Friday, May 15, 2015

Crise militar com raízes profundas



Pedro J. Bondaczuk


A atual crise militar Argentina, a julgar pelas notícias procedentes desse país, dando conta de novos casos de rebeldia em Tucumán, Salta e no Campo de Maio, tem raízes muito mais profundas do que a princípio foi possível de se perceber. Nota-se que, a rigor, não se trata de uma contestação ao Poder Civil, embora seus desdobramentos possam vir a afetar as instituições caso a questão não seja solucionada de forma a se conseguir o consenso.

Coincidência ou não, a insubordinação se manifestou numa única das armas, o Exército. E as declarações feitas no domingo, pelo tenente-coronel Aldo Rico, que se rebelou na Escola de Infantaria do Campo de Maio, dão uma pista sobre as razões desse seu descontentamento.

Esse oficial queixou-se que desde a derrota na Guerra das Malvinas, esse setor das Forças Armadas vem sendo penalizado, como se fosse o responsável pelo insucesso argentino. Portanto, não é apenas no julgamento daqueles que violaram os direitos humanos durante a chamada “guerra suja” do regime anterior que reside o cerne da atual questão.

Esta foi somente a gota de água que fez com que as insatisfações há tempos contidas transbordassem. O caso é mais antigo, anterior à redemocratização do país, com a eleição de Raul Alfonsin. Diz um ditado que “uma  casa dividida não prospera”. E é isso o que vem ocorrendo há algum tempo, pelo que se pode observar, nas Forças Armadas argentinas.

Observadores militares, locais e do Exterior, analisando a confrontação com a Grã-Bretanha no Atlântico Sul, chegaram a uma incômoda conclusão: a de que, no afã de mostrarem seu fervor pela pátria, as três armas, ao invés de atuarem de forma conjugada e uniforme naquela ocasião (em 1982), estabeleceram uma espécie de competição entre elas.

A imprensa, por exemplo, destacou em manchetes os feitos da Aeronáutica, que não foram nada desprezíveis por sinal, mantendo o inimigo permanentemente na defensiva. A Marinha foi olhada com simpatia após o afundamento do cruzador “General Belgrano”, numa operação que até hoje os ingleses procuram, inutilmente, explicar, já que foi desnecessária.

Mas quanto ao Exército, os noticiários destacaram apenas episódios negativos. Como a rendição do capitão Astiz, nas Ilhas Geórgias do Sul, por exemplo. Ou a perda final de Port Stanley, a capital das Ilhas Malvinas, que estava em seu poder.

É evidente que esta Arma não pode ser culpada pelo insucesso argentino na guerra. Com o seu arrojo e competência deve, também, ter colecionado inúmeros feitos heróicos que, no entanto, acabaram não ganhando destaque, talvez por falta de divulgação. Mas essa espécie de complexo permaneceu e ganhou corpo.

Os oficiais mais jovens culpam os mais antigos por esse desprestígio. Por isso, quiseram que o chefe do Exército, Hector Rios Erenu, fosse substituído.Mas acreditavam que ele viesse a ser trocado por alguém que não estivesse ligado a nenhum episódio polêmico, e por isso desgastante, como as Malvinas e a “guerra suja”, da qual eles garantiram que participaram apenas na condição de cumpridores de ordens e nunca de mentores.

Por isso, manifestaram a atual decepção e até revolta com a escolha de José Caridi, de 56 anos, ligado a essa “velha guarda”. A situação, não há dúvida, é muito delicada. Implica numa quebra de disciplina e num desrespeito à hierarquia (as duas condições básicas da carreira militar), por parte dos insubordinados.

O presidente Raul Alfonsin terá que usar, mais uma vez, muito tato na resolução do problema. Vai ter que dosar bem a autoridade e a diplomacia. A escolha que fez parece ter desagradado “a gregos e troianos”.

Além do descontentamento dos oficiais jovens, há o dos veteranos, passados para trás na lista de promoções e por isso colocados compulsoriamente na reserva. Se o problema, ao invés de ser solucionado, for apenas transferido, ou adiado, haverá de deixar seqüelas. E aí sim não haverá quem consiga proteger as instituições e até mesmo assegurar a manutenção da unidade nacional.

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 22 de abril de 1987).


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