Decisão
salomônica do eleitorado
Pedro
J. Bondaczuk
Os
eleitores franceses tiveram, nas eleições parlamentares de
anteontem, uma decisão salomônica, em relação ao Partido
Socialista. Cassaram, nas urnas, a maioria absoluta que ele tinha na
Assembleia Nacional, sem, contudo, derrotarem-no de vez.
Individualmente, o PS segue sendo majoritário no Legislativo.
Todavia, a soma das forças conservadoras possibilita que elas formem
um gabinete e indiquem um primeiro-ministro, fato inédito na França
desde o advento da Quinta República, em 1958.
Dessa
maneira, apenas será possível haver harmonia no governo mediante
negociações. Nem o presidente François Mitterrand poderá tomar
qualquer decisão sem a anuência dos partidos centristas e muito
menos estes, através de um primeiro-ministro próprio que ganharam o
direito de indicar, poderão impor, unilateralmente, seus programas,
sem que os socialistas deem seu aval. Essa situação deverá
perdurar pelo menos até 1988, quando das eleições presidenciais.
Os
comunistas, por seu turno, tiveram um desastre completo nas urnas.
Perderam nove cadeiras no Parlamento e mesmo que voltem às pazes com
seus companheiros de esquerda, não terão peso político suficiente
para alterar o novo quadro. O fiel da balança, nestas eleições,
acabou sendo a ultradireitista Frente Nacional, de Jean-Marie Le Pen,
que assim repetiu a surpreendente performance de 1984, quando da
escolha dos representantes franceses no Parlamento Europeu.
E
quais foram as teses defendidas por ela, que impressionaram tanto o
eleitorado a ponto de obter mais de dois milhões de votos? A
primeira foi a da imposição de severas restrições aos
trabalhadores estrangeiros, chegando ao extremo de determinar a
expulsão do país dos que estiverem desempregados. A segunda tese é
a nossa conhecida (e velha) exigência por maior policiamento nas
ruas, para conter a onda de violência e criminalidade que também
assola a França.
À
primeira vista, analisando superficialmente os resultados das
eleições, a extrema-direita emerge como a grande, e óbvia,
vencedora. Afinal, não tinha qualquer representação parlamentar e,
de repente, passa a contar com uma bancada de 33 deputados,
influindo, doravante, na política do país. O segundo ganhador, ao
meu ver, ou menos perdedor (como queiram), foi o Partido Socialista.
É verdade que diminuiu sua influência no Parlamento e agora está
na estranha situação de ser, simultaneamente, situação e
oposição. No primeiro caso, arcando com o ônus (mas também
gozando das benesses) dos erros e acertos do presidente Mitterrand.
No segundo, buscando impedir que os conservadores, através do
primeiro-ministro que estes têm direito de indicar, consigam mais
projeção do que ele. Mas a maioria dos franceses ainda o apoia
isoladamente.
A
Reunião Pelas República e a União para a Democracia Francesa
parece que se deixaram empolgar pelas pesquisas de opinião. Não
perceberam, correndo por fora, a Frente Nacional. E perderam a chance
de obter uma vitória de tais proporções a ponto de tirarem dos
socialistas qualquer espaço para manobra. Se lograssem isso,
poderiam até provocar a antecipação das eleições presidenciais.
Talvez prevendo essa situação, os principais líderes
conservadores, em especial o ex-presidente Valery Giscard D’Estaing
e o prefeito de Paris, Jacques Chirac insistiram na tese da
“coabitação” com o PS durante a campanha. E é exatamente isso
o que deverá acontecer. Ou ambas facções negociam um programa
mínimo comum, satisfazendo às respectivas plataformas, ou a França
ficará, virtualmente, sem nenhum governo, com cada lado procurando
bloquear as ações do outro.
Uma
análise mais profunda do novo quadro político francês poderá ser
feita apenas quando a “poeira” baixar. Ou seja, depois que alguma
das partes mover suas peças, no enorme tabuleiro de xadrez que se
tornou, agora, essa coparticipação de forças heterogêneas no
poder. O eleitorado, com sua decisão, praticamente balizou os
próximos dois anos de governo com aquilo que realmente quer. Ou
seja, a desestatização das empresas, pregada pelos centristas e as
conquistas de caráter social dos seguidores de Mitterrand. Ou isso
vem a ser, doravante, posto em prática, ou a máquina governamental
irá emperrar de vez. Não deixa de ser uma perigosa faca de dois
gumes.
(Artigo
publicado na editoria Internacional do Correio Popular, em 18 de
março de 1986).
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