e impor, não apenas ao mundo, mas a nós mesmos.
Conseguiremos? Sou cético a esse propósito. Podemos até chegar
perto da resposta à questão “o que sou?”, mas sempre restará
uma dúvida em nosso espírito, sempre haverá novas surpresas
(positivas ou negativas), conservando e não raro ampliando nossa
insegurança a propósito.
Claro que não sairemos por aí apregoando que não temos certeza
sequer do que somos. Ninguém faz isso. Se o fizer, certamente, será
considerado insano ou, no mínimo, para ser mais suave, neurótico.
Temos, é fato, uma vaga e intuitiva compreensão de quem somos e
como nos ligamos aos semelhantes e ao misterioso universo em cujo
recôndito cantinho vivemos.
Não fosse assim, não teríamos nem como sobreviver. Sozinhos não
somos nada. Precisamos dos outros para assegurar nossa sobrevivência.
Ninguém, absolutamente ninguém, por maiores que sejam seus talentos
e habilidades, é autossuficiente.
Atribui-se papel preponderante à educação na formação da nossa
identidade, do que se convencionou chamar de “personalidade”. Não
nego, claro, sua importância e nem poderia. Mas há casos que me
deixam perplexo e suscitam questões que nunca consegui responder,
envolvendo pessoas que foram educadas, rigorosamente, da mesma forma
pelos pais, freqüentaram as mesmíssimas escolas, foram criadas em
ambientes absolutamente iguais e, no entanto, uma se tornou digna de
imitação, por sua conduta exemplar e outra descambou para a
marginalidade.
É o caso de uma família de evangélicos, com a qual convivi por
certo tempo. Os pais eram muito religiosos e admirados no bairro por
sua postura, probidade, gentileza e irrepreensível conduta. Poria,
sem vacilar, minha mão no fogo por esse casal. Qualquer um que o
conhecesse faria a mesma coisa.
Eram pessoas saudáveis, alegres, positivas e, sobretudo, exemplares.
Tinham dois filhos, com diferença de idade de um ano entre ambos. O
mais velho era a cópia exata dos pais no que diz respeito quer à
aparência física, quer à conduta. Tanto, que se tornou pastor. O
mais moço, porém... Passou a andar em más companhias e não tardou
para que se tornasse viciado em drogas. Não demorou muito para que
começasse a roubar para sustentar o vício.
A princípio, eram pequenos furtos, praticados contra os próprios
pais. Estes, todavia, evoluíram para delitos cada vez maiores. Até
que um dia, o tal indivíduo assaltou, com dois comparsas, uma casa
num bairro luxuoso da cidade (não importa qual, pois não é
relevante a identificação do personagem para essas reflexões), que
redundou na morte da vítima. Foi preso, julgado e condenado a vinte
anos de prisão, sentença que ainda está cumprindo numa
penitenciária de segurança máxima do Estado.
A pergunta que se impõe é: se é a educação o fator fundamental
na formação da identidade e personalidade das pessoas, o que
aconteceu nesse caso, para que os dois irmãos se tornassem tão
diferentes um do outro? Afinal, foram educados, rigorosamente, da
mesmíssima forma.
Os pais transmitiram os mesmos princípios religiosos, morais e
sociais a ambos. Estudaram nas mesmas escolas e freqüentaram os
mesmos círculos. O que, porém, levou um dos irmãos a abraçar a
vida religiosa e o outro a descambar para a marginalidade? Talvez as
circunstâncias. Talvez uma herança genética, quem sabe. Mas não
me venham com essa conversa de más companhias!
Na minha juventude, convivi com pessoas da pior espécie. Fui
tentado, até, a experimentar drogas, mas tive cabeça suficiente
para nunca me deixar induzir a fazer essa estúpida experiência. A
lógica me dizia que não precisava fazer uso dessas porcarias (cujo
nome é, convenhamos, por si só revelador, significando “coisas
que não prestam”) para saber que elas eram (e são, obviamente)
ruins e destrutivas. Convenhamos, não é preciso ser nenhum gênio
para chegar a essa compreensão.
Os exemplos dessa turma da pesada com a qual andei eram os piores
possíveis. Tanto que alguns deles se tornaram bandidos perigosos e
foram mortos em tiroteios com a polícia. E, apesar de andar em tão
más companhias, nunca, em momento algum, enveredei para a
marginalidade e muito menos para o crime. Jamais cometi um único
delito que fosse. E olhem que não sou nenhum primor em força de
vontade!
Esse argumento, o das más companhias, portanto, não só não
explica, como não justifica a corrupção de ninguém. Tem lá a sua
influência em mentes fracas, é verdade. Devem, lógico, ser
evitadas. Mas não são fatores determinantes para corromper ninguém.
Como explicar, pois, os diferentes caminhos tomados pelos dois
irmãos? Eu não tenho nenhuma explicação convincente. Você, por
acaso, tem, prezado leitor?
Morris West propõe um teste para comprovar sua tese de que o
ambiente é que determina nossa identidade: “Ponham-no (um homem)
numa cela acusticamente isolada, separem-no da visão, som e toque do
mundo, e em pouco tempo o terão reduzido à loucura e à desordem
física”. Alguém duvida?! Se a resposta for positiva, por favor,
não façam essa experiência com quem quer que seja. Será cruel
demais!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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