Minha
eventual biografia
Pedro
J. Bondaczuk
A biografia
de uma pessoa deve ser escrita (claro, se ela fizer por merecer tal
registro) não necessariamente após sua morte, mas quando ela der
por concluída a obra a que se propôs a realizar ao longo da vida.
Enquanto se mantiver ativa, e produtiva, é prudente que se espere um
pouco para biografá-la. Afinal, ela pode, nesse período, realizar
algo de extraordinário, que fuja por completo ao comum e
convencional. E se a biografia já estiver escrita, deixará, por
conseqüência, de captar sua maior realização.
Em
novembro de 1992, encerrei meu discurso de posse na Academia
Campinense de Letras – onde fiz história, ao me tornar, na
oportunidade, o acadêmico mais jovem a ser alçado à condição de
“imortal”, nessa casa de notáveis – com uma declaração do
ator, escritor, compositor e homem de cultura Mário Lago, que disse,
em uma entrevista: “Sou homem do meu tempo. A minha biografia está
em aberto”.
Passadas
mais de duas décadas, ela permanece nessa condição. Tenho o
privilégio de continuar sonhando, agindo, trabalhando e produzindo,
em busca do “santo graal”, ou seja, da minha obra-prima, daquela
que pode perpetuar meu nome geração após geração. Posso já
tê-la produzido, sem que sequer haja me dado conta. Posso, em
contrapartida, também jamais produzi-la, o que tornaria vãos todos
os meus esforços e ilusões.
Dia
desses, veio-me à cabeça uma fantasia insólita, até mesmo meio
maluca. A de que, os ilustres colunistas do Literário, essa revista
eletrônica diária de Literatura que edito pudessem, vir a escrever
minha biografia. Não o fariam de forma coletiva, claro. Cada um
escreveria a sua, com seu estilo peculiar e sua forma de me encarar
enquanto escritor. Megalomania minha, claro. Porquanto, não seria
“uma biografia”. Seriam dezesseis!!!
Esclareço
que este texto foi originalmente escrito em 2009. Para se tornar
razoavelmente atual, requeria algumas alterações. Sempre que posso,
evito de escrever crônicas “datadas”. Tento, sempre que
possível, optar pelo conceitual e não pelo factual, exatamente para
que o texto se mantenha atual vinte, trinta, cinquenta, cem anos ou
mais após ser redigido. Nem sempre isso é possível. Quando é o
caso, ou seja, quando me solicitam a publicação de crônicas que
sejam “datadas”, faço as devidas adaptações e, assim, elas se
tornam atuais. Foi o que aconteceu com este texto que, apenas trago à
sua apreciação para atender a pedidos de alguns leitores (e a
solicitação destes encaro, sem pestanejar, como ordens). Caso o
reproduzisse exatamente como foi originalmente concebido, estaria
muito, muitíssimo distante do espírito que o norteou. Daí ter
feito as adaptações.
Na
crônica, posto que adaptada, menciono diversos colunistas que, por
razões que só eles poderiam explicar, deixaram de ser colaboradores
do Literário. Uma pena! Dois deles – Seu Pedro e Marco Albertim –
infelizmente já faleceram, mas jamais serão esquecidos, tanto por
este redator, quanto por muitos e muitos leitores. Deixei de
mencionar parte considerável dos atuais colunistas, por não ter
imaginado na ocasião o que eles escreveriam a meu respeito (caso,
claro, escrevessem algo). Feitos os esclarecimentos, vamos ao texto
(adaptado) da tal crônica.
Fiquei
imaginando quais seriam as linhas mestras que cada colunista do
Literário seguiria em seu livro, biografando este esforçado, posto
que obscuro escritor menor. Aliene Coutinho, por exemplo, exsudando
ternura e sensibilidade por todos os poros, provavelmente atentaria
para a minha condição de poeta. Concentraria sua atenção no meu
livro (ineditíssimo!!!!), “O poeta de alma azul”, reconstituindo
as circunstâncias e as emoções que inspiraram cada um dos poemas
que ele contém.
