Wednesday, May 13, 2015

Trilha sonora de uma revolução

Pedro J. Bondaczuk

O rock impôs-se, fixou-se e se consolidou na preferência da juventude dos anos 50 como uma espécie de “trilha musical” de todo um processo de transformação de costumes, que havia começado, destaque-se, pouco antes do grande público conhecê-lo e se apaixonar por ele. Tornou-se símbolo de uma revolução sem armas e nem barricadas, mas que gerou efeitos. O ritmo trepidante, o som estridente da guitarra e, sobretudo, a dança frenética a que o novo estilo musical induzia, refletia bem o espírito de rebeldia, os anseios de renovação geral de toda uma geração que se via aturdida face às incertezas do futuro e que “amadureceu”, ou tentava amadurecer, nos complicados anos imediatamente posteriores ao fim da Segunda Guerra Mundial.

O rock apenas foi uma parte das tantas mudanças comportamentais, bastante rápidas, boa parte, aliás, ditadas pelo cinema, que se refletiram na moda, na forma de se apresentar, de falar, de amar, de se relacionar etc.etc.etc. dos jovens. E exacerbou o conflito de gerações, que ademais sempre existiu, mas que nessa época atingiu o auge. Um ano antes da estréia do filme “Blackboard Jungle” – em cuja trilha musical destacava-se a composição “Rock Around the Clock”, de Bill Halley, interpretada por ele e por sua banda, “The Comets”, considerada, oficialmente, por muitos historiadores, como o marco inicial do rock – Hollywood havia lançado uma produção, dirigida por Elia Kazan, aparentemente comum, como tantas outras, mas que se tornou uma espécie de ícone desse período. Foi o “Sindicato dos ladrões” (título com que foi exibido aqui no Brasil).

Esse filme, porém, exacerbou o espírito de rebeldia já latente no espírito dos chamados “baby booms”. Tratava-se, frise-se, de um drama policial aparentemente comum, como tantos e tantos outros similares levados às telas, antes e depois, pelos estúdios da “capital do cinema”. E por que essa produção específica teve tanta influência sobre a juventude? O que tinha de tão especial? Bem, não foi propriamente pelo enredo, uma história até trivial de gangsters disputando território nos cais de Nova York, que a levou a fazer o sucesso que fez. Foi por causa do personagem interpretado por Marlon Brando. Tratava-se do protótipo do jovem rebelde, anseio de muitos adolescentes insatisfeitos com a forma como eram tratados pelos mais velhos. Subitamente,  os gestos, os trajes, a forma de falar e de se comportar desse personagem passaram a ser copiados por milhões e milhões de rapazes, não só nos Estados Unidos, mas em várias partes do mundo (inclusive no Brasil).

Praticamente dois meses antes da estréia de “Blackboard Jungle”, outro filme viria a mexer mais ainda com a imaginação, já delirante, da juventude. Refiro-me a “Rebel without a cause”, dirigido por Nicholas Ray, lançado nos Estados Unidos em 27 de janeiro de 1955.  Essa produção fez ainda maior furor do que “Sindicato de ladrões”. E, igualmente, por causa de determinado personagem, interpretado por um ator que, mais do que Marlon Brando, passou a simbolizar o verdadeiro espírito de rebeldia que pairava no ar. O título norte-americano (que, traduzido, queria dizer “Rebelde sem causa”), foi muito mais apropriado do que como essa produção ficou conhecida no Brasil, ou seja, “Juventude transviada”.

Seu protagonista, James Dean (cujo nome de batismo era Jim Stark) passou a ser imitado por milhões. Esse ator era, digamos, rematado “encrenqueiro” (dentro e fora das telas), fazendo tudo o que os adultos (pais, avós, professores etc.etc.etc.) coibiam, ou tentavam coibir, para seus filhos, netos, alunos e vai por aí afora, rapazes que mal haviam entrado na fase de adolescência (sem medir riscos e conseqüências). Tanto é que, nesse mesmo ano de 1955, em 30 de setembro, envolveu-se em um acidente automobilístico, em Cholame, na Califórnia, quando se dirigia, justamente, para uma corrida de automóveis, o que lhe custou a vida. O filme “Juventude transviada” foi exibido em São Paulo no ano seguinte do seu lançamento nos EUA, em 1956. Foi um arraso! Não tardou para que fossem vistos nas ruas, nos colégios etc.etc.etc., enfim, nos pontos de encontro de rapazes e moças da cidade, garotões com espinhas no rosto imitando trajes, penteado, gestos, expressões e comportamentos suscitados por James Dean.

A moda “pra frente” (como se dizia, então) era a de blusões, geralmente vermelhos, amarrados na cintura, como se fossem aventais. Eram cabelos cheios, bem assentados com farta brilhantina, com algumas mechas caindo na testa, como os de Elvis Presley ou de Marlon Brando. Ou cortados à moda escovinha, como os de James Dean. Os gestos desses atores (e, sobretudo, do cantor que logo seria elevado à condição de “rei do rock”), suas atitudes e expressões, eram todos copiados à perfeição, ou então caricaturados, para irritação e desespero dos mais velhos. E tudo tendo como trilha musical o novo ritmo, com sua frenética dança, cujos discos vendiam aos milhões. Embora existisse no mercado  grande quantidade de versões, sua venda era relativamente pequena. O público jovem optava, mesmo, pelos originais norte-americanos.

O comportamento da juventude brasileira, naquela segunda metade da década de 50 do século XX, seguia a tendência dos Estados Unidos e se modificava radicalmente, apesar da ferrenha oposição dos conservadores. Um juiz paulistano chegou, mesmo, a propor que se proibisse o rock, sobretudo sua dança, “em nome da moral pública e dos bons costumes”. Os jovens de hoje, ao lerem estas considerações, certamente acharão que estou exagerando, carregando nas tintas. Podem duvidar, sobretudo, que a oposição ao novo ritmo e aos novos modismos suscitados por ele, não tenha sido tão radical como narrei. Mas foi! Aliás, foi até pior. Eu vivi aqueles momentos. Ninguém me contou. Fui adolescente justamente nessa época.

Para quem duvidar da veracidade desse meu precário testemunho proponho que consulte os jornais da época na biblioteca de sua cidade. Os jovens que então aderiam a esse comportamento (e não eram todos, diga-se de passagem), passaram a ser rotulados de “playboys”. Mas com conotações nitidamente pejorativas. Na cabeça dos adolescentes de então, todavia, essa designação era distintiva de rebeldia e eles a assumiam sem nenhum pudor ou constrangimento. Hoje, esses “rebeldes sem causa” são cidadãos comportados, com idades na casa dos setenta anos ou mais (refiro-me, óbvio, aos remanescentes, aos que sobrevivem ao tempo). Todos (salvo uma ou outra exceção), cumpriram seus respectivos papeis na vida. Têm netos, quando não bisnetos, que por sua vez consideram tudo isso já um tanto antiquado. E o rock sofreu inúmeras transformações e dividiu-se em dezenas de estilos e tendências pelo mundo afora. A moda, o linguajar e tudo o mais se modificaram bastante com o tempo, como seria de se esperar. Restou, para quem viveu tão intensamente aquele período, somente a saudade e... uma certa nostalgia. Mas...


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