Monday, May 11, 2015

Rock se impõe a despeito de oposição

Pedro J. Bondaczuk

O rock tardou a se impor e se popularizar, primeiro nos Estados Unidos e, posteriormente, no resto do mundo, pela forte oposição que enfrentou por muitos anos, motivada, principalmente, pelo preconceito racial. Afinal, era um ritmo confundido com duas de suas principais vertentes – o blues e o rhytm and blues – características de artistas negros. Recorde-se que nos anos 50 do século XX os conflitos raciais, na terra de Tio Sam, eram tão ou mais agudos que na África do Sul, com sua política segregacionista do “apartheid”. Estes apenas foram atenuados em meados dos anos 60, com a política integracionista iniciada pelo presidente John F. Kennedy. Sabe-se que jovens brancos, da classe média norte-americana, adquiriam “secretamente” gravações de rock. Afinal, para eles, essa música exótica e tão animada não lembrava em nada as manifestações musicais negras. As letras, por exemplo, eram alegres e tratavam de amor e de erotismo, sem os lamentos, portanto, dos blues, que no próprio nome já sugere tristeza, melancolia e sofrimento. O ritmo era frenético, contagiante e convidativo à dança.

O rock, todavia, era ferozmente combatido pelos adultos, que o consideravam foco de perdição para a juventude, por, no entender deles, sugerir liberdade sexual e rebeldia em relação aos “bons costumes”. E isso ocorria não apenas nos Estados Unidos, mas em várias outras partes do mundo. O novo ritmo chegou ao Brasil no início da minha adolescência, lá pelos idos de 1956. Lembro-me bem da oposição dos mais velhos a ele, alegando tratar-se de símbolo da imoralidade e da “corrupção dos costumes”. O filme “Blackboard Jungle”, cuja trilha sonora incluía o “Rock Around the Clock”, interpretada por Bill Halley e The Comets, por exemplo, chegou a ser proibido pelo então governador do Estado de São Paulo, Jânio Quadros, que o considerava “moralmente pernicioso”.

Nos Estados Unidos, foram inúmeros os artigos, nos principais jornais e revistas do país, dos tais “formadores de opinião”, condenando o rock e os novos costumes por ele ditados. Para não parecerem, excessivamente conservadores (que de fato eram) e muito menos preconceituosos, argumentavam que o ritmo era, musicalmente, pobre. Muitos e muitos – e tenho comigo, em meu arquivo, alguns desses textos para comprovar – garantiam, de forma pedante e arrogante, que se tratava de mero modismo, portanto de vida efêmera, que logo seria deixado de lado, assim surgisse algo que o substituísse. Obviamente, se enganaram. Gostaria de saber – caso estejam ainda vivos – o que esses articulistas achariam hoje dessas opiniões tão “furadas” e infelizes que emitiram, e por escrito. Provavelmente, negariam a autoria.

Entendo que, mais importante do que a produção cinematográfica “Blackboard Jungle”, em cuja trilha sonora constava o “Rock Around the Clock”, o rádio foi o verdadeiro responsável pelo sucesso do novo ritmo. Os programadores, sabe-se lá por qual razão (provavelmente por gosto pessoal), incluíam, em sua programação musical, esse estilo tão frenético e dançante. Foram eles que influenciaram milhões de jovens brancos a comprarem,, “escondidos”, os discos dessa música tida e havida como sendo dos “negros”, mas que mexia tanto com eles. E, afinal, o produtor Richard Brooks decidiu incluir a composição de Bill Halley no filme que produziu e dirigiu após ouvir a gravação no rádio de seu carro. Justiça, portanto, seja feita. Aliás, tratou-se de algo de mútuo benefício. Explico.

Nos Estados Unidos, a televisão ganhava, cada vez mais, espaço, ameaçando “matar” o rádio, que já vinha atravessando crise e sendo considerado por muitos como “obsoleto”. Precisava, pois, de novidades, de coisas que a TV não mostrava, para justificar sua existência e não perder anunciantes, o que, se acontecesse, seria seu fim. E o rock foi uma dessas coisas “novas” que esse veículo (hoje mais vivo do que nunca) apresentou, até exaustivamente, aos ouvintes. Foi, pois, uma aposta coroada de total êxito. No Brasil a coisa não chegava a tanto. A televisão ainda “engatinhava” por aqui, pois quando o rock apareceu entre nós, tinha apenas seis anos de existência. Só uns pouquíssimos privilegiados podiam despender a relativamente elevada quantia de dinheiro para adquirir um aparelho receptor de TV, o que erra, portanto, raríssimo.

Ademais, não valia a pena fazer esse investimento. As opções oferecidas eram escassas e pífias por parte dos três canais que então existiam em São Paulo (Tupi, Record e Paulista, que mais tarde se transformaria na Globo paulistana). Havia um punhado de filmes velhos e mal legendados e uma infinidade de programas feitos na base da pura improvisação, muitos deles chatíssimos e até sem sentido. As transmissões não eram contínuas. Começavam às 15 horas e encerravam-se por volta das 23. E eram apenas locais (no caso em tela, da cidade de São Paulo). Os sucessos, aqui no Brasil, no ano em que o rock começou a despontar e se impor em todo o mundo, eram feitos e desfeitos pelo rádio, este sim veículo de imensa penetração popular.

Ao contrário, todavia, do que ocorria nos Estados Unidos, nossos programadores tinham certa prevenção em programar composições desse novo ritmo. Era ousadia demais para eles, diante da feroz oposição dos meios mais conservadores da sociedade (que no Brasil sempre teve, e ainda tem essa característica). Um ou outro ousava introduzir alguma gravação de astros que despontavam no cenário internacional, não sem antes tecerem contundentes críticas a propósito. Ninguém me falou disso. Eu testemunhei o que afirmo. Vivi isso e faço questão de registrar. Foi no início, reitero, da minha adolescência. O cantor, geralmente programado, era o que não tardaria a ser considerado “rei do rock” (e o é até hoje, décadas após sua morte, até mais do que isso, um mito), ou seja, Elvis Presley. Seus sucessos apareciam, meio que perdidos, em nossas paradas, em meio aos hits de Sílvio Caldas, Nelson Gonçalves, Cauby Peixoto, Ângela Maria, Elizeth Cardoso, Roberto Luna, Morgana e Lana Bittencourt, entre tantos outros. Bem, é verdade que se tratava de tempo em que nossa cultura era, pelo menos, valorizada. Já hoje... Deixa pra lá!!

Todavia na imprensa, as discussões rolavam soltas (a exemplo do que ocorria nos Estados Unidos). Educadores viam no rock, que começava a se popularizar também entre nós, péssima influência para a juventude. Cansei de ouvir vários dos meus professores de então fazerem intermináveis sermões condenatórios a propósito. Médicos, por sua vez, garantiam que as contorções dessa dança frenética e trepidante causavam artroses e outros comprometimentos na coluna e nas articulações, além dos músculos. Advertiam que poderiam provocar, em casos extremos, até irreversíveis paralisias. E as velhas senhoras, do alto de sua sabedoria, supostamente ditada pela experiência, sentenciavam: “É coisa do demônio!!! Onde já se viu moças e rapazes se agarrarem e se contorcerem dessa forma?!!”. Ora, ora, ora...


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