Sem racionalizações
Pedro
J. Bondaczuk
O dramaturgo francês do
início do século XVII, Pierre Corneille, sentenciou, através de um de seus
tantos personagens de uma das diversas peças célebres que produziu: "A
razão e o amor são eternos inimigos". Bem, não diria tanto. Não vejo
propriamente “inimizade” entre o racional e o emocional e nem, particularmente,
neste caso. Talvez o correto fosse dizer que há incompatibilidade entre ambos.
O amor não é para ser racionalizado, entendido, explicado ou esquematizado. É
para ser sentido, e em toda sua plenitude, sem análises e sem reservas. Até
porque, é inútil tentar explicar como, quando e por que nasce. E, também, é
tempo perdido buscar as causas, a ocasião e as circunstâncias que lhe causam a
morte (quando morre).
O amor é o sentimento
mais propalado e menos posto em prática pelo homem através dos tempos. A palavra,
por sinal, serve para rotular tanta coisa diferente! Designa tanta emoção
desencontrada! Nomeia tanta ação contraditória! É confundida ora com paixão,
ora com atração sexual, ora com posse etc. Tudo isso está presente nele, e
simultaneamente. Mas ele não se restringe “apenas” a isso. É mais, muito mais.
Ademais, o amor é inexprimível (por mais que os poetas tentem exprimi-lo),
inenarrável (por falta de palavras adequadas em qualquer idioma) e inigualável
em sua transcendência e grandeza. Por isso são raros os que o exercitam ou o
exercitaram em sua plenitude em alguma ocasião.
Há insensatos (que não
são poucos) que, do alto da sua empáfia e arrogância, afirmam (certamente sem
pensar no que dizem) que atribuímos importância excessiva a esse sentimento.
Estão enganados, claro! Não sabem o que dizem. Queiram ou não, ouso dizer que,
amamos menos do que poderíamos e, sobretudo, do que deveríamos. Nada há de mais
importante na vida do que esse magno sentimento. Tanto faz que seja amor por
uma pessoa, por uma causa, pela pátria ou pela humanidade, não importa. Melhor,
claro, será se amarmos todas essas coisas simultaneamente. Amar nunca é e
jamais será demais. Sempre será de menos. Quanto mais amamos, mais e mais
poderíamos amar. Poderíamos...
O fato é que o amor –
essa espontânea e mística identidade de ideais, objetivos e sentimentos, esta
recíproca partilha de corações, corpos e mentes – é muito mais do que mero
artifício da natureza para assegurar a perpetuação da espécie, como os que
tentam racionalizá-lo garantem. Ocorre que ele não é racionalizável. É, isto sim, a maior dádiva já concedida ao
ser humano que tenha a ventura de viver plenamente esta experiência, abaixo,
apenas, do privilégio da vida. Além do que é através de uma das suas
“manifestações”, ou seja, da comunhão física dos amantes, que se dá o milagre
da reprodução (embora esta ocorra com freqüência sem amor). É este
sentimento que confere encantamento,
finalidade e beleza ao milagre da perpetuação da espécie e à existência.
Justifica-a. Aplaca nossa solidão e nos dá transcendência e grandeza.
Aproxima-nos da divindade.
Claro que me refiro ao
amor total, sem limites e sem reservas e não a esse estereotipado, mutilado,
distorcido e unilateral, como é entendido por grande parte das pessoas. Ou seja,
o da mera transação de corpos, almas e interesses, mas sem nenhum
comprometimento profundo, genuíno e “espiritual”. Este tipo de sentimento falso
e ambíguo conduz, somente, à frustração, ao desespero, à decepção, à amargura e
à solidão. O amor a que me refiro é o desprendido, abnegado, altruísta, que
move céus e terras para proteger e beneficiar seus destinatários, sem esperar
agradecimentos, vantagens e sequer reciprocidade. Claro que esta é desejável e,
quando ocorre, nos descortina as delícias do Paraíso. Por esta emoção, sim,
vale a pena viver e, se preciso, vale a pena morrer. Afinal, reitero, o amor é
a fonte da vida e, principalmente, é o que ela nos oferece de melhor e mais
nobre.
Amar, todavia, ao
contrário do que possa parecer, não é tão fácil quanto se apregoa. Para que
esse sentimento se manifeste, se arraigue e se realize, em sua plenitude, temos
que abrir mão do nosso egoísmo e do nosso teimoso e não raro exacerbado
egocentrismo. Apregoá-lo não é difícil. Pelo contrário. Poetas, escritores e
artistas de todas as artes o fazem há milênios em suas obras de arte. Senti-lo,
também não chega a beirar a impossibilidade e não envolve maior complexidade.
Mas “vivê-lo” em sua plenitude é que são elas! O amor, todavia, tem que ser
vivido, e sempre, no superlativo. Quanto mais intenso for, maior devemos fazer
com que se torne. Para ele não há e nem pode haver barreiras, limites e nem
fronteiras.
Os poetas criaram, até,
estranha metáfora para expressar o absolutismo desse maiúsculo sentimento:
morrer de amor. A rigor, convenhamos, ninguém morre dessa causa. E se
morresse... seria morte gloriosa. Morre-se, isto sim, de amor
não-correspondido, o que é outra coisa. Esse é um sofrimento atroz que não
desejo nem para o pior inimigo. Mas quando há correspondência! Ah!, os amantes
conseguem a façanha de transportar o céu para a terra. As pedras e espinhos não
lhes ferem os pés, frio e calor não os incomodam e um vê a vida (como num
mágico prisma) nos olhos do outro. É um delírio! O poeta Mário Quintana expressou,
em magnífico poema, a ventura de amar e de ser amado dessa forma, sem limites e
restrições. Exclamou: “Tão bom morrer de amor e continuar vivendo!” Não conheço
felicidade maior. E nada disso é explicado pela razão, porquanto o amor é para
ser sentido, usufruído, vivido e jamais para ser racionalizado.
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