Tuesday, September 05, 2017

Povo tem encontro com o destino

Pedro J. Bondaczuk

As Filipinas têm, amanhã, um encontro com o destino. Vinte e seis milhões de seus cidadãos vão decidir se o país deve continuar sob o império do terror e da corrupção, situação que caracterizou metade de sua vida nacional independente, ou se procura novo caminho, ao amparo das leis mais justas e de respeito aos direitos humanos. É evidente que o processo, desta vez, como de outras anteriores, não depende apenas dos eleitores. Há temores (fundamentados por sinal) de que expedientes ilícitos, utilizados em tantas ocasiões, em autênticos arremedos eleitorais, voltem aq se fazer presentes, distorcendo a vontade popular.

Nesse caso, o atual presidente, que se quer tonar vitalício, como Jean Claude Duvalier no Haiti, mas que ainda tem alguns pruridos de legalidade que o impedem, será responsável por outra tragédia nesse sofrido país, entre tantas que ele já causou: um levante popular, de consequências inimagináveis.

A eleição de amanhã, todavia, apresenta uma característica diferente das anteriores. Pela primeira vez, em duas décadas, a Casa Branca manifesta, publicamente, sua insatisfação com Ferdinand Marcos, esse “enfant terrible” entre seus aliados. Denúncias de diversas entidades de proteção aos direitos humanos e de outras organizações respeitáveis, como o Conselho Mundial de Igrejas, Acerca de torturas, assassinatos políticos e prisões arbitrárias acumularam-se com o passar do tempo. E, o que é mais lamentável de tudo, em várias oportunidades esses crimes contaram com a participação norte-americana. Em alguns casos, essa “cumplicidade” se deu por omissão. Em outros, por ação direta. E em outros ainda, reunindo ambas. Isso representa verdadeira heresia quando se leva em conta os ideais de liberdade e de justiça que sempre inspiraram os descendentes dos imigrantes da Mayflower.

Entretanto, o presidente Ronald Reagan parece ter cansado das hediondas “traquinagens” desse caudilho asiático, ou seja, de Ferdinand Marcos. A gota d’água teria sido a farsa em que se constituiu o julgamento dos assassinos do senador Benigno Aquino, crime cometido em 13 de agosto (só podia ser!) de 1983, quando esse corajoso líder oposicionista regressava do exílio nos Estados Unidos. O homicídio, em seu instante fatal, foi filmado por um cinegrafista japonês e depois foi exibido nas televisões do mundo todo, inclusive do Brasil.

Nas imagens, fica evidente que o homem que disparou o tiro mortal contra a indefesa vítima, na escada do avião, no aeroporto de Manila, era um oficial do exército filipino. No entanto, o assassinato foi atribuído a um ativista de esquerda, “oportunamente” morto pelos seguranças Galmán é o nome dele) quando, supostamente, teria tentado fugir. A farsa foi tão grotesca que nem mesmo o mais subserviente dos colaboradores do regime deixou de rir dessa grotesca patomima. De rir e de preocupar-se com as repercussões. Alguém, entretanto, não achou graça alguma. E esse alguém foi justamente o presidente Reagan.

Desconfiada dos conhecidos e tão apregoados ardis de Ferdinand Marcos (como se esperteza para delinquir fosse alguma virtude digna de admiração), a Casa Branca resolveu precaver-se. Enviou um grupo para observar as eleições, chefiado pelo senador republicano Richard Lugar. A opinião pública norte-americana, como ficou evidenciado, estará de olho na votação de amanhã e na respectiva apuração de votos. À mínima suspeita de fraude no processo eleitoral o alarido, possivelmente, será dos maiores, tão grande que poderá ser capaz de despertar qualquer consciência adormecida (ou bestializada).

É possível que mesmo assim o “enfant terrible” de Manila consiga driblar todo mundo, tirando algum coelho da cartola no derradeiro momento. Mas o sofrido povo filipino não se deixará enganar novamente. Certamente saberá tirar o máximo proveito desse providencial “encontro com o destino”. E, quem sabe, pelo menos desta vez, possa sentir o gostinho de saber como é viver sob autêntica democracia. Tomara que sim.

(Artigo publicado na editoria Internacional do Correio Popular, em 6 de fevereiro de 1986).



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