Friday, September 08, 2017


Necessidade e ideal

Pedro J. Bondaczuk

As necessidades são as grandes propulsoras da ação. São o fator essencial que nos faz reunir todas nossas forças e capacidades para suprir, da melhor maneira possível, o que precisamos para uma vida confortável, racional e civilizada. Movem-nos, sobretudo, quando são prementes, imediatas e indispensáveis até à sobrevivência. Quando estamos doentes, por exemplo, não podemos perder tempo em “planejar” o tratamento. Temos que sair, de imediato, à procura de ajuda e de remédio, sob o risco de ter a saúde comprometida irremediavelmente e, em casos extremos, de sobrevir a morte. O mesmo vale em relação à fome, à sede etc.

Um ideal, qualquer que seja, é, sim, indispensável para dar direção e, principalmente, motivação, à nossa vida, mas no longo prazo. No curto, temos que satisfazer, antes de qualquer outra coisa, nossas necessidades básicas. E, se tivermos capacidade e preparo para isso, as dos que nos cercam.

Querer realizar alguma coisa que não seja necessária a ninguém é perda de esforço e de tempo. E há tanta coisa de que o mundo necessita, tanta tarefa a ser executada, sem que haja o devido executor, tanto desafio a ser encarado e vencido!

Por que não sermos nós a fazer o que tem que ser feito? O que impede que nos tornemos pioneiros para desbravar determinados campos de atividade e preparar terreno para que outros deem continuidade ao que iniciarmos?

A necessidade, já escrevi certa feita e reitero o que afirmei, é a verdadeira mola propulsora do progresso. Foi por causa dela que o homem aprendeu a produzir o fogo, feito que se constituiu num avanço miraculoso, quer para a sua segurança (ao manter as feras que o ameaçavam distantes da caverna que habitava), quer para a própria saúde, ao aprender a cozer os alimentos e torná-los, dessa forma, mais digestivos, o que teve enorme impacto positivo sobre sua sanidade e longevidade.

Foi ela que levou nossos ancestrais a desenvolverem a agricultura, o que lhes possibilitou estocar comida para períodos de escassez e os fixou, por conseqüência, em determinadas áreas, deixando de ser nômades. Foi, ainda, a necessidade que fez com que aprendessem a construir moradias saudáveis, confortáveis e seguras. Foi ela, também, que lançou as bases da medicina, praticada, de início, de maneira empírica, mediante sucessivas tentativas, corrigindo, de uma para outra, os erros cometidos nas anteriores.

Por isso, queiram ou não, ela é o grande estimulante dos ideais. E como estes tendem a estimular ações, os três fatores se casam para se tornar os reais fundamentos da civilização. Nossos sonhos, dos menores e mais triviais, aos grandiosos e que mais valorizamos, morrem, como as ondas do mar, que se desmancham nas areias das praias. Principalmente, se nos limitarmos, apenas, a sonhar.

Isso não é motivo, porém, para que não os tenhamos. O que não podemos é nos frustrar por não conseguir concretizá-los. Devemos ser, de fato, como as ondas do mar. Se é verdade que morrem na praia e se desmancham na areia, tornam a se reagrupar e vão e vêm, vão e vêm e vão e vêm, num moto-perpétuo, enquanto a Terra existir.

Não deve ser motivo de frustração o fato das asas da alma serem tão curtas e frágeis e não conseguirem alcançar as estrelas. Amanhã, esses sóis tão distantes ainda estarão lá, luzindo no firmamento, e depois de amanhã, e depois, e depois, por anos, décadas, séculos e milênios sem fim.

Os sonhos são como as águas. Se estas forem estagnadas, “morrem”, ficam poluídas e deixam, portanto, de ser saudáveis. Todavia, se forem correntes, se puderem se renovar continuamente, se compuserem ribeirões, riachos, cascatas e grandes rios, estarão sempre eliminando impurezas e, por conseqüência, sendo salubres e vitais. E se forem motivados por necessidades, certamente sairemos em busca da sua concretização, tenhamos ou não competência para isso. Se não a tivermos, daremos um jeito. Não teremos escolha.

Ou, quem sabe, nos esforçaremos para aprender o que for necessário. Ou, o que é mais comum, recorreremos a terceiros, que sejam devidamente habilitados a satisfazer nossas necessidades, arcando, óbvio, com os devidos ônus, ou seja, pagando o preço pelos préstimos recebidos. É assim que as coisas funcionam.

Um dos versos do poema “Palavras ao mar”, de Vicente de Carvalho, ilustra a caráter essa renovação (das águas e dos sonhos). É o que diz:

“Sei que a ventura existe,
sonho-a; sonhando a vejo, luminosa,
como dentro da noite amortalhado
vês longe o claro bando das estrelas;
em vão tento alcançá-la e as curtas asas
da alma entreabrindo, subo por instante.
Ó mar! A minha vida é como as praias,
e os sonhos morrem como as ondas voltam!”.


Morrem, mas podem renascer, sem dúvida, mais vigorosos e belos e em maior quantidade. Mas essa é uma outra história... que fica para uma outra vez...


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