Pessimismo,
otimismo e alienação
Pedro J. Bondaczuk
O pessimismo, o negativismo e o
derrotismo são atitudes doentias, que nada constroem e que, por isso, são
comportamentos dos quais temos que nos livrar. Todos nós, é verdade, diante de
alguma circunstância particularmente ruim, manifestamos alguma dessas reações,
quando não todas elas, simultaneamente, posto que “ocasionalmente”. Considero
isso normal, mas apenas se essa postura for passageira e não se torne
constante, rotineira, habitual. Há pessoas, todavia, que encaram a vida como
castigo, como forma de expiação de algum suposto “pecado original” que sequer
cometeram e que enxergam tudo e todos, digamos, com uma cor cinza chumbo,
carregada e ruim. É essa atitude que condeno e que considero doentia. Ela é
fruto, normalmente, de experiências ruins das quais o prudente e sábio é
extrair lições a propósito e esquecer. Tais pessoas, no entanto, por razões que
nem elas conseguem explicar, não as esquecem e ficam remoendo, remoendo e
remoendo, por anos e mais anos e, não raro, por toda a existência. Com isso
deixam de usufruir as boas coisas que a vida pode lhes proporcionar.
É verdade que os dramas do
cotidiano que nos envolvem (ou dos quais somos testemunhas), caracterizados
pela violência, corrupção, maldade e dor, tendem a nos assustar e nos
desanimar. Nessas circunstâncias, o pensamento negativo, que em nada contribui
para que venhamos a mudar uma realidade adversa, finda por se impor em nossa
mente. E inibe nossa capacidade de reação, por afetar nossa lucidez. Extingue a
esperança, elimina a fé e nos torna amargos e infelizes, desconfiados de tudo e
de todos. Nem é preciso ressaltar que se trata de atitude doentia e destrutiva.
Há quem consiga superar isso
naturalmente, dadas características inatas.
Mas o pensamento positivo pode, e deve, ser aprendido e cultivado. São esse
aprendizado e esse cultivo que devem ser empreendidos em cada manhã da nossa
vida, que é um privilégio dos céus. Afinal, o pensamento positivo é o único
caminho seguro para o sucesso e a felicidade. O pessimismo (e refiro-me,
insisto, ao contumaz e habitual e não ao momentâneo, ao qual todos estamos
sujeitos, dependendo das circunstâncias)
é inimigo feroz contra o qual é necessário, portanto, lutar sem tréguas.
A maioria dos livros que temos ao nosso dispor, por exemplo, nos apresenta só o
lado obscuro e torpe da natureza humana. Raros, raríssimos, ressaltam o que o
homem tem de melhor: seu raciocínio e imenso potencial de grandeza, por
exemplo.
Nas conversas informais do dia a
dia, o que mais se ouve são críticas aos atos e defeitos alheios, como se os
que criticam fossem seres perfeitos. Não são! Infelizmente, o homem ainda
duvida do homem, desconfia dele, teme-o e o tem como inimigo, em vez de aliado.
É verdade que age assim não sem certa dose de razão. Mas, por que, em vez de só
criticar os defeitos alheios não procuramos identificar e ressaltar suas
virtudes? Todos, em alguma medida, as têm. Por que não encararmos a vida pelo
ângulo positivo, benigno, belo, considerando o mal e suas manifestações (como
violência, mentira, corrupção, cobiça, perfídia e outros desvios de
comportamento) como exceções, jamais como regras?
É muito controversa essa questão
do pessimismo. Ouço, amiúde, por aí, dizerem que o pessimista é o otimista
bem-informado. Discordo. É, isto sim, alguém bastante parcial no julgamento da
vida e dos acontecimentos. Enxerga “apenas” um lado da questão, o negativo, sem
atentar para o outro, o positivo. Além disso, sua visão parcial e amarga é
influenciada pelos hormônios, em detrimento dos neurônios. O pessimismo, como
diz Èmile-Auguste Chartier (que assinava seus textos com o pseudônimo de
Alain), é humor. Já o otimismo, no seu entender, é vontade. Concordo. O
otimista é como é porque quer ser assim. Deseja que as coisas boas lhe
aconteçam e essas, de fato, acabam em algum momento por ocorrer. Vislumbra os
dois lados da vida e dos acontecimentos e opta pelo de maior quantidade,
relevando o de menor. Ademais, o pessimista é uma espécie de ave de mau-agouro,
que envenena a fé, a esperança e a alegria dos que o cercam.
