Wednesday, September 27, 2017

Quando a justiça sai desmoralizada

Pedro J. Bondaczuk

A ação movida na justiça da Itália, pelo promotor italiano Antonio Marini, contra uma pseudoconexão búlgara, que teria servido de intermediária da polícia secreta soviética KGB e contratado pistoleiros da ultradireitista organização terrorista turca “Lobos Cinzentos” para matar o papa João Paulo II em 1981, desde o início soou como um conto de fadas. A própria CIA norte-americana ridicularizou essa acusação. A situação toda era por demais fantasiosa para ter a mínima verossimilhança. Há quase um ano, quando o processo foi instaurado, a imprensa ocidental, sobretudo a romana, estava classificando-o como o “julgamento do século”. Dizia-se, então, que muitos “podres” do relacionamento internacional viriam, finalmente, a público. Alguns, mais afoitos, previam a desmoralização do Cremlin, que ficaria desmascarado perante a opinião pública mundial como praticante de crimes e de tramoias hediondos.

Na oportunidade, comentando o fato, nós prevíamos exatamente o contrário. Chamávamos a atenção do leitor para o absurdo da história e dizíamos que essa ação tinha tudo para se transformar no fiasco do século. Desde o início dos depoimentos, em 26 de maio passado, deu para qualquer um perceber o que o julgamento seria: verdadeiro circo. A principal testemunha de acusação (o próprio autor da tentativa de assassinato do Papa, Mehmet Ali Agca) desmoralizou o processo a partir do primeiro momento em que abriu a boca. Antes a tivesse mantido fechada. No primeiro momento, foi logo dizendo que era Jesus Cristo e outros disparates do gênero. Causou, claro, risos de mofa em alguns, revolta em tantos outros (que sentiam ofendidos ao ver um nome tão sagrado na boca de um celerado inútil desse tipo) e piedade entre os que a consideravam mentalmente insana.

O processo foi se arrastando e, à medida que as declarações de Agca foram se revelando mais desequilibradas ainda, a imprensa passou a destinar menos espaço para noticiar o julgamento. De manchetes, as notícias caíram para submanchetes, deixaram as primeiras páginas e passaram a ocupar páginas do meio dos jornais, resvalaram para notas de rodapé e, finalmente, sumiram de vez. A testemunha de acusação brincou, esperneou, acusou levianamente várias pessoas sem a mínima prova, se contradisse quando acareada com os que havia acusado e desacreditou por completo àqueles que lhe deram crédito no início de seus depoimentos, em um cínico e estúpido desrespeito à justiça. Afinal, o que Agca tinha, ainda, a perder? Honra esse terrorista nunca teve. Da liberdade, já está privado há quase cinco anos, desde o atentado que cometeu em 13 de maio de 1981, na Praça de São Pedro, no Vaticano. Seu futuro está maios do que definido, com a condenação à prisão perpétua. Sem mais nada a arriscar, Agca deve ter raciocinado: “Quem sabe dá para faturar algum dinheirinho, inventando uma história tipo espionagem, dessas vendidas às toneladas para jornais sensacionalistas vendidos em bancas de estações de ônibus e de trens no mundo todo”.

Não queremos, com isso, afirmar que os países acusados, União Soviética e Bulgária, sejam primores de santidade, ou de respeito aos direitos humanos. Não são! Mas daí a dizer que dois Estados, com a tradição e a responsabilidade que ainda têm, sejam, mesmo que remotamente, inspiradores de uma ação tão estúpida, despropositada e sem sentido é uma leviandade sem tamanho. É levar longe demais os ódios e preconceitos que caracterizam esta insanidade, que é a tal da guerra fria. É uma coisa tão louca como centralizar todo um processo judicial em depoimentos de um notório desequilibrado mental, como Mehmet Ali Agca. Tenhqam a santa paciência!!!!


(Artigo publicado na editoria Internacional do Correio Popular, em 28 de fevereiro de 1986).

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