Emoção e arte
Pedro
J. Bondaczuk
O polêmico escritor
inglês, Oscar Wilde escreveu, em certa ocasião: “A emoção pela emoção é a
finalidade da arte. A emoção pela ação é a finalidade da vida. É a essa
organização da vida que chamamos de sociedade”. Isso traz à baila uma questão
que divide artistas de todas as artes há muito tempo. Raras obras artísticas,
se é que exista alguma, são compostas “exclusivamente” de sentimentos, ao
contrário do que os leigos supõem. Charles Chaplin afirmou: “A arte é uma
emoção suplementar que é somada a uma técnica hábil”. Ou seja, a emoção está
presente na obra, mas não é sua substância. Pode ser (e geralmente é) seu fator
deflagrador, a centelha que induz à sua produção (isso que muita gente chama de
“inspiração”). Sozinha, todavia, não se sustenta. Requer outros elementos,
outros tantos fatores, e todos objetivos, para se concretizar.
Escrevi, certa ocasião,
em uma de minhas tantas crônicas: “O artista, em especial o poeta, desenvolve
com anos de exercício a aptidão de explorar sutilmente o subconsciente à cata
de emoções que lhe sirvam de matéria-prima para maravilhosas obras de arte.
Sons, imagens, odores, sensações agradáveis ditadas pelos cinco sentidos, são
transformados por esses criadores (que valorizam e dão nobreza à vida humana)
em melodias, telas, esculturas, palavras que formam metáforas bem ajustadas e
harmoniosas. Com o talento de que são dotados, nos transmitem suas emoções, às
quais agregamos as nossas, ditadas por nossa própria experiência pessoal”.
Todavia, não afirmei (e
nem ousaria afirmar) que as emoções sejam “a própria arte”. Não são. São, isso
sim, “matérias-primas” que precisam ser trabalhadas, e com habilidade e
técnica, para que adquiram essa condição. Caso contrário, não haverá obra
alguma. O sentimento, nu e cru, portanto, não é artístico. Artística é a forma
que lhe damos com o uso da razão. O poeta inglês William Wordsworth foi até
mais explícito a respeito. Observou: “A poesia é o transbordamento espontâneo
de sentimentos intensos: tem a sua origem na emoção recordada num estado de
tranqüilidade”.
O Pai da Psicanálise,
Sigmund Freud, recomendava, (como destaquei e reiterei muitas vezes), a quem
quisesse conhecer os mais secretos compartimentos da mente, que consultasse não
psicanalistas, mas os poetas. Por que? Por atribuir-lhes (creio que com razão)
conhecimentos interditos às pessoas comuns, no que se refere a sentimentos.
Poucos estão tão familiarizados com o seu trato como eles. Mas não é prudente,
no caso do escritor (poeta ou não) escrever quando tomado por intensa emoção. O
correto, no meu entender, é agir como Wordsworth recomenda. Ou seja, “recordar”
esse sentimento sobre o qual pretendemos tratar (e transmitir ao nosso leitor)
e trabalhar essa matéria-prima “num estado de tranqüilidade”. Caso contrário,
correremos o risco de ou sermos incoerentes e incompreensíveis, ou resvalarmos
para a perigosa e indesejável pieguice.
Fernando Pessoa era
cético sobre a possibilidade de se produzir uma obra racional, de conteúdo
denso, com sinceridade e verdade, se o artista se deixar levar apenas por seus
sentimentos. Escreveu: “Toda a emoção verdadeira é mentira na inteligência,
pois se não dá nela. Toda a emoção verdadeira tem, portanto, uma expressão
falsa. Exprimir-se é dizer o que se não sente”. Não chegaria a tanto. Mas há
inegável fundo de verdade nisso. Há emoções tão complexas e profundas, que por
maior que seja nossa habilidade, não encontramos palavras que as exprimam
sequer aproximadamente, muito menos com exatidão. Elas não existem. Tanto que
os poetas (mas não só eles) recorrem amiúde a metáforas no afã (em vão) de
descrevê-las.
Não, caro leitor (que
também seja artista de qualquer arte), não me interprete mal, não estou
recomendando que você abra mão das emoções ao produzir suas obras. Não se trata
disso. Nem sei se isso é possível. Até porque, se o fizer, provavelmente estará
inviabilizando a produção artística que tenha em mente. Aconselho-o, isto sim,
a agir com prudência, ponderação e bom senso. Até porque, nem toda emoção é
positiva, construtiva e digna de ser transmitida ao “consumidor” de sua arte. É
preciso exemplo? Lá vai. Lembre-se que o ódio, a inveja e o ciúme, entre tantos
outros sentimentos, também são emoções. E nem forçando a barra pode-se dizer
que sejam inspiradoras de beleza, grandeza e transcendência. Claro que não são.
Emocione-se sempre, sim, mas positivamente. Analise essas emoções. Veja se elas
merecem ser matérias-primas para uma obra de arte. Em caso afirmativo,
transmita-as e suscite-as nas pessoas às quais sua obra seja voltada, sem
receio ou vacilação.
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