O nosso dicionário
Pedro J. Bondaczuk
“A vida é o nosso dicionário”, eu disse, um dia desses, a um
jovem amigo, sem revelar, contudo, que essas palavras não eram
minhas, mas do filósofo norte-americano Ralph Waldo Emerson, no seu
livro “Ensaios”, para que ele não pensasse que eu queria me
exibir, mostrando certa erudição (que, modéstia a parte, até que
tenho). Minha intenção, asseguro, não era essa.
Meu intento não era o de impressionar o jovem admirador e nem
deixá-lo constrangido. A citação veio a propósito da necessidade
de recorrermos, com assiduidade, ao dicionário, para expandirmos
nosso acervo de palavras e, sobretudo, para entendermos cada uma
delas, utilizando-as no devido contexto e não sair por aí dizendo
coisas que não compreendemos, apenas para exibir conhecimento que de
fato não tenhamos.
O filósofo estava mais do que certo em sua afirmação. Aprendemos
palavras (sem sequer nos darmos conta) de forma natural, através da
vivência, das circunstâncias que surgem à nossa frente, dos
relacionamentos de vários tipos (quer afetivos, quer profissionais,
sociais etc.).
Essa é a melhor forma (depois da leitura de bons livros, claro) de
adquirirmos vasto e rico vocabulário: correto, pertinente e adequado
para qualquer situação. Ou seja, vivendo e, por conseqüência,
adquirindo esse bem valioso, mas que muitos não sabem como utilizar,
que é a experiência.
Emerson, além de dotado de peculiar capacidade de raciocínio (foi
um gênio na sua especialidade), era um sujeito muito observador. Seu
objeto de estudo foi o homem, com sua grandeza, fraquezas e
fragilidades. Aprendeu a maior parte do que sabia não da leitura
(embora fosse compulsivo leitor), mas da vivência. A vida foi a sua
grande escola (e é a de todos nós, embora muitos teimem em não
aprender as lições que ela tem a nos ensinar).
A propósito do tema referente a vocabulário, escreveu, num dos
memoráveis textos do livro que citei: “Os anos foram bem gastos
quando os demos aos trabalhos do campo, ou ao comércio, às
manufaturas, às relações sinceras com grande número de homens e
mulheres (...) isto com o único fim de aprender em todas suas
realidades uma linguagem capaz de ilustrar e de encarnar as nossas
percepções. A pobreza ou a riqueza do discurso de quem fala
ensina-me imediatamente em que medida ele já viveu”.
Muitos levam vidas sombrias, tediosas, vazias e amargas, por medo de
se expor. Evitam os relacionamentos, temendo se ferir. Omitem-se das
grandes causas, deixando, invariavelmente, aos outros as tarefas que
lhes compete executar. Mergulham de cabeça numa tediosa rotina,
encaram o trabalho como castigo, quando não maldição, e marcam
passo em empreguinhos medíocres, muito aquém do seu potencial, que
não desenvolvem por carecerem de vontade.
Estes, passam a vida a se lamentar. Imaginam doenças, para chamar a
atenção dos outros, mediante o humilhante sentimento da piedade que
procuram, mesmo que inconscientemente, despertar. E de tanto
imaginarem moléstias, acabam, de fato, adoecendo e se constituindo
em pesos mortos para a família e para a sociedade.
Há muitas e muitas e muitas pessoas com essas características.
Percebemo-las tão logo abrem a boca, pela pobreza do seu
vocabulário. Ou então, pela utilização de palavras fora do devido
contexto, o que indica que as leram em algum texto qualquer, mas
passaram longe de entender o significado.
Estudos indicam que cerca de 65% das doenças que abarrotam
hospitais e consultórios médicos são de fundo psicossomático. Ou
seja – fugindo dos eufemismos e trocando em miúdos – são
“imaginárias”. Estivessem, essas pessoas, empenhadas em
atividades úteis e produtivas, não teriam tempo para essas
elucubrações negativas.
Boa parte dos medicamentos que os médicos receitam para esses
pacientes são placebos. Ou seja, são constituídos de substâncias
neutras, que nem beneficiam e nem prejudicam o organismo. E faz
sentido. Afinal, a origem dos seus males não está no corpo, mas em
suas cabeças desorientadas. Estas, portanto, é que têm que ser
tratadas.
Para sabermos muitas coisas, de fato, mas em profundidade e não
apenas de forma superficial, temos que vivê-las. Não importa que o
nosso trabalho seja considerado “menor”, desde que seja útil.
Quem pode afirmar, por exemplo, que a função do lixeiro não é
nobre? Deixe uma cidade sem ele para ver o que acontece!
Portanto, meu jovem amigo, siga os conselhos de Emerson, que sabia o
que dizia. “Gaste” bem os seus anos, de forma proveitosa e
coerente, para não se arrepender quando eles estiverem próximos de
se esgotar. E faça da vida, desta mestra infalível e justa, o seu
mais erudito e mais completo dicionário.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment