Milagre sem chance de
repercussão
Pedro
J. Bondaczuk
“O que a vida quer é
repercussão”. Essa é a constatação de Guilherme de Almeida, no primeiro verso
do magnífico poema “Eco”. Aliás, “adjetivar” positivamente a produção deste que
foi, justamente, eleito (em eleição popular) “Príncipe dos Poetas Brasileiros”,
é até redundante. Não conheço uma única de suas poesias – e olhem que tenho uma
estante inteira da minha caótica biblioteca repleta de livros seus – a que se
possa impor a mais leve restrição, quer nos temas que desenvolve, quer na forma
de abordagem, quer e, sobretudo, na emoção que transmite e que nos contagia de
imediato, sem que ao menos nos apercebamos. Entendo que, pelo que fez, e pelo
que foi, Guilherme de Almeida mereceria maior atenção por parte da crítica, da
mídia e dos leitores. Ou seja, merece contínua “repercussão”.
Parece-me que o poeta
campineiro tinha uma espécie de obsessão por esse fenômeno acústico, por esse
reverbero de sons, que em passado remoto intrigou nossos remotíssimos
ancestrais. Tanto que sua festejada coluna de crônicas no “O Estado de São
Paulo” – que manteve por décadas (tenho, em minha hemeroteca, centenas delas
recortadas, ciosamente, do jornal) – tinha, justamente, o título de “Eco ao
longo dos meus passos”. A vida nos impõe circunstâncias – ora benignas, ora
ruins – que são desafios à nossa engenhosidade e capacidade de reação. Das
complicadas, espera, de nós, que o “eco” seja a saída que possamos encontrar
para os diversos impasses. Já das favoráveis, nos desafia a multiplicá-las, em
várias repercussões, como ocorre com o som, quando emitido em local com vários
obstáculos, ou seja, de acústica apropriada.
Para que o leitor entenda bem o que me proponho a
transmitir, nada é mais apropriado do que reproduzir o belo poema “Eco”, de
Guilherme de Almeida, que diz:
“O
que a vida quer é repercussão.
Há
paredões e cavernas,
há
membranas e bojos,
há
ocos e superfícies,
nos
caminhos divergentes.
O
grito salta da boca,
bate,
volta e coincide.
Perguntas
que fiz,
nomes
que bradei,
segredos
que disse,
versos
e preces
que
minha voz levou ---
tudo
partiu e volveu
menos
a única rima: ‘Eu’”.
Tudo o que emitimos –
gritos, gemidos, sussurros, perguntas, nomes, segredos, versos e preces –
retorna para nós, de uma forma ou de outra, mais cedo ou mais tarde. A única
exceção é a nossa essência, nossa alma, aquilo em que nos transformamos com o
tempo. Ou seja, o nosso “Eu” original, desgastado pelos anos e finalmente
aniquilado pela “niveladora dos homens”: a morte. Nesse aspecto, Manuel
Bandeira foi mais explícito (posto que eu discorde de sua conclusão). Considera
tudo, absolutamente tudo o que nos rodeia e nós próprios como um “grande
milagre”. Até aí tudo bem. Faz a seguinte constatação no poema “Preparação para
a morte”:
“A
vida é um milagre.
Cada
flor,
com
sua forma, sua cor, seu aroma,
cada
flor é um milagre;
cada
pássaro,
com
sua plumagem, seu vôo, seu canto,
cada
pássaro é um milagre.
O
espaço infinito,
o
espaço é um milagre.
O
tempo infinito,
o
tempo é um milagre.
A
memória é um milagre.
A
consciência é um milagre.
Tudo
é milagre.
Tudo,
menos a morte.
---
Bendita a morte, que é o fim de todos os milagres”.
Como observei, discordo
dessa sombria conclusão. Não considero que a morte – mesmo admitindo outro tipo
de vida, incorpóreo e incorruptível, posto que incomprovável, restrito, apenas,
ao terreno da fé – seja qualquer espécie de “bênção”. Para mim, não é! É
maldição! É o fim! É a extinção! É o que não se pode repercutir jamais, como a
vida tanto exige, por se tratar de sua antítese.
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