Wednesday, May 27, 2015

Muita burocracia e pouca eficiência


Pedro J. Bondaczuk


O acidente com o reator número quatro da usina eletronuclear de Chernobyl, na Ucrânia, foi uma oportunidade para que o mundo todo conhecesse aquilo que os cidadãos soviéticos estão cansados de saber, a respeito da incompetência de seus burocratas. Nas principais cidades russas, anedotas sem fim têm circulado nos últimos anos, tanto na imprensa "underground", aquela feita à base de folhas mimeografadas que circulam de mão-em-mão por todo o país, quanto nas conversas reservadas entre amigos.

Aliás, esse "burocrativismo" exacerbado, pesadão e incompetente não é um fenômeno apenas deste regime. Nikolai Gogol, por exemplo, retratou o tipo clássico do burocrata sem cérebro, num de seus deliciosos contos, escrito no século passado, o mesmo ocorrendo com o imortal contista Anton Tchekhov. Embora de maneira cifrada, outros escritores modernos fizeram idênticos relatos. É um mal de todos os sistemas que primam pela centralização, quer se digam democratas ou "ditaduras do proletariado".

O fato do governo soviético não ter divulgado informações a respeito do desastre no dia 26 de abril passado pode nem ser uma atitude de má fé. Afinal, um próprio membro do atual "staff" governamental, o vice-primeiro-ministro Bóris Shcherbina, que também preside uma comissão investigadora incumbida de apurar as causas da catástrofe, admitiu, ontem, que o acidente foi subestimado pelas autoridades.

Com todo o aparato de comunicações que a União Soviética dispõe, os centros de decisão podem ter sido informados com relativo atraso sobre a ocorrência. E é muito provável que as circunstâncias da tragédia e suas conseqüências imediatas tenham sido atenuadas pela pessoa que a informou.

Chegou a ser um tanto patético o que aconteceu na primeira segunda-feira após o acidente, dia 28 de abril passado. Enquanto o ministro de Relações Exteriores da União Soviética negava, através de seus porta-vozes, aos chanceleres da Suécia e da Noruega, que houvesse ocorrido qualquer incidente envolvendo seus reatores nucleares, o próprio Cremlin divulgava nota afirmando que de fato havia um problema com a usina de Chernobyl, na Ucrânia.

Agora, quando já não há forma de esconder o acontecimento, que custará muito caro comercialmente aos russos, as versões continuam sendo as mais contraditórias. Perdidos nas montanhas de memorandos, ordens e contra-ordens, certamente os responsáveis por manter o público soviético "informado" (ou desinformado?) sobre o que ocorre nesse país (que tem a maior extensão territorial do Planeta), devem estar completamente atordoados.

É nisso que geralmente dá o centralismo excessivo. Ele é sumamente castrador, retirando das pessoas a capacidade de tomar decisões, por menores que sejam. É como naquela deliciosa história de Gogol, que narra a visita de um importante comissário de Moscou a uma determinada cidadezinha interiorana.

Os burocratas descritos pelo contista tropeçam uns nos outros para esconder suas mazelas e corrupções e justamente por isso, acabam revelando as verdadeiras dimensões de sua incompetência, de corpo inteiro. Enquanto que, para tomar qualquer providência, o subalterno consulta seu chefe e este faz a mesma coisa com seu superior, que por sua vez age da mesma forma com outro que lhe está acima na hierarquia, numa sucessão interminável, até chegar a quem pode decidir de fato alguma coisa, o tempo corre e nada de efetivo se faz. E esse exemplo parece estar valendo ainda hoje.

No caso de Chernobyl, as conseqüências dessa indecisão só o tempo poderá determinar que dimensões vão atingir. Seria interessante se os soviéticos pusessem na ponta do lápis o quanto custa à sua sociedade manter tanta gente ineficiente e ociosa, que executa mecanicamente suas funções, desconhecendo até para o que elas servem. Talvez esta seja uma das razões (devem haver outras) por que o poderio econômico russo está muitos furos distante da sua capacidade militar.

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 7 de maio de 1986)


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