Tuesday, May 12, 2015

"Glasnost" é chave da "perestroika".


Pedro J. Bondaczuk


O presidente soviético, Mikhail Gorbachev, teve como padrinho político o general Yuri Andropov, ex-chefe da polícia política do país, a KGB, e que no pouco tempo em que ocupou o poder --- de 10 de novembro de 1982, após a morte de Leonid Brezhnev, até 10 de fevereiro de 1984, quando morreu --- buscou empreender uma tímida reforma no país. Não na estrutura socialista, nem uma que fosse de caráter político-social. Muito menos na forma centralizada de gestão da economia.

Buscou moralizar a burocracia do partido, apodrecida pela galopante corrupção, punindo os corruptos que pilhava cometendo delitos até mesmo com a pena capital. Pretendia tão pouco e isso já era demais na URSS!

Quando Constantin Chernenko --- que era tido e havido como mero "aparatnykh", uma expressão que poderia ser traduzida livremente como "puxa-saco" por ter esse sentido, de Brezhnev --- passou a governar o país, tal cruzada moralizadora foi deixada de lado. Tudo voltou a ser como sempre havia sido. A cúpula do Partido Comunista, e principalmente os burocratas inexpressivos de segundo e terceiro escalões, continuaram roubando desavergonhadamente o povo, exorbitando da autoridade de que estavam investidos não por capacidade mas pelo seu servilismo e cometendo toda a sorte de bandalheiras. E ai de quem ousasse protestar ou denunciar!

Seu destino, quando não fosse a morte, seria desaparecer num dos inúmeros "gulags" espalhados pelo vasto território soviético, campos de concentração até mais perversos do que os de Hitler na Segunda Guerra Mundial, ou em algum manicômio judiciário, o que era pior, pois os que ali caíam passavam a ser mortos-vivos. Tinham decretada a sua morte social. Afinal, ninguém confia em alguém que tenha sido internado em hospício, mesmo não sabendo a razão desse internamento.

Gorbachev, portanto, assumiu um país aterrorizado, traumatizado e desesperançado. Não possuía a matéria-prima indispensável para promover mudanças. Não tinha sequer um quadro exato das dimensões da catástrofe nacional. Daí ter convocado a população para a tarefa de reconstrução partindo literalmente do nada. Estava ciente dos riscos que corria num Estado artificial, composto por mais de 100 etnias diferentes, antagônicas, que nutriam, umas pelas outras, um ódio mortal e secular.

Sabia que ao cabo do processo, ao invés de ter uma superpotência que de fato merecesse este nome, poderia, na verdade, desagregar de vez a União Soviética. No entanto, resolveu, conscientemente, correr o risco.

Estabeleceu, como instrumento de diagnóstico político, econômico e social, um processo muito mencionado e pouco entendido no Ocidente: a "glasnost". O significado literal dessa palavra, geralmente traduzida como "transparência", é mais amplo do que tal limpidez. É "o direito de falar alto, publicamente, para que todos ouçam".

Como conseguir isso, porém, de um povo apavorado por várias décadas de terríveis perseguições, de lavagens cerebrais ideológicas, uma população acostumada a viver da mentira de seus líderes, alçada à categoria de dogmas incontestáveis?

Era preciso que alguém mais corajoso se arriscasse a fazer a primeira grave denúncia de desmandos, publicamente, e esperar os resultados, para só depois, se estes não fossem à prisão, o internamento num manicômio ou o desaparecimento, os demais começarem a falar.

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 23 de março de 1991).


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