Raízes negras do rock
Pedro
J. Bondaczuk
A verdadeira origem do
rock – atribuída, oficialmente, ao filme “Blackboard Jungle” e, mais
especificamente, à sua trilha sonora com destaque para a composição “Rock
Around the Clock”, de Bill Halley, interpretada por ele e sua banda, “The
Comets” – é certamente muito anterior a isso. É, na verdade, fruto de um
processo. e não somente musical, mas também cultural e social, que se
desenvolveu ao longo do século XX e que é, até mesmo, anterior a ele. Sua raiz,
de fato, é afro-americana. São os negros e suas manifestações que estão por
trás dessa colcha de retalhos de ritmos. O rock é, queiram ou não, fusão de
vários e vários deles, cada qual contribuindo, muito ou pouco (não importa)
para o produto final.
Minha proposta,
portanto, não é a de apurar, tim-tim-por-tim-tim, sua “verdadeira” história,
com cada detalhe e respectiva prova documental, o que demandaria muito tempo
para pesquisa, para a busca de fontes confiáveis (se é que elas existam) e
sempre restaria algum “furo”. O rock não nasceu pronto. Foi se formando e
transformando ao longo do tempo (transformação esta que ainda não acabou). Em
suma, foi (na verdade é) um “processo”. O rock conquistou, de forma tão rápida
e generalizada, público tão grande, principalmente depois que começou a ser
divulgado massivamente, sobretudo pelo rádio (de certa forma salvou-o de
desaparecer após o advento da televisão) pelo seu caráter interativo. Ao
contrário de outros estilos musicais, ele exige uma troca entre quem o canta e
toca e quem o ouve. Não é para ser, simplesmente, ouvido. Pelo contrário, induz
os expectadores e ouvintes a dançarem, a movimentarem cada parte do corpo, a
darem vazão ao entusiasmo, numa espécie de desabafo, de grito de liberdade.
Pressupõe isso.
É o que se espera do
público durante sua apresentação. Paulo Chacon, no livro “O que é o rock”,
observa: “Por isso, dançar é fundamental. Se não houver reação corpórea quente,
não há rock”. Vocês já viram um show desse ritmo em que a platéia permaneça passiva,
calada, atenta, apenas “ouvindo” a apresentação do cantor e da banda que lhe dá
sustentação rítmica, como ocorre, por exemplo, em concertos de música clássica?
Ora, ora, ora... Onde? Quem? Duvido!!! Isso não combina com o rock. O que se
vê, invariavelmente, é o público participando ativamente, cantando junto,
apupando, gritando, participando e, se houver espaço no local do show,
dançando. Mesmo quando não há, as pessoas acabam dando um jeito. Ou seja, a
platéia interage. Não raro, vai ao delírio. Chega a entrar em transe.
Provavelmente nisso esteja o segredo do seu sucesso.
Como afirmei, esse
estilo musical é uma fusão de vários outros estilos (e comportamentos) que, ao
longo do tempo, foram se fundindo, emprestando seus elementos mais característicos
– muitos dos quais ainda é possível identificar no produto final: ou seja, no
rock. Cite-se, por exemplo, o “Rhythm and blues” (o famoso R&B). E citem-se
outros tantos ritmos de música negra, notadamente dos tão socialmente
discriminados negros do Sul dos Estados Unidos. Com a maciça migração de
artistas afro-americanos para os subúrbios das grandes cidades do Norte, surgiu
um blues, digamos, urbano, que influenciou, decisivamente, o rock. Outra grande
influência foi a da música gospel, de onde proveio, certamente, sua interação.
Afinal, esses hinos religiosos pressupunham (ou pressupõem, pois ainda existem)
acompanhamento com palmas dos fieis e estribilhos cantados por eles.
Não se pode esquecer o
papel do “Jump band Jazz”. Essa vertente incorporou-se ao R & B, que ao fim
e ao cabo, é uma espécie de proto-rock. O editor e produtor editorial Filipe
Laredo, no excelente texto “A origem negra do Rock n’ roll”, destacou o
seguinte fator que tornaria, mais adiante, o novo ritmo tão atrativo: “Deixando
para trás os lamentos de sofrimento e dor dos tempos da depressão tocados pelos
bluesmen rurais, o R&B contemplava principalmente o amor e as experiências
sexuais da vida real. Enquanto o ritmo ia se tornando cada vez mais popular, um
novo público de jovens ouvintes negros ia surgindo, à revelia de grande parte
da população branca, que tinha excesso de pudor e também não aceitava que uma
música negra invadisse seus ouvidos”.
Bem, resumindo tudo, já
que o processo não foi tão simples como possa parecer na leitura dos meus
inábeis comentários (afinal, não sou especialista na matéria, mas mero
curioso), Filipe arremata, assim, seu brilhante texto: “Coube... aos jovens sedentos por mudanças a
mistura sócio-musical tão importante para a origem de um ritmo que vem se fazendo
presente até os dias atuais. Dessa forma, a juventude mostrou toda a sua força
para a sociedade, especialmente a americana, cheia de recalques e preconceitos.
Tanto negros quanto brancos passaram a cantar e dançar juntos e o rock serviu
como instrumento de contestação e revolta, mesmo que de maneira sutil e
despretensiosa”. É certo que acabou cooptado pelo “sistema”. Mas...
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