Sunday, May 10, 2015

Horda de miseráveis


Pedro J. Bondaczuk


A Organização das Nações Unidas promove, como parte das comemorações do 50º aniversário de fundação, em Copenhague, na Dinamarca, a primeira Reunião de Cúpula sobre o Desenvolvimento Social, reunindo chefes de Estado e de governo de 111 países-membros. O encontro, de suma importância, por tratar de um tema em geral deixado para segundo plano, embora se constitua no maior problema da humanidade nesta virada de milênio, ficou um tanto esvaziado pela ausência de alguns governantes tidos como pesos-pesados mundiais, como é o caso do presidente norte-americano, Bill Clinton. Mas nem por isso a conferência deve ser considerada menos importante.

Que não se espere, porém, alguma solução imediata para a questão mais angustiante que está sendo discutida, a da pobreza absoluta, que afeta a 20% de toda a população do Planeta. Ou seja, mais de um bilhão de pessoas dependem completamente dos semelhantes para sobreviver. Não têm renda, moradia, acesso à saúde, à educação e a outros direitos básicos, que lhes garantam uma vida digna e produtiva. São os excluídos da Terra. São os miseráveis, os “invisíveis”, os “sombras”, os parias, os mais pobres entre os pobres.

Nesse ranking da miserabilidade, desgraçadamente, o Brasil está bem situado. Num documento oficial encaminhado aos organizadores da cúpula, o governo brasileiro admite que o País tem 16 milhões de indigentes. A cifra apenas será melhor percebida, em sua trágica magnitude, se for lida junto com comparações.

Esse número de mendigos equivale, por exemplo, à totalidade da população chilena. Ou à metade dos habitantes da Argentina. Ou a todas as pessoas, homens, mulheres e crianças, que vivem na Grande São Paulo. Terrível!

A tragédia brasileira, porém, ainda é maior. Basta informar que, além desses 16 milhões de indigentes, há outros 25 milhões de cidadãos que têm, somente, o suficiente para a comida. Oscilam à beira do abismo, num desespero que parece não ter fim.

Moram em favelas e mesmo ali muitos já não conseguem pagar aluguel. Uma fatalidade, uma perda de emprego, um pacote econômico mais desastrado e pronto. Tais pessoas passam a engrossar o vasto contingente dos que estão abaixo da linha da pobreza absoluta.

Diante desses números aterradores, não é de se estranhar que a violência esteja se tornando a preocupação número um da população, em todas as camadas sociais. Hoje, ela é assunto obrigatório em todas as conversas. Ocupa quase que a totalidade do espaço dos noticiários das televisões e uma quantidade razoável de centimetragem nos jornais.

Se considerarmos formas mais sutis em que ela se manifesta, está presente em toda a parte, preenchendo todo o nosso dia. Violência, por exemplo, é o salário-mínimo que não permite a quem o recebe sequer comprar os alimentos básicos à sua sobrevivência. É o mau atendimento nos hospitais públicos – que lembram os métodos medievais de tratamento e cura, esta última verdadeiro milagre. É a qualidade de ensino dado pelo Estado no 1º e 2º graus.

Por tudo isso, não se entende a omissão do governo brasileiro em não se fazer representar na cúpula de Copenhague pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. O governante, homem culto e sensível, conhecedor profundo dessa problemática até por formação, já que se trata de um sociólogo, fica privado de uma tribuna mundial para defender a causa dos excluídos, para denunciar esse sistema internacional insensato, que exclui um quinto da humanidade de todos os direitos, que é incapaz de prover trabalho a 800 milhões de pais e mães de família, que faz vistas grossas à morte de 250 mil crianças somente no prazo de duração do encontro da Dinamarca. Que mundo é esse? O que pensam os que geraram essa situação ou que se recusam a acabar com tamanha injustiça?

Diga-se, a favor de FHC, que ele não é o único presidente da América Latina a se ausentar da cúpula. Carlos Menem, da Argentina; Ernesto Zedillo, do México; Eduardo Frei, do Chile e Julio Maria Sanguinetti, do Uruguai, apenas para citar alguns, também não comparecem ao encontro.

Embora dessa conferência não vá sair mais do que um conjunto de intenções, sua simples realização já é um avanço. Mostra que, finalmente, a humanidade começa a vislumbrar qual é, de fato, o seu maior problema, raiz de todos os demais que a atormentam. Espera-se, somente, que não se limite a ficar no vislumbre e que algo de prático venha a ser feito para desmontar a terrível bomba da miséria que ameaça o Planeta.    

(Artigo publicado na página 2, Opinião, da Folha do Taquaral, em 11 de março de 1995)


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