Thursday, September 21, 2017

Estamos perdendo até a privacidade

Pedro J. Bondaczuk

As maravilhas tecnológicas do mundo contemporâneo, que facilitam tanto a nossa vida (e algumas garantem, até, seu prolongamento), se mal aplicadas, podem acabar se tornando instrumentos de dominação nas mãos de pessoas inescrupulosas. Um dos aspectos em que esta era, de engenhocas eletrônicas, mais agride o cidadão é o referente à sua privacidade. Quando o escritor britânico, de origem indiana, Eric Arthur Blair, escreveu seu livro “1984”, hoje verdadeiro clássico, sob o pseudônimo de George Orwell, o Estado policial que ele descreveu, onipresente, que tudo sabia e tudo controlava, foi interpretado como algo demasiadamente fantasioso para ser levado a sério.

Dizia-se que era imaginativa ficção. Hoje, todavia, com os inúmeros recursos de espionagem (antes usados apenas contra pessoas que ocupavam altos cargos governamentais) sendo voltados contra cidadãos comuns, essa infeliz situação não está muito distante de se concretizar. Bancos de memória de computadores dispõem, na atualidade, de quase tudo o que se possa saber sobre cada um de nós, sob os mais variados pretextos. Nossos tropeços comerciais (como se alguém estivesse a salvo de atrasar alguma conta ou deixá-la de pagar por falta de dinheiro) permanecem gravados ad aeternum, a nos fecharem as portas em transações e a nos causarem embaraços, onde quer que estejamos. Nosso telefone pode estar grampeado, para conferir mera suspeita sobre nossa conduta.

O princípio elementar de Justiça, de que todos são inocentes até que se prove o contrário, foi subvertido. Hoje somos nós, e não quem eventualmente nos acuse, que temos que provar nossa inocência. O postulado passou a ser, na prática: “toda pessoa é suspeita de algum delito a menos que comprove sua inocência”.As revelações feitas por duas revistas norte-americanas, sobre a vigilância que vários órgãos do governo dos EUA exerceram (e exercem) sobre grandes escritores do país, nos últimos 50 anos, reforça nossa impressão de que o Estado onisciente, descrito por Orwell em “1984”, está aí, suprimindo a privacidade dos cidadãos. E justo nessa sociedade, tida e havida como hiperdemocrática, como a terra da irrestrita liberdade.

A salvaguarda do inalienável direito à privacidade ainda é a corajosa imprensa norte-americana. É o sábio artigo da Constituição dos Estados Unidos, que os artífices da independência desse país legaram à posteridade, assegurando o sagrado e absoluto direito à informação, sem qualquer espécie de censura ou de restrição. É nisso, principalmente, que Tio Sam difere do urso soviético. Na URSS, os veículos de comunicação estão todos atrelados a esta entidade abstrata, a esse monstro imaginário de mil olhos e mil ouvidos chamado de “Estado”. Falta independência à sua imprensa para lutar contra qualquer tipo de garantia de privacidade, mesmo que mínima. Se um dia conseguirem calar os jornalistas norte-americanos… Nem é bom pensar no que poderá acontecer…

(Artigo publicado na editoria Internacional do Correio Popular em 1 de outubro de 1987).


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