Thursday, May 28, 2015

Insatisfação e rebeldia

Pedro J. Bondaczuk

A insatisfação é a mola propulsora das nossas realizações, desde que, claro, não superestimemos nossa capacidade, mas nos empenhemos para ampliá-la, mais e mais. É esse descontentamento que move, entre outras coisas, a economia, gerando necessidades (reais ou imaginárias), que as pessoas empreendedoras e dinâmicas buscam satisfazer e lucrar com isso. Por não estarmos satisfeitos com determinados comportamentos, nos empenhamos (ou deveríamos nos empenhar) em mudá-los, em busca da perfeição. Desde que não exacerbada – e tudo o que é exagerado tende a ser pernicioso – a insatisfação, portanto, nos mobiliza e induz a criar obras materiais e espirituais e propiciar, dessa forma, o que se define como  “progresso”.

Carecemos, no entanto, nos dias atuais, de certa rebeldia, sobretudo face à corrupção, aos desmandos e à violência que campeiam e se multiplicam, arruinando nossas vidas. Onde foram parar os grandes sonhos da juventude? Onde estão os valores éticos (e estéticos) defendidos, há algum tempo, com garra e destemor por jovens determinados e idealistas? Foram substituídos pelo comodismo? Parece que sim! Foram trocados por cômodas posições individuais, sociais e econômicas, mais instáveis e efêmeras, todavia, do que ousamos supor? É bastante provável! Foram abastardados? Sabe-se lá!!!

O pior de tudo é que aqueles idealistas da década de 60 do século passado não só renegaram seus ideais como sequer os transmitiram aos filhos, numa admissão tácita de que estavam errados (embora errassem, apenas, na estratégia e não nos objetivos).. Daí o cínico desalento de hoje. Daí o individualismo inconseqüente. Daí o materialismo exacerbado. Essa frenética busca por meras miragens, estas sim “caretices” de quem não tem rumo e nem sonhos pelos quais batalhar. Como no início da década de 60, temos, hoje, pessoas rebeldes e até em maior número do que naquela ocasião. Mas sua rebeldia é inócua, posto que sem causa. Não se volta (salvo uma ou outra exceção) à conquista de ideais superlativos.

As pessoas estão insatisfeitas mas sequer conseguem definir o foco de suas insatisfações. Sua rebeldia limita-se a mera tentativa de auto-afirmação, de batalha desordenada, muitas vezes, destrutiva, ou, no mínimo, “catatônica”. Caracteriza-se pelo ceticismo generalizado, mas passivo; pelo imobilismo, pela amargura, pelo isolamento. Insisto: há exceções. Estas, contudo, são cada vez mais raras. Bandeiras, convenhamos, não faltam para serem erguidas e defendidas. Existem em muito maior quantidade do que existiam nos anos 60.

A rebeldia (mesmo a com causa) é atitude geralmente mal-interpretada e volta e meia mal direcionada. Rebelamo-nos, amiúde, contra o que não deveríamos nos rebelar: contra normas de conduta saudáveis e necessárias e contra imposições de disciplina e de ordem sem as quais nada e ninguém prosperam. Todavia, o que realmente envenena os relacionamentos, e torna o mundo perigoso e ruim, passa batido e se avoluma, geração após geração. Esse comportamento é mais comum na adolescência, quando nos julgamos poderosos, invulneráveis, indestrutíveis e imortais, sem que, claro, de fato, sejamos. Na minha época de juventude, o título de uma famosa canção transformou-se em lema, em mantra, em palavra de ordem para a minha geração: “não confie em ninguém com mais de trinta anos”. Sequer é necessária maior análise para concluir sobre a estupidez e falta de sentido desse tipo de rebeldia.

