Estamos
perdendo até a privacidade
Pedro
J. Bondaczuk
As maravilhas tecnológicas do
mundo contemporâneo, que facilitam tanto a nossa vida (e algumas
garantem, até, seu prolongamento), se mal aplicadas, podem acabar se
tornando instrumentos de dominação nas mãos de pessoas
inescrupulosas. Um dos aspectos em que esta era, de engenhocas
eletrônicas, mais agride o cidadão é o referente à sua
privacidade. Quando o escritor britânico, de origem indiana, Eric
Arthur Blair, escreveu seu livro “1984”, hoje verdadeiro
clássico, sob o pseudônimo de George Orwell, o Estado policial que
ele descreveu, onipresente, que tudo sabia e tudo controlava, foi
interpretado como algo demasiadamente fantasioso para ser levado a
sério.
Dizia-se que era imaginativa
ficção. Hoje, todavia, com os inúmeros recursos de espionagem
(antes usados apenas contra pessoas que ocupavam altos cargos
governamentais) sendo voltados contra cidadãos comuns, essa infeliz
situação não está muito distante de se concretizar. Bancos de
memória de computadores dispõem, na atualidade, de quase tudo o que
se possa saber sobre cada um de nós, sob os mais variados pretextos.
Nossos tropeços comerciais (como se alguém estivesse a salvo de
atrasar alguma conta ou deixá-la de pagar por falta de dinheiro)
permanecem gravados ad aeternum, a nos fecharem as portas em
transações e a nos causarem embaraços, onde quer que estejamos.
Nosso telefone pode estar grampeado, para conferir mera suspeita
sobre nossa conduta.
O princípio elementar de
Justiça, de que todos são inocentes até que se prove o contrário,
foi subvertido. Hoje somos nós, e não quem eventualmente nos acuse,
que temos que provar nossa inocência. O postulado passou a ser, na
prática: “toda pessoa é suspeita de algum delito a menos que
comprove sua inocência”.As revelações feitas por duas revistas
norte-americanas, sobre a vigilância que vários órgãos do governo
dos EUA exerceram (e exercem) sobre grandes escritores do país, nos
últimos 50 anos, reforça nossa impressão de que o Estado
onisciente, descrito por Orwell em “1984”, está aí, suprimindo
a privacidade dos cidadãos. E justo nessa sociedade, tida e havida
como hiperdemocrática, como a terra da irrestrita liberdade.
A salvaguarda do inalienável
direito à privacidade ainda é a corajosa imprensa norte-americana.
É o sábio artigo da Constituição dos Estados Unidos, que os
artífices da independência desse país legaram à posteridade,
assegurando o sagrado e absoluto direito à informação, sem
qualquer espécie de censura ou de restrição. É nisso,
principalmente, que Tio Sam difere do urso soviético. Na URSS, os
veículos de comunicação estão todos atrelados a esta entidade
abstrata, a esse monstro imaginário de mil olhos e mil ouvidos
chamado de “Estado”. Falta independência à sua imprensa para
lutar contra qualquer tipo de garantia de privacidade, mesmo que
mínima. Se um dia conseguirem calar os jornalistas norte-americanos…
Nem é bom pensar no que poderá acontecer…
(Artigo publicado na editoria
Internacional do Correio Popular em 1 de outubro de 1987).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment