Sunday, May 17, 2015

Data sem nada para comemorar



Pedro J. Bondaczuk


A data de ontem passou despercebida na maioria dos círculos políticos, em âmbito internacional. Nenhuma manifestação, nenhuma crítica, nenhuma recriminação foram levantadas pela imprensa que, mergulhada em preocupações mais imediatas, esqueceu um aniversário que jamais deveria ser olvidado.

Não se trata, esclarecemos a priori, de nenhuma data nacional. E nem do dia de nascimento de algum santo ou de algum canalha, os dois extremos geralmente lembrados por todos. Ontem transcorreu o 40º ano do teste bem-sucedido de uma das descobertas mais terríveis já feitas pelo homem.

Em 16 de julho de 1945, às 5 horas, 29 minutos e 45 segundos da manhã, uma bola de fogo gigantesca iluminou os céus de Trinity, localidade desértica do Novo México, erguendo para o espaço um cogumelo de milhares de metros de altura.

Os seres humanos, naquele instante fatídico, acabavam de abrir uma autêntica “Caixa de Pandora”, aquele recipiente que na mitologia antiga guardava, em seu interior, todos os bens e todos os males da Terra. Só que neste caso, havia, somente, estes últimos. Em 16 de julho de 1945 era testada, com sucesso, a primeira bomba atômica.

Passadas apenas quatro décadas, aquele artefato, cuja existência foi cercada de máximo sigilo (afinal, o mundo ainda estava em guerra, com combates sucedendo-se no Japão e em todo o Oceano Pacífico), hoje não serviria mais nem mesmo como estopim das modernas armas nucleares, de potências envolvendo dezenas de megatons de poderio explosivo.

Uma única delas é suficiente para destruir, não mais uma cidade de porte médio, como Hiroshima, ou um pouco menor, como Nagasaki, mas metrópoles imensas, como Moscou, Nova York, Londres, Paris, San Francisco, Leningrado ou Los Angeles.

E o que o mundo ganhou com essa descoberta? Os defensores das bombas (pasmem, mas ainda há quem as defenda), argumentam que elas puseram fim à Segunda Guerra Mundial. Mas se é verdade que extinguiram um conflito, de trágicas conseqüências para a humanidade, deflagraram outros, muito piores e mais perigosos.

Não conseguiram fazer, como na época se propalou, que os países se compenetrassem da inutilidade e da estupidez de recorrerem à violência para solucionar questões passivas de resolução através do diálogo. Enfim, não puseram cobro àquilo que deveriam pôr: às próprias injustiças e contradições.

A partir de então, a humanidade começou a viver um pesadelo, que ainda está mais vivo do que nunca e em franca evolução: o da incerteza quanto a haver um dia de amanhã, diante da possibilidade (não tão remota como querem alguns) de que alguém, num assomo de loucura, em Washington, ou em Moscou, aperte um fatídico botão vermelho e faça voar pelos ares todos nossos sonhos, obras e ambições. De que se venha a arrasar, em questão de minutos, o que a natureza levou milhões de anos para criar. Do risco de extinguir, em um piscar de olhos, a vida no planeta Terra.

Comportamentos mudaram muito desde então. O homem moderno vive num misto de esperança e de angústia. Demonstra pressa (inconsciente) para gozar aquilo que classifica como “delícias da vida”, antes que isso se torne impossível, relegando valores, depurados ao longo de séculos, por sucessivas gerações, para o plano do anacronismo.

Conceitos como solidariedade, amor ao próximo, amizade, cedem, rapidamente, espaço cada vez maior a um frio e estúpido egoísmo. São substituídos pela desesperada busca por prazeres (que no final das contas se revelam extremamente voláteis e enganadores). São trocados por uma insensata fuga da realidade, como se no mundo ilusório, o da alienação e da fantasia (e das drogas, o que é pior), as pessoas estivessem a salvo da destruição. É óbvio que não estão.

O que o homem está conseguindo, com essa forma de agir, é somente uma crescente solidão. É a deflagração da instintiva carga de violência potencial, que traz adormecida dentro de si, de forma incontrolável. É ficar, cada vez mais, refém da angústia e do desespero de se sentir perdido em um labirinto de pavores e de contradições, sem saber de que forma encontrar a providencial saída.

Decididamente, essa não é uma data para se comemorar! Afinal, ela pode significar o princípio do fim de um processo civilizatório, que poderia ser magnífico, acabar com a miséria e com as injustiças e tornar o mundo um local paradisíaco. Todavia, a existência das armas nucleares, com seu potencial de desgraças e de caos, transformou o Planeta no refúgio de 4,5 bilhões de neuróticos, de desorientados e de violentos, à espera, bovinamente, de um final melancólico de fogo, cinzas e aniquilação.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 17 de julho de 1985).


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