Quando
a justiça sai desmoralizada
Pedro
J. Bondaczuk
A ação movida na justiça da
Itália, pelo promotor italiano Antonio Marini, contra uma
pseudoconexão búlgara, que teria servido de intermediária da
polícia secreta soviética KGB e contratado pistoleiros da
ultradireitista organização terrorista turca “Lobos Cinzentos”
para matar o papa João Paulo II em 1981, desde o início soou como
um conto de fadas. A própria CIA norte-americana ridicularizou essa
acusação. A situação toda era por demais fantasiosa para ter a
mínima verossimilhança. Há quase um ano, quando o processo foi
instaurado, a imprensa ocidental, sobretudo a romana, estava
classificando-o como o “julgamento do século”. Dizia-se, então,
que muitos “podres” do relacionamento internacional viriam,
finalmente, a público. Alguns, mais afoitos, previam a
desmoralização do Cremlin, que ficaria desmascarado perante a
opinião pública mundial como praticante de crimes e de tramoias
hediondos.
Na oportunidade, comentando o
fato, nós prevíamos exatamente o contrário. Chamávamos a atenção
do leitor para o absurdo da história e dizíamos que essa ação
tinha tudo para se transformar no fiasco do século. Desde o início
dos depoimentos, em 26 de maio passado, deu para qualquer um perceber
o que o julgamento seria: verdadeiro circo. A principal testemunha de
acusação (o próprio autor da tentativa de assassinato do Papa,
Mehmet Ali Agca) desmoralizou o processo a partir do primeiro momento
em que abriu a boca. Antes a tivesse mantido fechada. No primeiro
momento, foi logo dizendo que era Jesus Cristo e outros disparates do
gênero. Causou, claro, risos de mofa em alguns, revolta em tantos
outros (que sentiam ofendidos ao ver um nome tão sagrado na boca de
um celerado inútil desse tipo) e piedade entre os que a
consideravam mentalmente insana.
O processo foi se arrastando
e, à medida que as declarações de Agca foram se revelando mais
desequilibradas ainda, a imprensa passou a destinar menos espaço
para noticiar o julgamento. De manchetes, as notícias caíram para
submanchetes, deixaram as primeiras páginas e passaram a ocupar
páginas do meio dos jornais, resvalaram para notas de rodapé e,
finalmente, sumiram de vez. A testemunha de acusação brincou,
esperneou, acusou levianamente várias pessoas sem a mínima prova,
se contradisse quando acareada com os que havia acusado e
desacreditou por completo àqueles que lhe deram crédito no início
de seus depoimentos, em um cínico e estúpido desrespeito à
justiça. Afinal, o que Agca tinha, ainda, a perder? Honra esse
terrorista nunca teve. Da liberdade, já está privado há quase
cinco anos, desde o atentado que cometeu em 13 de maio de 1981, na
Praça de São Pedro, no Vaticano. Seu futuro está maios do que
definido, com a condenação à prisão perpétua. Sem mais nada a
arriscar, Agca deve ter raciocinado: “Quem sabe dá para faturar
algum dinheirinho, inventando uma história tipo espionagem, dessas
vendidas às toneladas para jornais sensacionalistas vendidos em
bancas de estações de ônibus e de trens no mundo todo”.
Não queremos, com isso,
afirmar que os países acusados, União Soviética e Bulgária, sejam
primores de santidade, ou de respeito aos direitos humanos. Não são!
Mas daí a dizer que dois Estados, com a tradição e a
responsabilidade que ainda têm, sejam, mesmo que remotamente,
inspiradores de uma ação tão estúpida, despropositada e sem
sentido é uma leviandade sem tamanho. É levar longe demais os ódios
e preconceitos que caracterizam esta insanidade, que é a tal da
guerra fria. É uma coisa tão louca como centralizar todo um
processo judicial em depoimentos de um notório desequilibrado
mental, como Mehmet Ali Agca. Tenhqam a santa paciência!!!!
(Artigo publicado na editoria
Internacional do Correio Popular, em 28 de fevereiro de 1986).
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