E
o André Falavigna, qual o caminho que escolheria? Sem papas na
língua (ou sem frescuras em seus textos), optaria por trazer à
baila minhas inúmeras trapalhadas vida afora, que na época em que
foram perpetradas (na escola, na faculdade, nas várias redações em
que trabalhei) me causaram embaraço, aflição e constrangimento,
mas que hoje me provocam, apenas, incontroláveis ataques de
gargalhada. Seria um barato essa biografia!
Já
na do Daniel Santos, caberiam muito mais episódios e circunstâncias
da minha vida do que no livro a meu respeito de qualquer outro, dado
seu notável poder de síntese e sua invejável capacidade de
observação. Sairia um texto enxuto, preciso, objetivo e sumamente
atraente. Muito mais do que as aventuras, fracassos e parcos sucessos
que o biografado viveu. Seria um livro generoso e sincero, como,
aliás, é esse escritor.
A
Celamar Maione seguiria qual linha? Provavelmente, se concentraria em
meus amores, tanto nos (raros) bem-sucedidos quanto nos (inúmeros)
fracassados. Mostraria, pelo menos, minha vida como ela de fato foi,
sem fantasias e sem “dourar a pílula”. Teria, pois,
credibilidade e talvez viesse (muito provavelmente viria mesmo) a se
constituir em best-seller. Gostaria muito de ler um livro assim a meu
respeito.
Já
o Eduardo Murta se concentraria no insólito que sempre me
acompanhou. Retrataria minha profunda admiração face à vida, às
coisas mais simples e comezinhas do cotidiano, sem esconder, no
entanto, em seu texto elegante e nobre, indisfarçável compreensão
e profunda solidariedade por minhas fraquezas e fragilidades. Seria
uma biografia que eu leria comovido, mal contendo lágrimas de
emoção. Este escreve bem demais!
O
Eduardo Oliveira Freire sintetizaria, em “pílulas”, sumamente
inteligentes e precisas, episódios marcantes da minha trajetória de
vida em que outros gastariam páginas e mais páginas para narrar.
Seria um texto compacto, condensado, concentrado, mas altamente
atrativo. Levaria, com certeza, os leitores à reflexão.
E
como a Veca, a queridíssima Evelyne Furtado, esquematizaria o seu
livro a meu respeito? Certamente com ternura e compreensão.
Concentraria sua atenção no meu profundo amor pela vida, pelas
pessoas, pela arte e, sobretudo, pela Literatura. Enfatizaria minhas
amizades, minhas leituras, minhas viagens e o meu lado “família”.
Seria, certamente, um texto poético e belo, que também me
despertaria profunda emoção.
Gustavo
do Carmo, por seu turno, voltaria sua atenção para os fatos
dramáticos que protagonizei e para a maneira surpreendente com que
saí das inúmeras enrascadas em que me vi envolvido. Destacaria
minha capacidade já nem digo de perdoar os que eventualmente me
ofenderam, mas de, simplesmente, esquecer pessoas e fatos negativos,
dado meu incorrigível (e às vezes até irresponsável) otimismo.
Marco
Albertim, porém, faria uma biografia com um profundo respeito
intelectual pela minha obra, a exemplo do que faz, costumeiramente,
com artistas injustiçados e muitas vezes esquecidos, como Zé do
Carmo, Luiz Gomes, e tantos outros, cujas vidas e obras costuma
resgatar, de forma desprendida e generosa, em suas magníficas
crônicas. Trata-se de um humanista que sabe dar valor aos méritos
alheios. Seria, estou seguro, uma biografia terna, amigável,
compreensiva e solidária. Certamente me comoveria também.
E
se fosse o Marcelo Sguassábia meu biógrafo? Ah, se fosse ele, não
faltaria o bom humor, característica que tanto valorizo. Muito menos
faltariam tiradas inteligentes e de bom gosto. Aliás, haveria um
esbanjar de criatividade. Pode até ser que não me identificasse com
o personagem retratado, mas que iria rir à beça das suas
trapalhadas, disso não restam dúvidas.
