Tuesday, May 19, 2015

O homem e a bola


Pedro J. Bondaczuk


O sucesso da seleção brasileira, na Copa do Mundo dos Estados Unidos, embora um feito meramente esportivo, que não pode ser usado por nenhum político para obter qualquer espécie de vantagem, encerra lições preciosas que todos podemos e devemos aprender.

Em primeiro lugar, significa uma ducha gelada na excitação dos eternos derrotistas, que juram por todas as juras que o povo que habita este imenso país de dimensões continentais é incompetente em tudo, ou quase tudo. Ao contrário. O Brasil pode carecer, na verdade, de líderes conscientes ou bem intencionados.

Todavia, mesmo andando, às vezes, às cegas, em círculos, seguindo a mera intuição, o brasileiro é versátil, é criativo, é resistente e, portanto, um vencedor.

Outra lição a ser extraída é a de que, apesar de ser necessário que não nos alienemos da realidade, sempre há um espaço para o sonho, para a fantasia, para a concretização de esperanças, mesmo as que pareçam impossíveis. Isto vale tanto para o esporte, quanto para a vida.

Poucas pessoas punham fé na atual seleção nas Eliminatórias do ano passado. Menos ainda quando do seu embarque para os Estados Unidos. Alguns, porém, ousaram sonhar. E, mesmo que por alguns desses acidentes de percurso --- comuns e normais num esporte como o futebol --- o tetra escape das mãos brasileiras, o resultado obtido já foi muito superior àquele esperado pela maioria.

O escritor realista italiano Verga afirmou que "copiar a realidade pode ser uma boa coisa, mas inventar a realidade é melhor, muito melhor".  E esta apenas se "inventa" com ação, com esforço, com determinação e com fé.

A seleção brasileira, convenhamos, apresentou uma infinidade de defeitos. Esteve longe, muito distante, da perfeição e de jogar aquele futebol mágico, alegre, versátil, como se fora um balé, de outras jornadas. Mas alcançou o objetivo que seus integrantes traçaram.

O imortal Nelson Rodrigues, numa de suas crônicas, expressou, em 1970, o que gostaríamos de ter expressado naquela ocasião e nesta atual, ao escrever: "Há um ser humano por trás da bola e digo mais: a bola é um reles, um ínfimo, um ridículo detalhe. O que procuramos no futebol é o drama, é a tragédia, é o horror, é a compaixão". E, convenhamos, não é também o que encontramos na vida?

Se podemos nos organizar e atingir a excelência em esportes coletivos como o futebol, o vôlei e o basquete, o que nos impede de agir da mesma forma, com idêntico espírito de união, para criarmos uma sociedade bem diferente da atual, que hoje é a mais injusta do mundo em termos de concentração de renda?

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 17 de julho de 1994).


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