Exemplo de participação
Pedro J. Bondaczuk
A cultura
brasileira, que muito deve ao paulistano Mário Raul de Morais
Andrade, reverenciou, com extrema justiça e grande senso de
oportunidade, a sua memória, nos dias 24 e 25 de fevereiro de 1985,
através de uma série de eventos e homenagens, mormente em São
Paulo, pela passagem do 40º aniversário da sua morte. Desde
então, porém, passados
32 anos dessas
celebrações, não me
recordo delas terem se
repetido. Ouso dizer que não se repetiram. Uma pena! Das novas
gerações, por
consequência,
parece-me que poucas pessoas sabem quem foi Mário de Andrade,
sobretudo em São
Paulo, sua cidade
natal. Como as pessoas
esqu7ecem fácil quem não deveria ser esquecido!!!
Homem
lúcido, artista eclético e escritor dos mais talentosos e
criativos, esse ilustre paulistano tinha por princípio a defesa da
constante e direta participação dos intelectuais nos vários
aspectos da vida da comunidade, tantos os políticos, quanto os
econômicos, sociais, comportamentais etc., não se restringindo
apenas à literatura, seu principal campo de interesse (mas jamais o
único).
Mário
de Andrade tinha a firme convicção de que os deveres do escritor
não se restringiam somente a seduzir uma reduzida e privilegiada
elite de leitores e nem a participar de círculos fechados, restritos
a “iniciados”. Entendia (e pregava) que a sua obrigação maior
era com o momento e com a sociedade em que vivia, se empenhando, e
prestando permanente contribuição, para a sua constante evolução
e aperfeiçoamento.
Autor
de obra rica e variada, abrangendo poesia, ficção, ensaio, crônica,
musicologia, folclore, História da Arte e uma vasta correspondência,
o intelectual paulistano, que nas raras vezes em que é lembrado o é
pelas polêmicas em que se envolveu (como, por exemplo, seu suposto
vício em cocaína) acabou sacrificando até a sua imagem pública
(fato que admitia), pela precocidade de determinados lançamentos e
pela defesa de algumas posições corajosas, mas contestáveis na
ocasião. Mas tinha pressa. Achava que era urgente disseminar e
consolidar a cultura, sobretudo a que emana da base, a popular, num
país com tão elevado número de analfabetos, como era o Brasil na
sua época.
Mário
estava ciente de que, publicando certos trabalhos antes do tempo
adequado, e com uma freqüência maior do que a da maioria de seus
contemporâneos, estava dando, a muito do que fazia, cunho meramente
“circunstancial”, pouco refletido, e por isso polêmico (e talvez
efêmero).
E
essa “pressa” em desbravar novos caminhos artísticos e culturais
ameaçava, acima de tudo, comprometer, não somente a qualidade, mas,
sobretudo, a “durabilidade” da sua obra, expondo-o ao risco de
ser tachado (como de fato foi, por muitos dos seus críticos) de
“artificial”.
Mesmo
assim, nunca se omitiu e nem se escondeu na “torre de marfim”
(como tantos de seus ilustres contemporâneos fizeram) de uma
literatura inútil e fantasiosa. Seu objetivo não era o de se impor
como o escritor modernista, criativo, prolífico e original que era,
mas, sobretudo, o de contribuir para a criação de uma autêntica
“cultura brasileira”, original e rica, quer no que se refere à
temática, quer ao estilo da sua exposição.
Participante
da Semana de Arte Moderna de 1922, foi, sem dúvida, o mais
importante, lúcido, culto e ativo dos integrantes desse movimento
histórico, que alterou conceitos e formou as bases do pensamento
nacional contemporâneo, não apenas no campo artístico, mas até
(ou principalmente) no do comportamento.
Diplomado
pelo Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, Mário de
Andrade subsistiu, por muitos anos, com o parco salário de professor
de piano, e posteriormente de servidor público. Seu rendimento era
muito abaixo do que aquele que seria o justo para remunerar um
intelectual do seu porte, refinado e produtivo, que escrevia (e
publicava), com furiosa intensidade, dezenas de livros, sobre os mais
variados temas e disciplinas. Mesmo com tanta atividade, ainda
encontrava tempo para constante, profícua e marcante colaboração
na imprensa paulistana.
Em
1934, assumiu o Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo,
cargo que ocupou até 1937, deixando inestimável contribuição,
notadamente no campo da educação infantil e, mais especificamente,
no do ensino de música, uma de suas maiores paixões. Apenas numa
única ocasião, Mário de Andrade ausentou-se da cidade que tanto
amava.
Foi
no período de 1938 a 1940, quando esteve no Rio de Janeiro. Não
conseguiu, todavia, se ambientar na então capital federal. Não
suportou por muito tempo a ausência dos amigos, dos cenários que
lhe eram familiares e caros e principalmente de São Paulo – onde
estavam suas verdadeiras raízes –, retornando para cá no início
da década de 40, a pretexto de organizar o Serviço de Patrimônio
Histórico.
Neste
período em que o País está tão carente de novas ideias, face à
perversa crise que o assola e que não é apenas política ou
econômica, como se alega, mas é principalmente ética e moral –
ameaçando replicar o obscuro e árduo período de 21 anos de
ditadura militar, caracterizado pela “castração” intelectual de
toda uma geração –, nada mais oportuno e válido do que convocar
a elite da intelectualidade nacional ao debate e à conseqüente
busca de soluções para os principais problemas que angustiam,
revoltam e atormentam nossa sociedade.
E
para essa convocação, nada é mais válido do que a lembrança da
trajetória e da obra deixada por esse notável homem público que,
com o sacrifício de seus legítimos interesses pessoais, mesmo
pagando alto preço pelo pioneirismo, tanto fez (e tanto deu de si),
quer para a formação de nossas bases culturais, quer para a
consolidação de uma cultura genuinamente brasileira, ainda em plena
gestação, mesmo
passados 72 anos do seu falecimento.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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