Sunday, September 17, 2017

Como governar com um Legislativo de oposição

Pedro J. Bondaczuk

O presidente francês, o socialista François Mitterrand, parece estar bem consciente da iminência de uma fragorosa derrota do seu partido nas eleições para a renovação da Assembleia Nacional, que vão acontecer no dia 16 de março próximo. Tanto é que já está se precavendo para a possibilidade concreta de ter que encerrar seu mandato presidencial contando com minoria no Legislativo. Como prevenir é sempre melhor que remediar, nomeou, ontem, seu ministro da Justiça, Robert Badinter, para o importantíssimo Conselho Constitucional. É esse órgão que decide, na França, acerca da constitucionalidade ou não das leis aprovadas pelos parlamentares.

Mitterrand, com isso, quer evitar de ser travado em seus projetos por um Legislativo que, ao que tudo indica, será centrista, com forte tendência conservadora e, portanto, hostil à sua linha de ação. Aliás, toda a sua gestão teve um caráter de pouca criatividade, sobretudo no trato com os Estados Unidos. Nem mesmo o seu antecessor, Giscard D’Estaing, acusado durante a campanha eleitoral de 1981 de exercer uma política subserviente em relação a Washington, foi tão dócil, nesse aspecto, quanto o presidente socialista. À exceção de algumas declarações um pouco mais apimentadas, sempre às vésperas dos encontros dos membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, OCDE, integrada pelos sete países mais industrializados do mundo ocidental (com a inclusão do Japão), que nunca tiveram qualquer consequência prática, no mais ele se alinhou, em todos os assuntos importantes com a linha de ação do presidente norte-americano Ronald Reagan.

No plano econômico, empreendeu algumas estatizações desastrosas, não conseguiu acabar com o desemprego no país (uma de suas maiores promessas de palanque) e rompeu, ruidosamente, no ano passado, com os outrora aliados comunistas, cujo prestígio, é oportuno ressaltar, jamais esteve tão por baixo quanto agora. Enfim, conforme indicam as pesquisas de opinião, recentemente divulgadas, o governo socialista francês frustrou profundamente o eleitorado. É previsível, pois, que esse desagrado se reflita diretamente nas eleições de 16 de março próximo.

Outro fato que causou grande mal-estar na França foi o escândalo envolvendo o afundamento do barco “Rainbow Warrior”, pertencente ao grupo pacifista “Greenpeace”, ocorrido em 10 de julho passado na Nova Zelândia. A constatação de que o ato terrorista foi cometido por dois agentes secretos franceses, com o conhecimento pleno (e falou-se até de conivência) do ex-ministro de Defesa, Charles Hernu, foi muito mal recebido pela população. Principalmente quando se conhece a firme posição da sociedade francesa a respeito do terrorismo. É inconcebível que aquilo que se condena nos outros seja válido para nós. Com o escândalo, o governo perdeu outro tanto de sua credibilidade, principalmente ao condenar atitudes semelhantes de Tripoli, Teerã ou Damasco.

É evidente que nem tudo o que o governo socialista fez foi negativo. Houve consideráveis avanços em vários setores. Resta saber se eles serão suficientes para impedir uma consagradora vitória da oposição nas urnas. Aparentemente, a julgar pelas pesquisas de opinião, não. E Mitterrand parece ter se conscientizado disso. Pelo menos é essa a impressão que dá a extemporânea reforma que acaba de fazer em seu gabinete, nomeando um colaborador de tamanha confiança num cargo sumamente estratégico. O presidente demonstra que é (não se pode negar) hábil jogador do “xadrez político”, fazendo uma jogada de mestre para evitar melancólico xeque mate ao seu governo, no curto prazo que resta para completar seu mandato.

(Artigo publicado na editoria Internacional do Correio Popular, em 20 de fevereiro de 1986).



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