Trilha sonora de uma
revolução
Pedro
J. Bondaczuk
O rock impôs-se,
fixou-se e se consolidou na preferência da juventude dos anos 50 como uma
espécie de “trilha musical” de todo um processo de transformação de costumes,
que havia começado, destaque-se, pouco antes do grande público conhecê-lo e se
apaixonar por ele. Tornou-se símbolo de uma revolução sem armas e nem
barricadas, mas que gerou efeitos. O ritmo trepidante, o som estridente da
guitarra e, sobretudo, a dança frenética a que o novo estilo musical induzia,
refletia bem o espírito de rebeldia, os anseios de renovação geral de toda uma
geração que se via aturdida face às incertezas do futuro e que “amadureceu”, ou
tentava amadurecer, nos complicados anos imediatamente posteriores ao fim da
Segunda Guerra Mundial.
O rock apenas foi uma
parte das tantas mudanças comportamentais, bastante rápidas, boa parte, aliás,
ditadas pelo cinema, que se refletiram na moda, na forma de se apresentar, de
falar, de amar, de se relacionar etc.etc.etc. dos jovens. E exacerbou o
conflito de gerações, que ademais sempre existiu, mas que nessa época atingiu o
auge. Um ano antes da estréia do filme “Blackboard Jungle” – em cuja trilha
musical destacava-se a composição “Rock Around the Clock”, de Bill Halley,
interpretada por ele e por sua banda, “The Comets”, considerada, oficialmente,
por muitos historiadores, como o marco inicial do rock – Hollywood havia
lançado uma produção, dirigida por Elia Kazan, aparentemente comum, como tantas
outras, mas que se tornou uma espécie de ícone desse período. Foi o “Sindicato
dos ladrões” (título com que foi exibido aqui no Brasil).
Esse filme, porém,
exacerbou o espírito de rebeldia já latente no espírito dos chamados “baby
booms”. Tratava-se, frise-se, de um drama policial aparentemente comum, como
tantos e tantos outros similares levados às telas, antes e depois, pelos
estúdios da “capital do cinema”. E por que essa produção específica teve tanta
influência sobre a juventude? O que tinha de tão especial? Bem, não foi
propriamente pelo enredo, uma história até trivial de gangsters disputando
território nos cais de Nova York, que a levou a fazer o sucesso que fez. Foi
por causa do personagem interpretado por Marlon Brando. Tratava-se do protótipo
do jovem rebelde, anseio de muitos adolescentes insatisfeitos com a forma como
eram tratados pelos mais velhos. Subitamente,
os gestos, os trajes, a forma de falar e de se comportar desse
personagem passaram a ser copiados por milhões e milhões de rapazes, não só nos
Estados Unidos, mas em várias partes do mundo (inclusive no Brasil).
Praticamente dois meses
antes da estréia de “Blackboard Jungle”, outro filme viria a mexer mais ainda
com a imaginação, já delirante, da juventude. Refiro-me a “Rebel without a
cause”, dirigido por Nicholas Ray, lançado nos Estados Unidos em 27 de janeiro
de 1955. Essa produção fez ainda maior
furor do que “Sindicato de ladrões”. E, igualmente, por causa de determinado
personagem, interpretado por um ator que, mais do que Marlon Brando, passou a
simbolizar o verdadeiro espírito de rebeldia que pairava no ar. O título
norte-americano (que, traduzido, queria dizer “Rebelde sem causa”), foi muito
mais apropriado do que como essa produção ficou conhecida no Brasil, ou seja,
“Juventude transviada”.
Seu protagonista, James
Dean (cujo nome de batismo era Jim Stark) passou a ser imitado por milhões.
Esse ator era, digamos, rematado “encrenqueiro” (dentro e fora das telas),
fazendo tudo o que os adultos (pais, avós, professores etc.etc.etc.) coibiam,
ou tentavam coibir, para seus filhos, netos, alunos e vai por aí afora, rapazes
que mal haviam entrado na fase de adolescência (sem medir riscos e
conseqüências). Tanto é que, nesse mesmo ano de 1955, em 30 de setembro,
envolveu-se em um acidente automobilístico, em Cholame, na Califórnia, quando
se dirigia, justamente, para uma corrida de automóveis, o que lhe custou a
vida. O filme “Juventude transviada” foi exibido em São Paulo no ano seguinte
do seu lançamento nos EUA, em 1956. Foi um arraso! Não tardou para que fossem
vistos nas ruas, nos colégios etc.etc.etc., enfim, nos pontos de encontro de
rapazes e moças da cidade, garotões com espinhas no rosto imitando trajes,
penteado, gestos, expressões e comportamentos suscitados por James Dean.
A moda “pra frente”
(como se dizia, então) era a de blusões, geralmente vermelhos, amarrados na
cintura, como se fossem aventais. Eram cabelos cheios, bem assentados com farta
brilhantina, com algumas mechas caindo na testa, como os de Elvis Presley ou de
Marlon Brando. Ou cortados à moda escovinha, como os de James Dean. Os gestos
desses atores (e, sobretudo, do cantor que logo seria elevado à condição de
“rei do rock”), suas atitudes e expressões, eram todos copiados à perfeição, ou
então caricaturados, para irritação e desespero dos mais velhos. E tudo tendo
como trilha musical o novo ritmo, com sua frenética dança, cujos discos vendiam
aos milhões. Embora existisse no mercado
grande quantidade de versões, sua venda era relativamente pequena. O
público jovem optava, mesmo, pelos originais norte-americanos.
O comportamento da
juventude brasileira, naquela segunda metade da década de 50 do século XX,
seguia a tendência dos Estados Unidos e se modificava radicalmente, apesar da
ferrenha oposição dos conservadores. Um juiz paulistano chegou, mesmo, a propor
que se proibisse o rock, sobretudo sua dança, “em nome da moral pública e dos
bons costumes”. Os jovens de hoje, ao lerem estas considerações, certamente
acharão que estou exagerando, carregando nas tintas. Podem duvidar, sobretudo,
que a oposição ao novo ritmo e aos novos modismos suscitados por ele, não tenha
sido tão radical como narrei. Mas foi! Aliás, foi até pior. Eu vivi aqueles
momentos. Ninguém me contou. Fui adolescente justamente nessa época.
Para quem duvidar da
veracidade desse meu precário testemunho proponho que consulte os jornais da
época na biblioteca de sua cidade. Os jovens que então aderiam a esse
comportamento (e não eram todos, diga-se de passagem), passaram a ser rotulados
de “playboys”. Mas com conotações nitidamente pejorativas. Na cabeça dos
adolescentes de então, todavia, essa designação era distintiva de rebeldia e
eles a assumiam sem nenhum pudor ou constrangimento. Hoje, esses “rebeldes sem
causa” são cidadãos comportados, com idades na casa dos setenta anos ou mais
(refiro-me, óbvio, aos remanescentes, aos que sobrevivem ao tempo). Todos
(salvo uma ou outra exceção), cumpriram seus respectivos papeis na vida. Têm
netos, quando não bisnetos, que por sua vez consideram tudo isso já um tanto
antiquado. E o rock sofreu inúmeras transformações e dividiu-se em dezenas de
estilos e tendências pelo mundo afora. A moda, o linguajar e tudo o mais se
modificaram bastante com o tempo, como seria de se esperar. Restou, para quem
viveu tão intensamente aquele período, somente a saudade e... uma certa
nostalgia. Mas...
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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