O mais profundo pessimismo
permeia as relações humanas neste início de milênio. Raríssimos são os que
crêem em um mundo melhor, mais justo, equilibrado e humano, sem os enormes
contrastes e aberrações econômicos, sociais e comportamentais da atualidade. As pessoas desconfiam umas das
outras e a hipocrisia predomina nos relacionamentos (sejam profissionais,
afetivos ou de qualquer outra espécie, até no seio das famílias, onde a prepotência, a traição, os abusos sexuais e o
rancor se instalam com freqüência assustadora). Há crescente desamor na
humanidade, o que se transforma em estopim para explosões (individuais e
coletivas) de violência ou pelo menos atua como uma espécie de bomba-relógio, pronta
a explodir a qualquer momento, face o mais banal e inocente incidente. Em suma:
o homem desconfia do homem e odeia seu semelhante. Mas isso é irreversível? É
motivo para generalizações? Justifica-as? Entendo que não.
Por isso insisto que o pessimismo
é uma doença da alma, da qual devemos nos acautelar. Não raro é sintoma de
depressão, se não uma de suas causas. Ronda-nos a todo o instante e, quando
menos esperamos, nos toma em suas traiçoeiras garras. Distorce nossa visão de
mundo, suprime nossa alegria de viver e faz, até, com que enxerguemos terríveis
monstros, onde há, apenas, reles
formigas. Ou seja, amplia o negativo e distorce cruelmente a realidade. Inibe
nossa iniciativa, criatividade e ousadia e, sem que nos apercebamos, nos torna
inúteis e indesejáveis. Afinal, como outras doenças quaisquer, o pessimismo
tende a ser extremamente contagioso. Para evitá-lo, o melhor recurso é o de
recorrermos a pelo menos três poderosas “vacinas”: fé, esperança e, sobretudo,
amor.
Muitos, todavia, confundem otimismo com alienação. Crêem
que podem se encerrar numa redoma de vidro, na qual ficariam imunes aos efeitos
dos horrores e das patifarias que os cercam. Claro que não podem. Essas pessoas
agem como se os fatos negativos que ocorrem ao seu redor não lhes digam
respeito. Dizem. Os formadores de opinião precisam, sobretudo, de equilíbrio,
para refletirem com exatidão a realidade, sem aumentar ou diminuir os episódios
negativos. Como jornalista, a matéria-prima do meu trabalho é o que há de
melhor (raramente) e de pior (na imensa maioria) na natureza humana. O fato de
trazer à baila crimes, a imoralidade, a
corrupção e a devastação do meio ambiente, entre outras coisas ruins, não
implica em me classificar, necessariamente, de pessimista, derrotista ou
catastrofista. Pelo contrário. Se abordo estes problemas é porque creio que
eles têm solução. Afinal, a cura de qualquer doença depende da precisão do
diagnóstico.
Convenhamos, não é justo, e muito
menos inteligente, por exemplo, generalizar a corrupção. Afirmar que todos os
políticos são “farinhas do mesmo saco”, que não há mais salvação para o Brasil,
que cada um deve agir apenas em seu próprio interesse, como se apregoa amiúde,
além de não ser prático, não é construtivo. Temos sempre que dar nome aos bois,
até por questão de justiça. Tal pessimismo que toma conta da sociedade, embora
até explicável, é um veneno que conduz facilmente ao derrotismo. Reflete um
desencanto em relação às instituições, quando a atitude racional seria agir,
mediante pressões, protestos e todos os instrumentos lícitos de exercício da
cidadania, para seu aperfeiçoamento. Em suma, ser otimista não é ser alienado.
Não é fugir da realidade e não “enxergar” o mal, como se não existisse. É ser
criterioso na análise e disposto a contribuir, de alguma forma, para a reversão
do que está errado. Sei que o tema é polêmico e controverso, mas, justamente
por isso, merece madura e construtiva reflexão, em vez de ser liminarmente
ignorado.
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