Wednesday, May 20, 2015

Pessimismo, otimismo e alienação

Pedro J. Bondaczuk

O pessimismo, o negativismo e o derrotismo são atitudes doentias, que nada constroem e que, por isso, são comportamentos dos quais temos que nos livrar. Todos nós, é verdade, diante de alguma circunstância particularmente ruim, manifestamos alguma dessas reações, quando não todas elas, simultaneamente, posto que “ocasionalmente”. Considero isso normal, mas apenas se essa postura for passageira e não se torne constante, rotineira, habitual. Há pessoas, todavia, que encaram a vida como castigo, como forma de expiação de algum suposto “pecado original” que sequer cometeram e que enxergam tudo e todos, digamos, com uma cor cinza chumbo, carregada e ruim. É essa atitude que condeno e que considero doentia. Ela é fruto, normalmente, de experiências ruins das quais o prudente e sábio é extrair lições a propósito e esquecer. Tais pessoas, no entanto, por razões que nem elas conseguem explicar, não as esquecem e ficam remoendo, remoendo e remoendo, por anos e mais anos e, não raro, por toda a existência. Com isso deixam de usufruir as boas coisas que a vida pode lhes proporcionar.

É verdade que os dramas do cotidiano que nos envolvem (ou dos quais somos testemunhas), caracterizados pela violência, corrupção, maldade e dor, tendem a nos assustar e nos desanimar. Nessas circunstâncias, o pensamento negativo, que em nada contribui para que venhamos a mudar uma realidade adversa, finda por se impor em nossa mente. E inibe nossa capacidade de reação, por afetar nossa lucidez. Extingue a esperança, elimina a fé e nos torna amargos e infelizes, desconfiados de tudo e de todos. Nem é preciso ressaltar que se trata de atitude doentia e destrutiva.

Há quem consiga superar isso naturalmente, dadas  características inatas. Mas o pensamento positivo pode, e deve, ser aprendido e cultivado. São esse aprendizado e esse cultivo que devem ser empreendidos em cada manhã da nossa vida, que é um privilégio dos céus. Afinal, o pensamento positivo é o único caminho seguro para o sucesso e a felicidade. O pessimismo (e refiro-me, insisto, ao contumaz e habitual e não ao momentâneo, ao qual todos estamos sujeitos, dependendo das circunstâncias)  é inimigo feroz contra o qual é necessário, portanto, lutar sem tréguas. A maioria dos livros que temos ao nosso dispor, por exemplo, nos apresenta só o lado obscuro e torpe da natureza humana. Raros, raríssimos, ressaltam o que o homem tem de melhor: seu raciocínio e imenso potencial de grandeza, por exemplo. 

Nas conversas informais do dia a dia, o que mais se ouve são críticas aos atos e defeitos alheios, como se os que criticam fossem seres perfeitos. Não são! Infelizmente, o homem ainda duvida do homem, desconfia dele, teme-o e o tem como inimigo, em vez de aliado. É verdade que age assim não sem certa dose de razão. Mas, por que, em vez de só criticar os defeitos alheios não procuramos identificar e ressaltar suas virtudes? Todos, em alguma medida, as têm. Por que não encararmos a vida pelo ângulo positivo, benigno, belo, considerando o mal e suas manifestações (como violência, mentira, corrupção, cobiça, perfídia e outros desvios de comportamento) como exceções, jamais como regras?  

É muito controversa essa questão do pessimismo. Ouço, amiúde, por aí, dizerem que o pessimista é o otimista bem-informado. Discordo. É, isto sim, alguém bastante parcial no julgamento da vida e dos acontecimentos. Enxerga “apenas” um lado da questão, o negativo, sem atentar para o outro, o positivo. Além disso, sua visão parcial e amarga é influenciada pelos hormônios, em detrimento dos neurônios. O pessimismo, como diz Èmile-Auguste Chartier (que assinava seus textos com o pseudônimo de Alain), é humor. Já o otimismo, no seu entender, é vontade. Concordo. O otimista é como é porque quer ser assim. Deseja que as coisas boas lhe aconteçam e essas, de fato, acabam em algum momento por ocorrer. Vislumbra os dois lados da vida e dos acontecimentos e opta pelo de maior quantidade, relevando o de menor. Ademais, o pessimista é uma espécie de ave de mau-agouro, que envenena a fé, a esperança e a alegria dos que o cercam.
 

