Crise militar com raízes profundas
Pedro J.
Bondaczuk
A atual crise militar Argentina, a julgar pelas notícias
procedentes desse país, dando conta de novos casos de rebeldia em Tucumán,
Salta e no Campo de Maio, tem raízes muito mais profundas do que a princípio
foi possível de se perceber. Nota-se que, a rigor, não se trata de uma
contestação ao Poder Civil, embora seus desdobramentos possam vir a afetar as
instituições caso a questão não seja solucionada de forma a se conseguir o
consenso.
Coincidência ou não, a
insubordinação se manifestou numa única das armas, o Exército. E as declarações
feitas no domingo, pelo tenente-coronel Aldo Rico, que se rebelou na Escola de
Infantaria do Campo de Maio, dão uma pista sobre as razões desse seu
descontentamento.
Esse oficial queixou-se que desde
a derrota na Guerra das Malvinas, esse setor das Forças Armadas vem sendo
penalizado, como se fosse o responsável pelo insucesso argentino. Portanto, não
é apenas no julgamento daqueles que violaram os direitos humanos durante a
chamada “guerra suja” do regime anterior que reside o cerne da atual questão.
Esta foi somente a gota de água
que fez com que as insatisfações há tempos contidas transbordassem. O caso é
mais antigo, anterior à redemocratização do país, com a eleição de Raul
Alfonsin. Diz um ditado que “uma casa
dividida não prospera”. E é isso o que vem ocorrendo há algum tempo, pelo que
se pode observar, nas Forças Armadas argentinas.
Observadores militares, locais e
do Exterior, analisando a confrontação com a Grã-Bretanha no Atlântico Sul,
chegaram a uma incômoda conclusão: a de que, no afã de mostrarem seu fervor
pela pátria, as três armas, ao invés de atuarem de forma conjugada e uniforme
naquela ocasião (em 1982), estabeleceram uma espécie de competição entre elas.
A imprensa, por exemplo, destacou
em manchetes os feitos da Aeronáutica, que não foram nada desprezíveis por
sinal, mantendo o inimigo permanentemente na defensiva. A Marinha foi olhada
com simpatia após o afundamento do cruzador “General Belgrano”, numa operação
que até hoje os ingleses procuram, inutilmente, explicar, já que foi
desnecessária.
Mas quanto ao Exército, os
noticiários destacaram apenas episódios negativos. Como a rendição do capitão
Astiz, nas Ilhas Geórgias do Sul, por exemplo. Ou a perda final de Port
Stanley, a capital das Ilhas Malvinas, que estava em seu poder.
É evidente que esta Arma não pode
ser culpada pelo insucesso argentino na guerra. Com o seu arrojo e competência
deve, também, ter colecionado inúmeros feitos heróicos que, no entanto,
acabaram não ganhando destaque, talvez por falta de divulgação. Mas essa
espécie de complexo permaneceu e ganhou corpo.
Os oficiais mais jovens culpam os
mais antigos por esse desprestígio. Por isso, quiseram que o chefe do Exército,
Hector Rios Erenu, fosse substituído.Mas acreditavam que ele viesse a ser
trocado por alguém que não estivesse ligado a nenhum episódio polêmico, e por
isso desgastante, como as Malvinas e a “guerra suja”, da qual eles garantiram
que participaram apenas na condição de cumpridores de ordens e nunca de
mentores.
Por isso, manifestaram a atual
decepção e até revolta com a escolha de José Caridi, de 56 anos, ligado a essa
“velha guarda”. A situação, não há dúvida, é muito delicada. Implica numa
quebra de disciplina e num desrespeito à hierarquia (as duas condições básicas
da carreira militar), por parte dos insubordinados.
O presidente Raul Alfonsin terá
que usar, mais uma vez, muito tato na resolução do problema. Vai ter que dosar
bem a autoridade e a diplomacia. A escolha que fez parece ter desagradado “a
gregos e troianos”.
Além do descontentamento dos
oficiais jovens, há o dos veteranos, passados para trás na lista de promoções e
por isso colocados compulsoriamente na reserva. Se o problema, ao invés de ser
solucionado, for apenas transferido, ou adiado, haverá de deixar seqüelas. E aí
sim não haverá quem consiga proteger as instituições e até mesmo assegurar a
manutenção da unidade nacional.
(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 22
de abril de 1987).
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