Rock se impõe a
despeito de oposição
Pedro
J. Bondaczuk
O rock tardou a se
impor e se popularizar, primeiro nos Estados Unidos e, posteriormente, no resto
do mundo, pela forte oposição que enfrentou por muitos anos, motivada,
principalmente, pelo preconceito racial. Afinal, era um ritmo confundido com
duas de suas principais vertentes – o blues e o rhytm and blues –
características de artistas negros. Recorde-se que nos anos 50 do século XX os
conflitos raciais, na terra de Tio Sam, eram tão ou mais agudos que na África
do Sul, com sua política segregacionista do “apartheid”. Estes apenas foram
atenuados em meados dos anos 60, com a política integracionista iniciada pelo
presidente John F. Kennedy. Sabe-se que jovens brancos, da classe média
norte-americana, adquiriam “secretamente” gravações de rock. Afinal, para eles,
essa música exótica e tão animada não lembrava em nada as manifestações
musicais negras. As letras, por exemplo, eram alegres e tratavam de amor e de
erotismo, sem os lamentos, portanto, dos blues, que no próprio nome já sugere
tristeza, melancolia e sofrimento. O ritmo era frenético, contagiante e
convidativo à dança.
O rock, todavia, era
ferozmente combatido pelos adultos, que o consideravam foco de perdição para a
juventude, por, no entender deles, sugerir liberdade sexual e rebeldia em
relação aos “bons costumes”. E isso ocorria não apenas nos Estados Unidos, mas
em várias outras partes do mundo. O novo ritmo chegou ao Brasil no início da
minha adolescência, lá pelos idos de 1956. Lembro-me bem da oposição dos mais
velhos a ele, alegando tratar-se de símbolo da imoralidade e da “corrupção dos
costumes”. O filme “Blackboard Jungle”, cuja trilha sonora incluía o “Rock
Around the Clock”, interpretada por Bill Halley e The Comets, por exemplo,
chegou a ser proibido pelo então governador do Estado de São Paulo, Jânio
Quadros, que o considerava “moralmente pernicioso”.
Nos Estados Unidos,
foram inúmeros os artigos, nos principais jornais e revistas do país, dos tais
“formadores de opinião”, condenando o rock e os novos costumes por ele ditados.
Para não parecerem, excessivamente conservadores (que de fato eram) e muito
menos preconceituosos, argumentavam que o ritmo era, musicalmente, pobre.
Muitos e muitos – e tenho comigo, em meu arquivo, alguns desses textos para
comprovar – garantiam, de forma pedante e arrogante, que se tratava de mero
modismo, portanto de vida efêmera, que logo seria deixado de lado, assim
surgisse algo que o substituísse. Obviamente, se enganaram. Gostaria de saber –
caso estejam ainda vivos – o que esses articulistas achariam hoje dessas
opiniões tão “furadas” e infelizes que emitiram, e por escrito. Provavelmente,
negariam a autoria.
Entendo que, mais
importante do que a produção cinematográfica “Blackboard Jungle”, em cuja
trilha sonora constava o “Rock Around the Clock”, o rádio foi o verdadeiro
responsável pelo sucesso do novo ritmo. Os programadores, sabe-se lá por qual
razão (provavelmente por gosto pessoal), incluíam, em sua programação musical,
esse estilo tão frenético e dançante. Foram eles que influenciaram milhões de jovens
brancos a comprarem,, “escondidos”, os discos dessa música tida e havida como
sendo dos “negros”, mas que mexia tanto com eles. E, afinal, o produtor Richard
Brooks decidiu incluir a composição de Bill Halley no filme que produziu e
dirigiu após ouvir a gravação no rádio de seu carro. Justiça, portanto, seja
feita. Aliás, tratou-se de algo de mútuo benefício. Explico.
Nos Estados Unidos, a
televisão ganhava, cada vez mais, espaço, ameaçando “matar” o rádio, que já
vinha atravessando crise e sendo considerado por muitos como “obsoleto”.
Precisava, pois, de novidades, de coisas que a TV não mostrava, para justificar
sua existência e não perder anunciantes, o que, se acontecesse, seria seu fim.
E o rock foi uma dessas coisas “novas” que esse veículo (hoje mais vivo do que
nunca) apresentou, até exaustivamente, aos ouvintes. Foi, pois, uma aposta
coroada de total êxito. No Brasil a coisa não chegava a tanto. A televisão
ainda “engatinhava” por aqui, pois quando o rock apareceu entre nós, tinha
apenas seis anos de existência. Só uns pouquíssimos privilegiados podiam
despender a relativamente elevada quantia de dinheiro para adquirir um aparelho
receptor de TV, o que erra, portanto, raríssimo.
Ademais, não valia a
pena fazer esse investimento. As opções oferecidas eram escassas e pífias por
parte dos três canais que então existiam em São Paulo (Tupi, Record e Paulista,
que mais tarde se transformaria na Globo paulistana). Havia um punhado de
filmes velhos e mal legendados e uma infinidade de programas feitos na base da
pura improvisação, muitos deles chatíssimos e até sem sentido. As transmissões
não eram contínuas. Começavam às 15 horas e encerravam-se por volta das 23. E
eram apenas locais (no caso em tela, da cidade de São Paulo). Os sucessos, aqui
no Brasil, no ano em que o rock começou a despontar e se impor em todo o mundo,
eram feitos e desfeitos pelo rádio, este sim veículo de imensa penetração
popular.
Ao contrário, todavia,
do que ocorria nos Estados Unidos, nossos programadores tinham certa prevenção
em programar composições desse novo ritmo. Era ousadia demais para eles, diante
da feroz oposição dos meios mais conservadores da sociedade (que no Brasil
sempre teve, e ainda tem essa característica). Um ou outro ousava introduzir
alguma gravação de astros que despontavam no cenário internacional, não sem
antes tecerem contundentes críticas a propósito. Ninguém me falou disso. Eu
testemunhei o que afirmo. Vivi isso e faço questão de registrar. Foi no início,
reitero, da minha adolescência. O cantor, geralmente programado, era o que não
tardaria a ser considerado “rei do rock” (e o é até hoje, décadas após sua
morte, até mais do que isso, um mito), ou seja, Elvis Presley. Seus sucessos
apareciam, meio que perdidos, em nossas paradas, em meio aos hits de Sílvio
Caldas, Nelson Gonçalves, Cauby Peixoto, Ângela Maria, Elizeth Cardoso, Roberto
Luna, Morgana e Lana Bittencourt, entre tantos outros. Bem, é verdade que se
tratava de tempo em que nossa cultura era, pelo menos, valorizada. Já hoje...
Deixa pra lá!!
Todavia na imprensa, as
discussões rolavam soltas (a exemplo do que ocorria nos Estados Unidos).
Educadores viam no rock, que começava a se popularizar também entre nós,
péssima influência para a juventude. Cansei de ouvir vários dos meus
professores de então fazerem intermináveis sermões condenatórios a propósito.
Médicos, por sua vez, garantiam que as contorções dessa dança frenética e
trepidante causavam artroses e outros comprometimentos na coluna e nas
articulações, além dos músculos. Advertiam que poderiam provocar, em casos
extremos, até irreversíveis paralisias. E as velhas senhoras, do alto de sua
sabedoria, supostamente ditada pela experiência, sentenciavam: “É coisa do
demônio!!! Onde já se viu moças e rapazes se agarrarem e se contorcerem dessa forma?!!”.
Ora, ora, ora...
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