Naquela época, pensávamos, até inconscientemente, que o passar dos anos tornava pessoas acomodadas, dóceis, desossadas e, sobretudo, “caretas”. Ou seja, sem criatividade e nem originalidade. Sequer passava pela nossa cabeça que não seríamos jovens para sempre (achávamos que sim) e que um dia seríamos iguaizinhos aos que então ridicularizávamos e pretendíamos segregar. Hoje, as coisas são diferentes? Nossos filhos e netos aprenderam alguma coisa com nossos erros, que foram imensos? Não! Definitivamente não! Com algumas mudanças, aqui e ali, seguem cometendo as mesmíssimas tolices que nós que, certamente, resultarão em idênticas conseqüências. Não é essa, pois, a rebeldia que defendo e que devemos assumir.

Temos que nos rebelar, sim, e muito, e sempre, mas contra injustiças, violência, corrupção, prepotência, exploração do homem pelo homem e outras tantas mazelas, desnecessárias de serem enumeradas. Mas em sentido prático e construtivo e não apenas limitado a um inconseqüente e monótono bla-bla-blá. Precisamos agir, em vez de discursar. Cabe-nos apresentar alternativas, e vivê-las, em vez de nos limitarmos a deblaterar ou a agredir nossos próprios corpos. Compete-nos, sobretudo, preservar e impedir que sigam destruindo o Planeta, nosso único domicílio cósmico, que pede socorro e agoniza, sem que a maioria se dê conta.   

A maior das rebeldias é a de não aceitar nada menos do que a felicidade, para nós e para os que amamos.  Devemos não apenas sonhar com ela, não só lutar por sua concretização, mas “exigi-la”. E não num futuro distante, que provavelmente sequer conheceremos. Sejamos rebeldes, sim, mas inteligentes! Considero as artes, todas elas, como expressões de insatisfação. Todo artista é, no fundo da alma, um rebelde. “Cria” beleza e transcendência, por não estar satisfeito com a realidade que vive. Falta-lhe, porém, imprimir sentido prático a isso. Precisa tentar transpor o que imagina do mundo ideal, refletido em suas criações, para o mundo real.

O conformismo – pregado, até não faz muito, por determinadas religiões como “virtude” – é o caminho mais curto para a acomodação. Daí para a mediocridade é simples passo. A perseverança é o antídoto contra a conformação. A rebeldia natural dos jovens (posto que caótica e sem objetivo) é, insistentemente, combatida pelos encarregados de sua educação (pais, professores etc.). É um erro. Em vez de sufocada, deveria ser direcionada e, óbvio, em sentido construtivo. E, bem orientada, precisa ser estimulada. Manda o bom senso que se aproveite essa tremenda energia dos jovens para criar, construir e modificar para melhor o que esteja errado e seja danoso e inadequado. Ser rebelde não é, pois, “destruir” a si próprio, recorrendo ao álcool e às drogas e, principalmente, não é atacar os outros, mediante atos de violência (como o terrorismo, por exemplo) que, de uma forma ou de outra, retornarão ao violento. Afinal, como acentua famosa lei da Física, “a toda ação corresponde uma reação, de igual intensidade e direção contrária”. 

Contrariando famoso provérbio, no final das contas, “o hábito faz o monge”. E como faz! Isto, apesar de todos os esforços, notadamente dos jovens, para “desmoralizar” esse tipo de comportamento, que só leva em conta a aparência exterior, aqueles sinais visíveis de riqueza ou de pobreza, facilmente disfarçáveis e escamoteáveis, sem atentar para o que a pessoa de fato é. Por paradoxal que possa parecer, a moda conseguiu transformar, até, a “deselegância” em padrão de “elegância”. Cooptou, dessa maneira, a (inútil e mal direcionada) rebeldia da juventude em relação à aparência (cabelos e barba compridos) e ao traje, de movimentos como os dos “beatniks”,  “hippies” e “punks”. Calças jeans, e ainda por cima puídas, que eram vestes características de pessoas não apenas mal vestidas, mas miseráveis, são ostentadas, hoje em dia, com orgulho, como “sumamente elegantes”, por rapazes e moças de classe média e até de famílias abastadas, sem que quase ninguém mais repare e nem estranhe. Isso, contudo, não é rebeldia. É mera distorção dos padrões estéticos. Sinais dos tempos? Acredito que sim.


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