Data sem nada para comemorar
Pedro J.
Bondaczuk
A data de ontem passou despercebida na maioria dos
círculos políticos, em âmbito internacional. Nenhuma manifestação, nenhuma
crítica, nenhuma recriminação foram levantadas pela imprensa que, mergulhada em
preocupações mais imediatas, esqueceu um aniversário que jamais deveria ser
olvidado.
Não se trata, esclarecemos a
priori, de nenhuma data nacional. E nem do dia de nascimento de algum santo ou
de algum canalha, os dois extremos geralmente lembrados por todos. Ontem
transcorreu o 40º ano do teste bem-sucedido de uma das descobertas mais
terríveis já feitas pelo homem.
Em 16 de julho de 1945, às 5
horas, 29 minutos e 45 segundos da manhã, uma bola de fogo gigantesca iluminou
os céus de Trinity, localidade desértica do Novo México, erguendo para o espaço
um cogumelo de milhares de metros de altura.
Os seres humanos, naquele
instante fatídico, acabavam de abrir uma autêntica “Caixa de Pandora”, aquele
recipiente que na mitologia antiga guardava, em seu interior, todos os bens e
todos os males da Terra. Só que neste caso, havia, somente, estes últimos. Em
16 de julho de 1945 era testada, com sucesso, a primeira bomba atômica.
Passadas apenas quatro décadas,
aquele artefato, cuja existência foi cercada de máximo sigilo (afinal, o mundo
ainda estava em guerra, com combates sucedendo-se no Japão e em todo o Oceano
Pacífico), hoje não serviria mais nem mesmo como estopim das modernas armas
nucleares, de potências envolvendo dezenas de megatons de poderio explosivo.
Uma única delas é suficiente para
destruir, não mais uma cidade de porte médio, como Hiroshima, ou um pouco
menor, como Nagasaki, mas metrópoles imensas, como Moscou, Nova York, Londres,
Paris, San Francisco, Leningrado ou Los Angeles.
E o que o mundo ganhou com essa
descoberta? Os defensores das bombas (pasmem, mas ainda há quem as defenda),
argumentam que elas puseram fim à Segunda Guerra Mundial. Mas se é verdade que
extinguiram um conflito, de trágicas conseqüências para a humanidade,
deflagraram outros, muito piores e mais perigosos.
Não conseguiram fazer, como na
época se propalou, que os países se compenetrassem da inutilidade e da
estupidez de recorrerem à violência para solucionar questões passivas de
resolução através do diálogo. Enfim, não puseram cobro àquilo que deveriam pôr:
às próprias injustiças e contradições.
A partir de então, a humanidade
começou a viver um pesadelo, que ainda está mais vivo do que nunca e em franca
evolução: o da incerteza quanto a haver um dia de amanhã, diante da possibilidade
(não tão remota como querem alguns) de que alguém, num assomo de loucura, em
Washington, ou em Moscou, aperte um fatídico botão vermelho e faça voar pelos
ares todos nossos sonhos, obras e ambições. De que se venha a arrasar, em
questão de minutos, o que a natureza levou milhões de anos para criar. Do risco
de extinguir, em um piscar de olhos, a vida no planeta Terra.
Comportamentos mudaram muito
desde então. O homem moderno vive num misto de esperança e de angústia.
Demonstra pressa (inconsciente) para gozar aquilo que classifica como “delícias
da vida”, antes que isso se torne impossível, relegando valores, depurados ao
longo de séculos, por sucessivas gerações, para o plano do anacronismo.
Conceitos como solidariedade,
amor ao próximo, amizade, cedem, rapidamente, espaço cada vez maior a um frio e
estúpido egoísmo. São substituídos pela desesperada busca por prazeres (que no
final das contas se revelam extremamente voláteis e enganadores). São trocados
por uma insensata fuga da realidade, como se no mundo ilusório, o da alienação
e da fantasia (e das drogas, o que é pior), as pessoas estivessem a salvo da
destruição. É óbvio que não estão.
O que o homem está conseguindo,
com essa forma de agir, é somente uma crescente solidão. É a deflagração da instintiva
carga de violência potencial, que traz adormecida dentro de si, de forma
incontrolável. É ficar, cada vez mais, refém da angústia e do desespero de se
sentir perdido em um labirinto de pavores e de contradições, sem saber de que
forma encontrar a providencial saída.
Decididamente, essa não é uma
data para se comemorar! Afinal, ela pode significar o princípio do fim de um
processo civilizatório, que poderia ser magnífico, acabar com a miséria e com
as injustiças e tornar o mundo um local paradisíaco. Todavia, a existência das
armas nucleares, com seu potencial de desgraças e de caos, transformou o
Planeta no refúgio de 4,5 bilhões de neuróticos, de desorientados e de
violentos, à espera, bovinamente, de um final melancólico de fogo, cinzas e
aniquilação.
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 17
de julho de 1985).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk .
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