Pra
que rimar amor e dor?
Pedro J. Bondaczuk
A dupla de compositores Monsueto
Menezes e Arnaldo Passos compôs, em 1955, uma canção popular de muito sucesso
na época e que encerra preciosa lição de vida. Seu título é “Mora na filosofia”
e a letra diz, em certo trecho:
“Mora, na Filosofia,
Prá que rimar amor e dor?”.
Sim, pra que?! Por que associar
uma das potencialmente maiores fontes de prazer (físico, psicológico e
emocional) ao sofrimento? Considero essa associação não apenas inadequada como
o máximo dos máximos, o suprassumo da insensatez, posto que raros de nós
deixamos de agir assim. Por que? Pela estranha mania de complicar coisas que
são tão simples!
A dor e o prazer, presumo, foram
as primeiras lições de vida aprendidas por nossos mais remotos ancestrais, tão
logo tomaram consciência de si e de onde estavam. Aprenderam a evitar a
primeira dessas sensações físicas desagradáveis, talvez após reiterações, não
repetindo mais, a partir de determinado momento, as ações que as causaram e
buscando repetir o que lhes ensejava sentir o que era prazeroso. Aliás, esse
ainda é, hoje, um aprendizado primitivo, na mais tenra idade. Quando bebês que
mal começamos a engatinhar, nem sempre obedecemos às ordens dos adultos para
não nos expormos a riscos. Para não mexermos em tal coisa – por o dedo numa
tomada, por exemplo – ou não subir num lugar de onde possamos cair e nos ferir.
Todavia, só após levarmos um choque ou irmos parar no chão e batermos a cabeça,
ou outra parte qualquer do corpo, e nos contundirmos, mesmo que
superficialmente, “talvez” aprendamos a evitar tais riscos. Sim, talvez. Nem
todos aprendem. Mas...
Aqui refiro-me, especificamente,
à dor e ao prazer físicos, não aos psicológicos e/ou emocionais, que são muito
mais complexos e não raro mais duradouros.Salvo se tivermos algum desvio mental
ou comportamental (se formos “masoquistas”, por exemplo), detestamos sofrer,
quer esse sofrimento seja de caráter orgânico, quer de outra natureza qualquer.
Todavia, dada nossa fragilidade, ele é inevitável. Alguns sofrem mais (por
razões específicas à sua realidade de vida e às circunstâncias que têm que
enfrentar), e outros menos. Mas todos, algum dia, por alguma razão, sofremos
alguma dor, frustração ou desgosto. É inevitável. Ninguém está livre dessas
aflições.
A dor, todavia, é um mecanismo de
alarme, um aviso do sistema nervoso de que algo em nosso corpo se desarranjou e
não está funcionando adequadamente. Por isso, o sensato e correto é, em vez de
só tratá-la especificamente, detectar e corrigir o que a motivou. Há
medicamentos para atenuá-la, mas se a causa não for eliminada, esse alívio terá
curta duração e ela, certamente, voltará. Os médicos, óbvio, sabem disso de
sobejo e atuam nas duas frentes: na do alívio dessa desagadabilíssima sensação
e na eliminação do que a esteja causando.
Tal como a dor, o prazer tem
graduações. Vai da mais simples e corriqueira sensação agradável, ao ápice, ao
êxtase, que envolve, além do corpo, componentes emocionais e psicológicas. É a
suprema alegria, posto que rara. Não advém, como supõem alguns pseudomísticos
(na verdade masoquistas), da mortificação da carne, do sacrifício, das
privações ou da angústia. Tudo isso apenas causa dor, que é exatamente o oposto
do prazer.
O êxtase não é encontrado no
mundo trágico das drogas, com seus pesadelos lúgubres, embora exista um produto
com este nome que promete irresponsavelmente conduzir seus insensatos usuários
ao "paraíso". Não os conduz. Lança-os, de fato, no “inferno” de onde
dificilmente conseguirão escapar. Dinheiro algum é suficiente para comprar essa
enorme e absoluta felicidade. O êxtase é a culminância de pequenas satisfações,
quase nunca valorizadas, que temos no dia-a-dia e que se somam até se
transformarem em algo grandioso e inesquecível. Uma das maneiras de atingi-lo é
através do amor.
Todavia, há que se ponderar que
há várias formas de amar. E que nenhuma tem maior grandeza e transcendência do
que a que envolve coração, corpo e alma, simultaneamente. Creiam-me, isso é
raro, raríssimo e por uma série de razões (que não cabe, aqui, identificar). O
êxtase advindo dessa forma absoluta de
amor (que pressupõe, implicitamente, plena correspondência) é, no meu modo de
ver, o maior privilégio que possamos ter. O amor platônico é bom, mas produz,
apenas, êxtase psíquico, sem efeito duradouro. O carnal é delicioso, mas
satisfaz só o físico e, via de regra, se extingue após a satisfação do instinto
animal. Mas o amor total, sem reservas ou restrições, ah! esse é um delírio!
Só é possível, porém, de ser
entendido por quem tem (ou teve) a ventura de senti-lo com a devida
correspondência. É o êxtase dos êxtases, mesmo que de curta duração. Ainda
quando acaba, permanece vivo e intenso na lembrança e é inesquecível, por se
tratar do momento mais marcante de um homem e de uma mulher. Edgar Morin nos
lembra um fato óbvio, do qual nem sempre nos damos conta: “O amor (certamente o
que envolve coração, corpo e alma) dá-nos o êxtase psíquico, e dá-nos o êxtase
físico”. É, portanto, completo.
Há, porém, outros tantos tipos de
prazer que, mesmo não sendo tão superlativos, são desejáveis e muito
procurados. O que realmente vale a pena na vida é simples, gratuito e sequer
exige grande esforço. Requer apenas predisposição favorável e sentidos alertas.
Está na natureza, da qual fazemos parte e quase nunca nos damos conta. Existe
para o nosso usufruto. É um bem inesgotável e universal. Nas pequenas coisas é
que reside a satisfação maior. Somos os arquitetos da maioria dos nossos
próprios sustos. Mas também o somos da felicidade, que reside em pequenos
momentos que raramente sabemos identificar e valorizar.
Agimos, em geral, sem pensar em
profundidade em nossos atos e suas conseqüências. Não pensamos de maneira
unitária. Nossas idéias são dispersas, vagas, contraditórias. Temos que
unificá-las... Mesmo que a "marteladas", como sugeriu o poeta inglês
William Butler Yeats. Os verdadeiros prazeres, os que justificam toda uma
existência, são, reitero, simples e gratuitos. Estão ao alcance de qualquer um
que os queira usufruir. No entanto, complicamos tanto a nossa vida! No entanto,
nos afligimos por tão pouco! No entanto, tentamos, na maior parte do nosso
tempo, agarrar sombras! Não agimos assim, é evidente, por masoquismo, por
eventual satisfação em sofrer ou por maldade. Mas, cá para nós: “Prá que rimar
amor e dor?”!!!!
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