Seu
Pedro, por uma questão de fidelidade profissional (já nem diria
corporativismo), como bom jornalista que é, pesquisaria
circunstâncias e situações da minha vida que poucas pessoas
conhecem. Iria fundo e, certamente, produziria uma biografia densa,
profunda, detalhada, sobretudo com conteúdo. Centralizaria seu texto
em fatos e não em meras conjeturas e opiniões.
Já
a Sayonara Lino centraria seu livro nas minhas atitudes assertivas.
Destacaria que, mesmo errando em inúmeras ocasiões, errei, sempre,
por excesso de zelo, nunca por falta dele. Mostraria que, mesmo
quando tinha que combater moinhos de vento ou dragões botando fogo
pelas ventas e, sobretudo, quando cercado de repúdio generalizado e
ferrenha e consensual oposição, nunca me omiti. E isso é virtude?
Não sei! Só sei que a omissão é o pior dos pecados que um homem
pode cometer.
A
Risomar Fasanaro, a exemplo de Aliene e de Evelyne, analisaria com
inegável ternura meus erros e contradições, dando sempre um
desconto a cada um deles, pelo fato de, mesmo nos meus maiores e mais
graves equívocos, haver, em meus atos e pensamentos, invariável boa
intenção. Retrataria, com certeza, um Pedro humano, de carne e
osso, que não assustaria ninguém, mas atrairia de imediato a
simpatia geral.
A
biografia do Rodrigo Ramazzini focalizaria o meu lado palrador. Sou
incorrigível “papagaio”. Aprecio uma boa conversa e seja de que
assunto for. Tanto pode ser sobre mulheres (meu tema predileto e
recorrente), quanto de futebol, política, sociologia, filosofia e
vai por aí afora. Quem quiser conversar comigo, não pode ter
pressa. Tem que reservar, no mínimo, cinco horas de papo. O Rodrigo
reproduziria, pois, diálogos sem fim, com sua incrível capacidade
de captar o que, como e quando as pessoas dizem.
O
Talis Andrade, generoso como sempre foi comigo, faria uma biografia
épica. Seria um verdadeiro poema, posto que em prosa, focalizando um
lado que talvez nunca tive, mas que sempre aspirei ter. Seria outro a
centralizar seu livro em minha poesia e em meu eterno comprometimento
com o belo e o bom. Seria uma obra imperdível que conservaria à
minha cabeceira enquanto vivesse.
E
o Urariano Mota, o que escreveria? Faria uma biografia definitiva!
Reuniria todos os ingredientes dos outros biógrafos e acrescentaria
mais, muito mais. Certamente sua linha mestra seria baseada no meu
lado “revolucionário” (diria, “quixotesco”), ou seja, nesse
meu desejo maluco e utópico de mudar o mundo, evidentemente para
melhor.
Buscaria
explicações e justificativas para minhas ações em episódios
perdidos na remota infância, quando me vi forçado a aprender
português “na marra” (eu, que até os seis anos de idade, só
sabia falar russo). Isso ocorreu quando passei dois longos e
terríveis anos internado na Santa Casa de São Paulo, sem poder me
comunicar com ninguém, por não conhecer uma só palavra do idioma
que todos falavam. Só desconfio que essa biografia do Urariano seria
generosa demais comigo, embora, certamente, nenhum leitor viesse a
perceber, dada a verossimilhança do seu texto.
Como
se vê, delirei... me deixei levar pela imaginação... viajei...
Pare de sonhar, Pedrão! Faça, antes, por merecer que alguém
escreva a sua biografia. Produza alguma obra sensível, humana, útil,
que valha a pena ser lida, preservada e difundida. Só assim não lhe
faltarão biógrafos.
Quem
sabe, dessa maneira, você consiga que alguma dessas pessoas que você
tanto estima (mesmo sem, conhecer nenhuma pessoalmente) e que tanto
respeita e admira, venha a biografá-lo! E se fizer tudo direitinho,
se construir algo de excelente, mas de excelente mesmo, que não seja
nada parecido com o que você já fez até hoje, quem sabe, todos os
dezesseis ilustres escritores citados venham a escrever sua
biografia! Seria a glória, claro!!!
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