Muita burocracia e pouca
eficiência
Pedro J. Bondaczuk
O
acidente com o reator número quatro da usina eletronuclear de Chernobyl, na
Ucrânia, foi uma oportunidade para que o mundo todo conhecesse aquilo que os
cidadãos soviéticos estão cansados de saber, a respeito da incompetência de
seus burocratas. Nas principais cidades russas, anedotas sem fim têm circulado
nos últimos anos, tanto na imprensa "underground", aquela feita à
base de folhas mimeografadas que circulam de mão-em-mão por todo o país, quanto
nas conversas reservadas entre amigos.
Aliás,
esse "burocrativismo" exacerbado, pesadão e incompetente não é um
fenômeno apenas deste regime. Nikolai Gogol, por exemplo, retratou o tipo
clássico do burocrata sem cérebro, num de seus deliciosos contos, escrito no
século passado, o mesmo ocorrendo com o imortal contista Anton Tchekhov. Embora
de maneira cifrada, outros escritores modernos fizeram idênticos relatos. É um
mal de todos os sistemas que primam pela centralização, quer se digam democratas
ou "ditaduras do proletariado".
O
fato do governo soviético não ter divulgado informações a respeito do desastre
no dia 26 de abril passado pode nem ser uma atitude de má fé. Afinal, um
próprio membro do atual "staff" governamental, o vice-primeiro-ministro
Bóris Shcherbina, que também preside uma comissão investigadora incumbida de
apurar as causas da catástrofe, admitiu, ontem, que o acidente foi subestimado
pelas autoridades.
Com
todo o aparato de comunicações que a União Soviética dispõe, os centros de
decisão podem ter sido informados com relativo atraso sobre a ocorrência. E é
muito provável que as circunstâncias da tragédia e suas conseqüências imediatas
tenham sido atenuadas pela pessoa que a informou.
Chegou
a ser um tanto patético o que aconteceu na primeira segunda-feira após o
acidente, dia 28 de abril passado. Enquanto o ministro de Relações Exteriores
da União Soviética negava, através de seus porta-vozes, aos chanceleres da
Suécia e da Noruega, que houvesse ocorrido qualquer incidente envolvendo seus
reatores nucleares, o próprio Cremlin divulgava nota afirmando que de fato
havia um problema com a usina de Chernobyl, na Ucrânia.
Agora,
quando já não há forma de esconder o acontecimento, que custará muito caro
comercialmente aos russos, as versões continuam sendo as mais contraditórias.
Perdidos nas montanhas de memorandos, ordens e contra-ordens, certamente os
responsáveis por manter o público soviético "informado" (ou
desinformado?) sobre o que ocorre nesse país (que tem a maior extensão
territorial do Planeta), devem estar completamente atordoados.
É
nisso que geralmente dá o centralismo excessivo. Ele é sumamente castrador,
retirando das pessoas a capacidade de tomar decisões, por menores que sejam. É
como naquela deliciosa história de Gogol, que narra a visita de um importante
comissário de Moscou a uma determinada cidadezinha interiorana.
Os
burocratas descritos pelo contista tropeçam uns nos outros para esconder suas
mazelas e corrupções e justamente por isso, acabam revelando as verdadeiras
dimensões de sua incompetência, de corpo inteiro. Enquanto que, para tomar
qualquer providência, o subalterno consulta seu chefe e este faz a mesma coisa
com seu superior, que por sua vez age da mesma forma com outro que lhe está
acima na hierarquia, numa sucessão interminável, até chegar a quem pode decidir
de fato alguma coisa, o tempo corre e nada de efetivo se faz. E esse exemplo
parece estar valendo ainda hoje.
No
caso de Chernobyl, as conseqüências dessa indecisão só o tempo poderá
determinar que dimensões vão atingir. Seria interessante se os soviéticos
pusessem na ponta do lápis o quanto custa à sua sociedade manter tanta gente
ineficiente e ociosa, que executa mecanicamente suas funções, desconhecendo até
para o que elas servem. Talvez esta seja uma das razões (devem haver outras)
por que o poderio econômico russo está muitos furos distante da sua capacidade
militar.
(Artigo
publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 7 de maio de
1986)
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