O contrário da peça
Pedro J. Bondaczuk
As palavras, quando expressam algum compromisso – explícito ou
tácito, público ou privado (não importa) – perdem o sentido se
não vierem acompanhadas dos respectivos atos. Posso dizer as coisas
mais belas que existam à pessoa à qual jurei amor eterno (em prosa
ou verso), elaborar as mais rebuscadas metáforas, compará-la, quem
sabe, a Beatriz, de Dante Aligheri, mas esse exercício vocabular não
terá qualquer sentido se, no dia a dia, tratá-la como pessoa
vulgar. Se for ríspido ou indiferente aos seus agrados e, o que não
raro ocorre em muitos relacionamentos, agredi-la, se não física,
pelo menos verbalmente.
Claro que esse é apenas um dos milhares de exemplos de que nem
sempre o que se diz e o que se faz se casam e complementam. Na vida
pública, isso é, desgraçadamente, o mais comum. Observem que
nenhum golpe de Estado é classificado como tal por seus autores.
Estes preferem, para dissimular a ilegalidade do seu ato,
classificá-lo de “revolução”. Não importa que silenciem a
imprensa, desrespeitem os direitos humanos, rasguem as Constituições
e abarrotem as prisões de adversários.
Quanta torpeza já não se cometeu em nome da liberdade?! Quanta
vilania não se praticou em nome da democracia?! Quanto atentado às
leis e bons costumes não se fez em nome da defesa da moral?! Quanta
gente boa não morreu em fogueiras em nome da fé?! Palavras,
palavras, palavras. Ou, para posar de sofisticado: “words, words,
words...”, como escreveria William Shakespeare.
Em jornalismo há um princípio que determina que o título de
qualquer matéria não pode nunca contrariar seu teor (alguns
contrariam). O mesmo vale para quem escreve crônicas, contos,
poesias, livros, peças teatrais etc. Todavia, na vida... a todo o
instante essa regra é violada, para desespero dos incautos e dos
crédulos.
Em vésperas de eleições, quem assiste a um comício e ouve os
discursos dos candidatos, se for dos que acreditam em tudo o que
ouvem, podem chegar a crer que ali está o próprio Jesus Cristo, que
retornou à Terra para redimir a humanidade. Prometem, com a cara
mais deslavada do mundo, de tudo, principalmente o que não terão a
mínima condição de cumprir, dada a natureza do cargo que disputam.
Se bobear, são capazes, até, de prometer a revogação da “lei da
gravidade”, se acharem que é o que os ouvintes esperam e que lhe
renderá os votos necessários para se elegerem.
Claro que estou generalizando (mas não exagerando, creiam). Há sim,
também, embora escassos (tão raros de se encontrar como achar uma
agulha em um palheiro), políticos idealistas, sinceros, que tratam
seus eleitores com respeito, respeitando, principalmente, sua
inteligência. Estes, porém, dificilmente se elegem. E quando
conseguem a façanha de se eleger, passam o mandato todo malhando em
ferro frio. E, para seu desespero, ainda acabam classificados pela
imprensa como “improdutivos”.
Como seria bom se “todas” as palavras nobres que são proferidas,
as que simbolizam valores que dão nobreza e grandeza ao homem,
fossem acompanhadas das respectivas ações! Obviamente, não são.
No teatro da vida, a peça que se representa raramente corresponde ao
que anuncia o cartaz.
Os irmãos Jules e Edmond Goncourt, que escreviam seus livros sempre
em parceria, deixaram registrado um desabafo a esse respeito, que
parece sumamente pessimista, mas não é. Trata-se de constatação
que não exige nenhum esforço nosso para ser feita. Afirmaram, em um
de seus ensaios: “Palavras, palavras, só palavras. Têm se
acendido fogueiras em nome da caridade. Tem-se guilhotinado em nome
da fraternidade. No teatro das coisas humanas, o cartaz é quase
sempre o contrário da peça”.
É impossível de determinar qual dos dois, se Jules ou se Edmond,
chegou a esta amarga constatação. Mas não é verdade? As fogueiras
da Inquisição, que consumiram os corpos de Joana D’Arc, João
Huss, Jerônimo, Giordano Bruno e tantos outros ilustres pensadores,
não foram acesas em nome da caridade?
O banho de sangue que ocorreu na França, no período conhecido como
de terror (e põe terror nisso), justo da Revolução Francesa, que
manchou os ideais dos que a promoveram, com milhares de pessoas
talentosas e úteis (e provavelmente inocentes dos delitos que lhes
foram imputados) sendo guilhotinadas – entre as quais o notável
químico Antoine Laurent de Lavoisier – não foi perpetrado em
nome da fraternidade?!
Por isso, leitor amigo, fique atento àquilo que disser e que
implique em algum tipo de compromisso (explícito ou tácito). Faça
com que suas palavras tenham plena correspondência em atos. Se não
tiver condições disso... não fale nada. Afinal, não é somente o
peixe que morre pela boca.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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