Saturday, September 09, 2017

Prudência não faz mal a ninguém



Pedro J. Bondaczuk



O tema atinente à duração do mandato do presidente José Sarney continua pontilhando nas manchetes nacionais, após ter vindo à baila extemporaneamente na Assembléia Nacional Constituinte praticamente no dia seguinte à sua instalação, quando nem sequer seu regimento interno (posteriormente modificado pelo chamado Centrão) estava pronto.

Uns entendem que o vice de Tancredo deve governar os seis anos previstos pela Constituição que ainda está em vigor e da qual a nova, em elaboração, será originária. Outros concordam com os cinco, propostos pelo próprio interessado, que abriu mão de um ano a que constitucionalmente tinha direito. E uma terceira corrente, cujo pensamento prevaleceu na Comissão de Sistematização, pretende que as eleições presidenciais sejam convocadas ainda neste 1988.

Qual tese seria a mais correta? Embora haja uma grande ânsia nacional pela escolha, através das urnas, do novo presidente, fato que não ocorre desde outubro de 1960, falar em sucessão agora é uma infantilidade. Pior do que isso, uma irresponsabilidade. Não por causa de alguma eventual simpatia pelo presidente José Sarney ou que sua gestão venha sendo brilhante. O motivo é puramente prático. Raciocinemos.

Assim que a nova Carta Magna for promulgada (e pelo que se comenta, isso é mais provável que ocorra em 21 de abril próximo), toda a legislação ordinária que entre em conflito com ela estará automaticamente revogada. Muitas dessas leis que vão “morrer” dizem respeito ao dia a dia de cada brasileiro. Ao meu, ao seu caro leitor e ao de muitos milhões dee outras pessoas.

Uma campanha presidencial vai esvaziar o Legislativo e justo no momento em que o País vai precisar mais dele. Sabe-se lá quanta confusão isso pode gerar! Será um caos! Processos em andamento podem ser suspensos, negócios acabarão sendo paralisados e a gritaria dos atingidos certamente não será menos barulhenta do que a que está sendo feita agora pelos que exigem eleições imediatas.

Outro aspecto a considerar refere-se ao Direito Constitucional. A nova Constituição que está nascendo, doutrinariamente, é denominada de “originária”. Ou seja, ela não é fruto de uma ruptura institucional. Tanto é que a convocação da Assembléia Constituinte que vem elaborando essa “certidão jurídica” nacional foi feita mediante uma emenda a ela.

Por essa razão, a redução do mandato do atual presidente, que foi estabelecido pela Carta anterior, é um casuísmo que contraria as normas que vigoram em todo e qualquer país. Os cinco anos de governo para o presidente José Sarney são válidos apenas porque ele, o titular legítimo desse período governamental, abriu mão de um. Somente ele tem o poder de fazer isso. Uma diminuição maior só se justificaria se fossem convocadas eleições em 1988 para todos os cargos eletivos. Ou se o presidente renunciasse.

O que se deve, portanto, é ter paciência e sobretudo prudência. Afinal, não estamos jogando com o nosso passado, ao tomarmos uma decisão precipitada no presente. Poderemos estar comprometendo o nosso futuro. O que deve ocorrer, isto sim, é uma conscientização do Congresso para a adequação da legislação ordinária à nova Constituição da maneira mais rápida, eficiente e inteligente possível.

Que os ambiciosos refreiem seus anseios pelo poder e pensem em algo muito maior: na tranqüilidade e na segurança de todos nós. Afinal, como diz o velho e surrado clichê, mas sempre oportuno: “prudência e caldo de galinha não fazem mal a ninguém”.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 15 de janeiro de 1988).



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