Inundação de esperança
Pedro J. Bondaczuk
A esperança é fidelíssima
companheira que nunca nos abandona, nem nos piores momentos e
circunstâncias. Impede que venhamos a dar qualquer batalha por
perdida – quer seja no amor, no esforço pela sobrevivência ou no
empenho por um mundo melhor e mais justo – retemperando nossas
forças, reacendendo o brilho e o fogo nos olhos e na alma e nos
exortando a prosseguir.
Esperamos neste mundo e em
outro que, mesmo que não exista no terreno concreto, passa a existir
em nosso coração e mente. Abrimos mão de muita coisa, ao longo da
vida, premidos pelas circunstâncias, mas jamais nos separamos dessa
companheira dileta e leal, que independe de qualquer lógica ou
razão, chamada esperança. E fazemos bem em agir dessa maneira.
Há pessoas, porém, tão
desencantadas face aos sofrimentos que têm, aos tropeços que
experimentam, aos fracassos que vivenciam e às decepções que
colecionam, que asseguram não ter mais nenhuma esperança na vida.
Estão erradas, claro. No fundo, bem no âmago de seus corações,
escondidinhas, estas ainda se fazem presentes. Não há quem não as
acalente, mesmo que secretamente, ou de maneira inconsciente.
Até mesmo os moribundos, que
vislumbram o espectro da morte ao seu redor, esperam uma miraculosa
reação do seu organismo e a recuperação. Sempre que uma esperança
morre, face à dureza da realidade (e isso é bastante comum e até
corriqueiro), outra nasce de imediato, silenciosa e até
despercebida, porém mais forte e vigorosa.
Gustave Flaubert afirmou, pela
boca de um dos seus personagens, que “a recordação é a esperança
do avesso. Olha-se para o fundo do poço como se olhou para o alto da
torre”. E o romancista francês está coberto de razão. Quando
temos esperança, olhamos para o alto, na certeza de que, aquilo que
tanto queremos, vai, de fato, acontecer, sendo apenas questão de
tempo. Às vezes, nunca acontece. Ainda assim, a sensação que nos
fica é das mais doces e promissoras.
Quando recordamos, porém,
pensamos em algo que já passou, que aconteceu, que foi bom enquanto
durou, mas que se acabou, sem chance de retorno. Considero, pois, a
recordação muito mais frustrante e amarga do que a esperança.
Mesmo que seja agradável, traz, em si, implícito, um sentimento de
perda, de algo irrecuperável. A esperança, por seu turno, por mais
louca que seja, nos abstrai da realidade, principalmente quando esta
é amarga e dura, e sempre nos serve de bem-vindo consolo.
Não raro nos desesperamos por
pouca coisa, e achamos que, para nós, nada mais faz sentido. Raros
são os que sabem lidar bem com pontuais fracassos e eventuais
frustrações. Nada como um dia depois do outro! O que conta, mesmo,
é a vida que, apesar dos percalços e dos sofrimentos físicos e
morais que eventualmente nos imponha, sempre vale a pena. Basta que
atentemos para o seu real sentido e sua sublime transcendência.
Concordo com o que diz Érico
Veríssimo, através de um dos seus personagens, no romance “Olhai
os lírios do campo”: “Olha as estrelas. Sempre há esperança na
vida”. Num universo tão imenso – de uma grandiosidade que a
nossa mente até é incapaz de abarcar e entender – e embora não
passemos, nele, de infinitésima partícula, temos o privilégio de
existir. E de ter noção dessa existência. Por pior que seja a
nossa situação, a solução para nossos males pode estar próxima,
no segundo seguinte..
Cultivar esperanças,
portanto, é um hábito saudável. Mas requer algumas cautelas, sem
as quais corremos o risco de descambar para frustrações, amarguras,
desilusões e profunda infelicidade. Por exemplo, devemos esperar o
que seja possível, realizável, factível e alcançável e sem impor
prazos para que isso aconteça.
Mas não podemos e nem devemos
nos limitar apenas a esperar. Precisamos agir, com prudência e
perseverança, no sentido de conseguirmos o que tanto desejamos, já
que nada cai prontinho do céu em nosso colo. E, sobretudo, é
conveniente que nos previnamos da possibilidade de que o que tanto
esperamos não se concretize nunca, para que não nos frustremos.
Nesse caso, nada impede que
substituamos uma esperança por outra, adotando, em relação a ela,
as mesmas cautelas e cuidados que adotamos em relação à que não
se realizou. Fernando Pessoa exorta e adverte a respeito: “Alague
seu coração de esperanças, mas não deixe que ele se afogue
nelas”.
O ser humano, obra-prima da
criação, não foi feito, apenas, para viver um cotidiano tedioso e
banal, em um mundo repleto de violência, misérias e injustiças.
Todavia, para que alcance a grandeza que lhe foi destinada, para que
conquiste a nobreza da qual possui pleno potencial, tem que mudar.
Precisa evoluir, e muito, mental, espiritual e comportamentalmente.
Tem que dominar seus instintos. Deve exercitar, em toda a sua
plenitude, com constância e de forma incansável, a capacidade de
amar. Precisa cultivar valores, como a bondade, solidariedade,
justiça e fé e exercitá-los no dia a dia, transmitindo-os às
novas gerações.
O poeta Mauro Sampaio diz isso
de forma sábia e bela, nestes versos do seu poema “Esperança”:
“Um dia/os montes se
abaterão aos nossos pés
e levantaremos do chão as
estrelas caídas!”.
Compete ao ser humano
identificar, valorizar e viver a plena felicidade, que existe,
latente, dentro de si. E nunca, em circunstância alguma, guardando
as cautelas que realcei acima, abrir mão da esperança. Nunca abra
mão da sua, querido leitor!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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