Como
governar com um Legislativo de oposição
Pedro
J. Bondaczuk
O
presidente francês, o socialista François Mitterrand, parece estar
bem consciente da iminência de uma fragorosa derrota do seu partido
nas eleições para a renovação da Assembleia Nacional, que vão
acontecer no dia 16 de março próximo. Tanto é que já está se
precavendo para a possibilidade concreta de ter que encerrar seu
mandato presidencial contando com minoria no Legislativo. Como
prevenir é sempre melhor que remediar, nomeou, ontem, seu ministro
da Justiça, Robert Badinter, para o importantíssimo Conselho
Constitucional. É esse órgão que decide, na França, acerca da
constitucionalidade ou não das leis aprovadas pelos parlamentares.
Mitterrand,
com isso, quer evitar de ser travado em seus projetos por um
Legislativo que, ao que tudo indica, será centrista, com forte
tendência conservadora e, portanto, hostil à sua linha de ação.
Aliás, toda a sua gestão teve um caráter de pouca criatividade,
sobretudo no trato com os Estados Unidos. Nem mesmo o seu antecessor,
Giscard D’Estaing, acusado durante a campanha eleitoral de 1981 de
exercer uma política subserviente em relação a Washington, foi tão
dócil, nesse aspecto, quanto o presidente socialista. À exceção
de algumas declarações um pouco mais apimentadas, sempre às
vésperas dos encontros dos membros da Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico, OCDE, integrada pelos
sete países mais industrializados do mundo ocidental (com a inclusão
do Japão), que nunca tiveram qualquer consequência prática, no
mais ele se alinhou, em todos os assuntos importantes com a linha de
ação do presidente norte-americano Ronald Reagan.
No
plano econômico, empreendeu algumas estatizações desastrosas, não
conseguiu acabar com o desemprego no país (uma de suas maiores
promessas de palanque) e rompeu, ruidosamente, no ano passado, com os
outrora aliados comunistas, cujo prestígio, é oportuno ressaltar,
jamais esteve tão por baixo quanto agora. Enfim, conforme indicam as
pesquisas de opinião, recentemente divulgadas, o governo socialista
francês frustrou profundamente o eleitorado. É previsível, pois,
que esse desagrado se reflita diretamente nas eleições de 16 de
março próximo.
Outro
fato que causou grande mal-estar na França foi o escândalo
envolvendo o afundamento do barco “Rainbow Warrior”, pertencente
ao grupo pacifista “Greenpeace”, ocorrido em 10 de julho passado
na Nova Zelândia. A
constatação de que o ato terrorista foi cometido por dois agentes
secretos franceses, com o conhecimento pleno (e falou-se até de
conivência) do ex-ministro de Defesa, Charles Hernu, foi muito mal
recebido pela população. Principalmente quando se conhece a firme
posição da sociedade francesa a respeito do terrorismo. É
inconcebível que aquilo que se condena nos outros seja válido para
nós. Com o escândalo, o governo perdeu outro tanto de sua
credibilidade, principalmente ao condenar atitudes semelhantes de
Tripoli, Teerã ou Damasco.
É
evidente que nem tudo o que o governo socialista fez foi negativo.
Houve consideráveis avanços em vários setores. Resta saber se eles
serão suficientes para impedir uma consagradora vitória da oposição
nas urnas.
Aparentemente, a julgar pelas pesquisas de opinião, não. E
Mitterrand parece ter se conscientizado disso. Pelo menos é essa a
impressão que dá a extemporânea reforma que acaba de fazer em seu
gabinete, nomeando um colaborador de tamanha confiança num cargo
sumamente estratégico. O presidente demonstra que é (não se pode
negar) hábil jogador do “xadrez político”, fazendo uma jogada
de mestre para evitar melancólico xeque mate ao seu governo, no
curto prazo que resta para completar seu mandato.
(Artigo
publicado na editoria Internacional do Correio Popular, em 20 de
fevereiro de 1986).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment