Necessidade e ideal
Pedro J. Bondaczuk
As necessidades são as
grandes propulsoras da ação. São o fator essencial que nos faz
reunir todas nossas forças e capacidades para suprir, da melhor
maneira possível, o que precisamos para uma vida confortável,
racional e civilizada. Movem-nos, sobretudo, quando são prementes,
imediatas e indispensáveis até à sobrevivência. Quando estamos
doentes, por exemplo, não podemos perder tempo em “planejar” o
tratamento. Temos que sair, de imediato, à procura de ajuda e de
remédio, sob o risco de ter a saúde comprometida irremediavelmente
e, em casos extremos, de sobrevir a morte. O mesmo vale em relação
à fome, à sede etc.
Um ideal, qualquer que seja,
é, sim, indispensável para dar direção e, principalmente,
motivação, à nossa vida, mas no longo prazo. No curto, temos que
satisfazer, antes de qualquer outra coisa, nossas necessidades
básicas. E, se tivermos capacidade e preparo para isso, as dos que
nos cercam.
Querer realizar alguma coisa
que não seja necessária a ninguém é perda de esforço e de tempo.
E há tanta coisa de que o mundo necessita, tanta tarefa a ser
executada, sem que haja o devido executor, tanto desafio a ser
encarado e vencido!
Por que não sermos nós a
fazer o que tem que ser feito? O que impede que nos tornemos
pioneiros para desbravar determinados campos de atividade e preparar
terreno para que outros deem continuidade ao que iniciarmos?
A necessidade, já escrevi
certa feita e reitero o que afirmei, é a verdadeira mola propulsora
do progresso. Foi por causa dela que o homem aprendeu a produzir o
fogo, feito que se constituiu num avanço miraculoso, quer para a sua
segurança (ao manter as feras que o ameaçavam distantes da caverna
que habitava), quer para a própria saúde, ao aprender a cozer os
alimentos e torná-los, dessa forma, mais digestivos, o que teve
enorme impacto positivo sobre sua sanidade e longevidade.
Foi ela que levou nossos
ancestrais a desenvolverem a agricultura, o que lhes possibilitou
estocar comida para períodos de escassez e os fixou, por
conseqüência, em determinadas áreas, deixando de ser nômades.
Foi, ainda, a necessidade que fez com que aprendessem a construir
moradias saudáveis, confortáveis e seguras. Foi ela, também, que
lançou as bases da medicina, praticada, de início, de maneira
empírica, mediante sucessivas tentativas, corrigindo, de uma para
outra, os erros cometidos nas anteriores.
Por isso, queiram ou não, ela
é o grande estimulante dos ideais. E como estes tendem a estimular
ações, os três fatores se casam para se tornar os reais
fundamentos da civilização. Nossos
sonhos, dos menores e mais triviais, aos grandiosos e que mais
valorizamos, morrem, como as ondas do mar, que se desmancham nas
areias das praias. Principalmente, se nos limitarmos, apenas, a
sonhar.
Isso não é motivo, porém,
para que não os tenhamos. O que não podemos é nos frustrar por não
conseguir concretizá-los. Devemos ser, de fato, como as ondas do
mar. Se é verdade que morrem na praia e se desmancham na areia,
tornam a se reagrupar e vão e vêm, vão e vêm e vão e vêm, num
moto-perpétuo, enquanto a Terra existir.
Não deve ser motivo de
frustração o fato das asas da alma serem tão curtas e frágeis e
não conseguirem alcançar as estrelas. Amanhã, esses sóis tão
distantes ainda estarão lá, luzindo no firmamento, e depois de
amanhã, e depois, e depois, por anos, décadas, séculos e milênios
sem fim.
Os sonhos são como as águas.
Se estas forem estagnadas, “morrem”, ficam poluídas e deixam,
portanto, de ser saudáveis. Todavia, se forem correntes, se puderem
se renovar continuamente, se compuserem ribeirões, riachos, cascatas
e grandes rios, estarão sempre eliminando impurezas e, por
conseqüência, sendo salubres e vitais. E se forem motivados por
necessidades, certamente sairemos em busca da sua concretização,
tenhamos ou não competência para isso. Se não a tivermos, daremos
um jeito. Não teremos escolha.
Ou, quem sabe, nos
esforçaremos para aprender o que for necessário. Ou, o que é mais
comum, recorreremos a terceiros, que sejam devidamente habilitados a
satisfazer nossas necessidades, arcando, óbvio, com os devidos ônus,
ou seja, pagando o preço pelos préstimos recebidos. É assim que as
coisas funcionam.
Um dos versos do poema
“Palavras ao mar”, de Vicente de Carvalho, ilustra a caráter
essa renovação (das águas e dos sonhos). É o que diz:
“Sei que a ventura existe,
sonho-a; sonhando a vejo,
luminosa,
como dentro da noite
amortalhado
vês longe o claro bando das
estrelas;
em vão tento alcançá-la e
as curtas asas
da alma entreabrindo, subo por
instante.
Ó mar! A minha vida é como
as praias,
e os sonhos morrem como as
ondas voltam!”.
Morrem, mas podem renascer,
sem dúvida, mais vigorosos e belos e em maior quantidade. Mas essa é
uma outra história... que fica para uma outra vez...
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