Horda
de miseráveis
Pedro J. Bondaczuk
A Organização das Nações Unidas promove, como parte
das comemorações do 50º aniversário de fundação, em Copenhague, na Dinamarca, a
primeira Reunião de Cúpula sobre o Desenvolvimento Social, reunindo chefes de
Estado e de governo de 111 países-membros. O encontro, de suma importância, por
tratar de um tema em geral deixado para segundo plano, embora se constitua no
maior problema da humanidade nesta virada de milênio, ficou um tanto esvaziado
pela ausência de alguns governantes tidos como pesos-pesados mundiais, como é o
caso do presidente norte-americano, Bill Clinton. Mas nem por isso a
conferência deve ser considerada menos importante.
Que não se espere, porém, alguma solução imediata
para a questão mais angustiante que está sendo discutida, a da pobreza
absoluta, que afeta a 20% de toda a população do Planeta. Ou seja, mais de um
bilhão de pessoas dependem completamente dos semelhantes para sobreviver. Não
têm renda, moradia, acesso à saúde, à educação e a outros direitos básicos, que
lhes garantam uma vida digna e produtiva. São os excluídos da Terra. São os
miseráveis, os “invisíveis”, os “sombras”, os parias, os mais pobres entre os
pobres.
Nesse ranking da miserabilidade, desgraçadamente, o
Brasil está bem situado. Num documento oficial encaminhado aos organizadores da
cúpula, o governo brasileiro admite que o País tem 16 milhões de indigentes. A
cifra apenas será melhor percebida, em sua trágica magnitude, se for lida junto
com comparações.
Esse número de mendigos equivale, por exemplo, à
totalidade da população chilena. Ou à metade dos habitantes da Argentina. Ou a
todas as pessoas, homens, mulheres e crianças, que vivem na Grande São Paulo.
Terrível!
A tragédia brasileira, porém, ainda é maior. Basta
informar que, além desses 16 milhões de indigentes, há outros 25 milhões de
cidadãos que têm, somente, o suficiente para a comida. Oscilam à beira do
abismo, num desespero que parece não ter fim.
Moram em favelas e mesmo ali muitos já não conseguem
pagar aluguel. Uma fatalidade, uma perda de emprego, um pacote econômico mais
desastrado e pronto. Tais pessoas passam a engrossar o vasto contingente dos
que estão abaixo da linha da pobreza absoluta.
Diante desses números aterradores, não é de se
estranhar que a violência esteja se tornando a preocupação número um da
população, em todas as camadas sociais. Hoje, ela é assunto obrigatório em
todas as conversas. Ocupa quase que a totalidade do espaço dos noticiários das
televisões e uma quantidade razoável de centimetragem nos jornais.
Se considerarmos formas mais sutis em que ela se
manifesta, está presente em toda a parte, preenchendo todo o nosso dia.
Violência, por exemplo, é o salário-mínimo que não permite a quem o recebe
sequer comprar os alimentos básicos à sua sobrevivência. É o mau atendimento
nos hospitais públicos – que lembram os métodos medievais de tratamento e cura,
esta última verdadeiro milagre. É a qualidade de ensino dado pelo Estado no 1º
e 2º graus.
Por tudo isso, não se entende a omissão do governo
brasileiro em não se fazer representar na cúpula de Copenhague pelo presidente
Fernando Henrique Cardoso. O governante, homem culto e sensível, conhecedor
profundo dessa problemática até por formação, já que se trata de um sociólogo,
fica privado de uma tribuna mundial para defender a causa dos excluídos, para
denunciar esse sistema internacional insensato, que exclui um quinto da
humanidade de todos os direitos, que é incapaz de prover trabalho a 800 milhões
de pais e mães de família, que faz vistas grossas à morte de 250 mil crianças
somente no prazo de duração do encontro da Dinamarca. Que mundo é esse? O que
pensam os que geraram essa situação ou que se recusam a acabar com tamanha
injustiça?
Diga-se, a favor de FHC, que ele não é o único
presidente da América Latina a se ausentar da cúpula. Carlos Menem, da
Argentina; Ernesto Zedillo, do México; Eduardo Frei, do Chile e Julio Maria
Sanguinetti, do Uruguai, apenas para citar alguns, também não comparecem ao
encontro.
Embora dessa conferência não vá sair mais do que um
conjunto de intenções, sua simples realização já é um avanço. Mostra que,
finalmente, a humanidade começa a vislumbrar qual é, de fato, o seu maior
problema, raiz de todos os demais que a atormentam. Espera-se, somente, que não
se limite a ficar no vislumbre e que algo de prático venha a ser feito para
desmontar a terrível bomba da miséria que ameaça o Planeta.
(Artigo publicado na página 2, Opinião, da Folha do
Taquaral, em 11 de março de 1995)
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