Vida cercada de mistérios
As
circunstâncias da morte do ex-número dois do regime nazista, sucessor virtual
de Adolf Hitler durante a Segunda Guerra Mundial, Rudolf Hess, ocorrida há uma
semana, vêm despertando dúvidas e controvérsias, como, ademais, sempre
aconteceu com tudo o que se referisse a essa figura um tanto quanto misteriosa.
Tendo
nascido no Egito, esse político alemão foi criado na Alemanha, aderiu ao
Partido Nazista e galgou os mais altos postos da organização, abaixo, somente,
do próprio fuherer. Todavia, no segundo ano do conflito, na Europa,
repentinamente, apareceu na Escócia, numa época em que a chamada “blitzkrieg”
germânica estava em pleno apogeu (parecendo que iria levar de roldão a Europa
inteira), com uma história, no mínimo, inverossímil.
Hess
alegou que estava em território britânico com o objetivo de fazer uma tentadora
proposta aos aliados: a da rendição alemã, caso a Grã-Bretanha o ajudasse a
depor Adolf Hitler e se tornar o líder do país. As dúvidas a respeito dessa
estranha figura não se restringem, como se vê, apenas à sua morte que,
convenhamos, não deixa de apresentar aspectos muito estranhos. Diria:
estranhíssimos.
Não
se entende, por exemplo, como um ancião de 93 anos poderia ter se enforcado,
usando, apenas, as próprias mãos e um fio elétrico e sem a ajuda de ninguém.
Isto, sem pendurar-se em nenhum travessão. Outro ponto obscuro é o fato do
guarda, encarregado da sua estrita vigilância, dia e noite, em todos os
momentos e circunstâncias, ter se descuidado do seu papel, o que nunca antes
havia acontecido.
Mais
suspeita, ainda, foi a presença de elementos estranhos à prisão de segurança
máxima de Spandau, de operários, que estariam trabalhando em uma reforma. Por
que reformar o presídio, se as autoridades das quatro potências aliadas na
Segunda Guerra Mundial haviam decidido demoli-la, tão logo seu único
prisioneiro, exatamente Rudolf Hess, morresse?
Dúvidas
há, também, por exemplo, sobre a verdadeira identidade do preso. Seria, ele, o
verdadeiro Rudolf Hess, ou alguém que se passava por ele? O escritor britânico,
e médico até certo ponto conceituado, Hugh Thomas, vem afirmando, para quem
queira ouvir, desde 1973, quando visitou esse complexo carcerário de Berlim
Ocidental, que se tratava de um impostor. Não somente disse isso, em inúmeras
entrevistas que deu, como até escreveu um livro a respeito. De onde lhe vinha
tamanha convicção? É caso para se pensar.
Para
complicar ainda mais esse estranho caso, as autoridades da cidadezinha alemã de
Wunsiedel informaram que o prisioneiro de Spandau (fosse ele quem fosse) foi
sepultado, secretamente, no último fim de semana, num local ignorado, sob a
alegação de que isso fora feito para espantar fanáticos neonazistas (ainda há
malucos que não aprenderam nada com a história, intoxicados por ideologias
exóticas, que não entendem e não conseguem digerir5, mas às quais teimam em
aderir).
Criou-se,
por conseguinte, mais um mistério em torno de um dos períodos mais deprimentes
e de triste memória para a humanidade da história contemporânea. É uma nova
lenda, como a que cercou a possível (não sei se provável) fuga de Hitler para o
Paraguai, as circunstâncias que permitiram que Eichmann, Stangl, Mengele e
outros notórios criminosos de guerra escapassem do Tribunal de Nuremberg (e
alguns, inclusive, morressem de velhice) e tantas histórias mais, que o povo
conta, à boca pequena.
(Artigo publicado na página 14, Internacional, do
Correio Popular, em 25 de agosto de 1987).
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