Povo
tem encontro com o destino
Pedro
J. Bondaczuk
As
Filipinas têm, amanhã, um encontro com o destino. Vinte e seis
milhões de seus cidadãos vão decidir se o país deve continuar sob
o império do terror e da corrupção, situação que caracterizou
metade de sua vida nacional independente, ou se procura novo caminho,
ao amparo das leis mais justas e de respeito aos direitos humanos. É
evidente que o processo, desta vez, como de outras anteriores, não
depende apenas dos eleitores. Há temores (fundamentados por sinal)
de que expedientes ilícitos, utilizados em tantas ocasiões, em
autênticos arremedos eleitorais, voltem aq se fazer presentes,
distorcendo a vontade popular.
Nesse
caso, o atual presidente, que se quer tonar vitalício, como Jean
Claude Duvalier no Haiti, mas que ainda tem alguns pruridos de
legalidade que o impedem, será responsável por outra tragédia
nesse sofrido país, entre tantas que ele já causou: um levante
popular, de consequências inimagináveis.
A
eleição de amanhã, todavia, apresenta uma característica
diferente das anteriores. Pela primeira vez, em duas décadas, a Casa
Branca manifesta, publicamente, sua insatisfação com Ferdinand
Marcos, esse “enfant terrible” entre seus aliados. Denúncias de
diversas entidades de proteção aos direitos humanos e de outras
organizações respeitáveis, como o Conselho Mundial de Igrejas,
Acerca de torturas, assassinatos políticos e prisões arbitrárias
acumularam-se com o passar do tempo. E, o que é mais lamentável de
tudo, em várias oportunidades esses crimes contaram com a
participação norte-americana. Em alguns casos, essa “cumplicidade”
se deu por omissão. Em outros, por ação direta. E em outros ainda,
reunindo ambas. Isso representa verdadeira heresia quando se leva em
conta os ideais de liberdade e de justiça que sempre inspiraram os
descendentes dos imigrantes da Mayflower.
Entretanto,
o presidente Ronald Reagan parece ter cansado das hediondas
“traquinagens” desse caudilho asiático, ou seja, de Ferdinand
Marcos. A gota d’água teria sido a farsa em que se constituiu o
julgamento dos assassinos do senador Benigno Aquino, crime cometido
em 13 de agosto (só podia ser!) de 1983, quando esse corajoso líder
oposicionista regressava do exílio nos Estados Unidos. O homicídio,
em seu instante fatal, foi filmado por um cinegrafista japonês e
depois foi exibido nas televisões do mundo todo, inclusive do
Brasil.
Nas
imagens, fica evidente que o homem que disparou o tiro mortal contra
a indefesa vítima, na escada do avião, no aeroporto de Manila, era
um oficial do exército filipino. No entanto, o assassinato foi
atribuído a um ativista de esquerda, “oportunamente” morto pelos
seguranças Galmán é o nome dele) quando, supostamente, teria
tentado fugir. A farsa foi tão grotesca que nem mesmo o mais
subserviente dos colaboradores do regime deixou de rir dessa grotesca
patomima. De rir e de preocupar-se com as repercussões. Alguém,
entretanto, não achou graça alguma. E esse alguém foi justamente o
presidente Reagan.
Desconfiada
dos conhecidos e tão apregoados ardis de Ferdinand Marcos (como se
esperteza para delinquir fosse alguma virtude digna de admiração),
a Casa Branca resolveu precaver-se. Enviou um grupo para observar as
eleições, chefiado pelo senador republicano Richard Lugar. A
opinião pública norte-americana, como ficou evidenciado, estará de
olho na votação de amanhã e na respectiva apuração de votos. À
mínima suspeita de fraude no processo eleitoral o alarido,
possivelmente, será dos maiores, tão grande que poderá ser capaz
de despertar qualquer consciência adormecida (ou bestializada).
É
possível que mesmo assim o “enfant terrible” de Manila consiga
driblar todo mundo, tirando algum coelho da cartola no derradeiro
momento. Mas o sofrido povo filipino não se deixará enganar
novamente. Certamente saberá tirar o máximo proveito desse
providencial “encontro com o destino”. E, quem sabe, pelo menos
desta vez, possa sentir o gostinho de saber como é viver sob
autêntica democracia. Tomara que sim.
(Artigo
publicado na editoria Internacional do Correio Popular, em 6 de
fevereiro de 1986).
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