O mais profundo pessimismo permeia as relações humanas neste início de milênio. Raríssimos são os que crêem em um mundo melhor, mais justo, equilibrado e humano, sem os enormes contrastes e aberrações econômicos, sociais e comportamentais  da atualidade. As pessoas desconfiam umas das outras e a hipocrisia predomina nos relacionamentos (sejam profissionais, afetivos ou de qualquer outra espécie, até no seio das famílias, onde a  prepotência, a traição, os abusos sexuais e o rancor se instalam com freqüência assustadora). Há crescente desamor na humanidade, o que se transforma em estopim para explosões (individuais e coletivas) de violência ou pelo menos atua como uma espécie de bomba-relógio, pronta a explodir a qualquer momento, face o mais banal e inocente incidente. Em suma: o homem desconfia do homem e odeia seu semelhante. Mas isso é irreversível? É motivo para generalizações? Justifica-as? Entendo que não.

Por isso insisto que o pessimismo é uma doença da alma, da qual devemos nos acautelar. Não raro é sintoma de depressão, se não uma de suas causas. Ronda-nos a todo o instante e, quando menos esperamos, nos toma em suas traiçoeiras garras. Distorce nossa visão de mundo, suprime nossa alegria de viver e faz, até, com que enxerguemos terríveis monstros, onde há, apenas,  reles formigas. Ou seja, amplia o negativo e distorce cruelmente a realidade. Inibe nossa iniciativa, criatividade e ousadia e, sem que nos apercebamos, nos torna inúteis e indesejáveis. Afinal, como outras doenças quaisquer, o pessimismo tende a ser extremamente contagioso. Para evitá-lo, o melhor recurso é o de recorrermos a pelo menos três poderosas “vacinas”: fé, esperança e, sobretudo, amor.

Muitos, todavia, confundem otimismo com alienação. Crêem que podem se encerrar numa redoma de vidro, na qual ficariam imunes aos efeitos dos horrores e das patifarias que os cercam. Claro que não podem. Essas pessoas agem como se os fatos negativos que ocorrem ao seu redor não lhes digam respeito. Dizem. Os formadores de opinião precisam, sobretudo, de equilíbrio, para refletirem com exatidão a realidade, sem aumentar ou diminuir os episódios negativos. Como jornalista, a matéria-prima do meu trabalho é o que há de melhor (raramente) e de pior (na imensa maioria) na natureza humana. O fato de trazer à baila  crimes, a imoralidade, a corrupção e a devastação do meio ambiente, entre outras coisas ruins, não implica em me classificar, necessariamente, de pessimista, derrotista ou catastrofista. Pelo contrário. Se abordo estes problemas é porque creio que eles têm solução. Afinal, a cura de qualquer doença depende da precisão do diagnóstico.

Convenhamos, não é justo, e muito menos inteligente, por exemplo, generalizar a corrupção. Afirmar que todos os políticos são “farinhas do mesmo saco”, que não há mais salvação para o Brasil, que cada um deve agir apenas em seu próprio interesse, como se apregoa amiúde, além de não ser prático, não é construtivo. Temos sempre que dar nome aos bois, até por questão de justiça. Tal pessimismo que toma conta da sociedade, embora até explicável, é um veneno que conduz facilmente ao derrotismo. Reflete um desencanto em relação às instituições, quando a atitude racional seria agir, mediante pressões, protestos e todos os instrumentos lícitos de exercício da cidadania, para seu aperfeiçoamento. Em suma, ser otimista não é ser alienado. Não é fugir da realidade e não “enxergar” o mal, como se não existisse. É ser criterioso na análise e disposto a contribuir, de alguma forma, para a reversão do que está errado. Sei que o tema é polêmico e controverso, mas, justamente por isso, merece madura e construtiva reflexão, em vez de ser liminarmente ignorado.


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